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O campo de volta à cidade

O cultivo dos alimentos há décadas é realizado longe das áreas urbanas, onde é consumido – mas as fazendas urbanas colocam em xeque essa realidade

Imagine uma fazenda de cultivo de hortaliças. Agora posicione ela no meio da cidade de São Paulo, ao lado da Marginal Tietê, a via mais movimentada do Hemisfério Sul. É onde fica a Pink Farms, a primeira fazenda vertical urbana da América Latina. O negócio hi-tech faz parte da tendência das fazendas urbanas, ou urban farms, que têm dado seus primeiros passos no país.

O que começou como um hobbie entre os amigos Geraldo Maia e Mateus e Rafael Delalibera, hoje tem uma produção de quase três toneladas. Na Pink Farms, as plantas são cultivadas em um ambiente totalmente controlado. As funções que normalmente são feitas pelo sol, neste caso são realizadas por luzes de LED, que ajudam na fotossíntese

“Uma fazenda, por definição, no Brasil, é uma área maior que 40 alqueires, mas as fazendas urbanas são pequenas. É a cidade voltando a ser rural – e não uma fazenda vindo importada para dentro da cidade”, analisa Tiago Jarek, professor do curso de Agronomia da PUCPR.

Por conta das técnicas empregadas na produção, as plantas da Pink Farms não são expostas a agrotóxicos e não tem marcas de insetos ou terra, como as produzidas a céu aberto. “Plantas cultivadas em sistemas de alta tecnologia exigem mais conhecimento científico, porque é preciso adequar os nutrientes e luz de forma muito mais precisa do que ao ar livre”, reflete Jarek.

“Em um ambiente controlado, é mais fácil evitar pragas e, com isso, chegar num produto final com uma quantidade menor de agrotóxico.”

Rural X urbano

Há centenas de anos, a sociedade urbana afastou as plantações das residências, mas, hoje, essa realidade tem sido revista. “A questão de produzir alimentos dentro das cidades, próximo das casas das pessoas, é uma tendência forte, talvez até mais duradoura do que os empreendimentos das fazendas urbanas“, aponta Jarek. Isso porque as hortas comunitárias e até o cultivo de plantas em casa ou no telhado de prédios fazem parte deste movimento.

A Prefeitura de Curitiba embarcou na tendência e inaugurou a Fazenda Urbana de Curitiba, espaço inédito no país dedicado à educação para a prática agrícola sustentável nas cidades.

“O processo da agricultura urbana é de sensibilização do consumidor, para entender esse processo de evitar desperdício, de valorizar o alimento de verdade e buscar o produtor local. É o marco de mudança de uma mentalidade”, observa Luiz Gusi, secretário municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba.

Em uma área de 900m que servia como estacionamento da Prefeitura, trabalham temas como compostagem, diversificação de espécies e plantas alimentícias não-convencionais (pancs). Criaram, também, o projeto Mesa Solidária, em que as entidades que preparam comida para a população mais vulnerável passaram a usar o espaço para plantar, colher e preparar os alimentos.

“A fazenda foi local de encontro de chefs de cozinha e de pessoas da comunidade, além de desmistificar de que é possível fazer essa conexão com o rural em ambientes urbanos”, ressalta Gusi. O plano é instalar mais três fazendas urbanas na cidade, nos bairros  Tatuquara, CIC e Alto da XV.

(Foto: Dan Magatti)
(Foto: Dan Magatti)
(Foto: Dan Magatti)
(Foto: Dan Magatti)

 

Custo-benefício

Por mais que o gasto em energia na Pink Farms seja maior do que em uma plantação a céu aberto, a economia em outros pontos, como encurtar a distância entre a produção e o consumo dos alimentos, compensa a diferença. “Nós plantamos, processamos na sala ao lado e entregamos para o consumidor. Encurtando essa cadeia, temos uma série de economias que nos permite ter um produto com preço competitivo”, pondera Mateus, um dos sócios-fundadores.

É um ponto importante, também, para a sustentabilidade, um dos pilares da empresa.

“Temos uma economia muito grande de água. Como estamos em uma sala fechada, aproveitamos a água que a planta transpira, além da redução das etapas de transporte, o que reduz as emissões [de gases que contribuem para o efeito estufa]”, pontua. “O desperdício de folhosas é muito alto. Por ele chegar muito mais fresco no ponto de venda e ter um prazo de validade maior, conseguimos reduzir bastante a perda.”

A recepção das pessoas à novidade tem sido positiva. “É surpreendente o quão pouco de receptividade ruim a gente tem. As pessoas ficam impressionadas por ser supertecnológico. A gente passa uma ideia de cuidado com a produção”, conta Delalibera. “A agricultura urbana pode ser feita de diversos jeitos, a gente faz de um, mas existem vários. Isso também não significa que o campo não vai existir.”

O objetivo da empresa é ser uma marca nacional de hortaliças. “A gente consegue garantir que, se a gente vai vender o produto aqui ou no Nordeste, vai ser exatamente o mesmo produto. É uma questão de replicar esses ambientes”, afirma.

Para Jarek, a tecnologia é importante para dar mais opções aos consumidores. “Nós queremos mais qualidade e que as novas formas de produção venham para somar e trazer um ambiente de produção diferente dessa realidade com tantos agrotóxicos.”

(Foto: Divulgação)

Projetos de agricultura urbana


SKY GREENS

Primeira fazenda vertical de baixo carbono, a iniciativa fica em Singapura e tem como objetivo usar soluções verdes para produzir vegetais frescos usando o mínimo de recursos de terra, água e energia. A Sky Greens pretende se tornar a líder mundial em fornecimento de soluções tecnológicas para a agricultura urbana sustentável.

ECF FARMSYSTEMS

Maior fazenda aquapônica urbana da Europa, a empresa desenvolveu, a partir da aquaponia, diversas técnicas para produção em larga escala em ambiente urbano. A água é utilizada de forma circular e captada pela chuva. A fazenda fica em Berlim,

TOWER GARDEN

Localizada em Los Angeles, também utiliza a produção vertical com uma técnica que promete funcionar tanto para grande escala quanto para hortas domésticas. A empresa atende gigantes, como o refeitório da sede do Google e a Universidade de Stanford.

*Matéria originalmente publicada na edição #248 da revista TOPVIEW. 

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