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A tendência e o luxo das peças feitas à mão

O movimento handmade se destaca como tendência, enquanto marcas regionais buscam se destacar em um cenário focado na exclusividade e na qualidade

Um dos requisitos essenciais para uma marca conseguir o status de maison, ou seja, integrar a alta-costura parisiense, é que todas as peças da coleção sejam desenvolvidas artesanalmente, com todas as etapas feitas à mão. Em uma indústria de grande escala, o handmade não significa somente uma interpretação moderna do que é o verdadeiro luxo na moda como, também, aproxima-se da ideia de obra de arte, uma vez que cada peça se torna única em seus mínimos detalhes.

Quando a moda como conhecemos hoje teve início, tudo era feito à mão, especialmente por alfaiates – figuras cada vez mais raras atualmente. A escala e o modelo de produção mudou drasticamente com a Revolução Industrial. As máquinas entraram em jogo, tornando as roupas mais acessíveis, porém, com menor qualidade e cada vez menos personalização.

“O mercado de luxo preservou o handmade como forma de personalização e com matéria-prima de maior qualidade”, explica Celina Bühler, especialista em mercado de luxo e professora de Luxury Brand Management na ESPM. Para ela, esse segmento de produtos tem maior valor agregado não só a partir do processo empregado como, também, por conta dos materiais escolhidos.

O PASSADO E O FUTURO DO HANDMADE NO BRASIL

O Brasil é um expoente quando se fala em handmade. Macramê, crochê e renda são exemplos de técnicas ancestrais milenares que foram preservadas por povos indígenas e descendentes de europeus e permaneceram em inúmeras famílias. Além disso, o país é um dos grandes exportadores de algodão e seda do mundo.

Apesar de todo esse contexto, o brasileiro, segundo Celina, ainda tem um perfil de consumo alinhado aos americanos, no qual prevalecem as compras exageradas sem, necessariamente, uma curadoria apurada. Por outro lado, “aos poucos, o brasileiro passa a entender o valor e a abrir o olhar para a qualidade do produto […] o movimento interno da moda brasileira tem que se erguer para não perder o público de luxo que começou a olhar para o feito à mão”, defende a especialista.

“Estamos em um momento de transformação. Ainda é muito difícil esse olhar do consumidor para o handmade regional. O preço é um impeditivo e ainda temos um desafio de educação cultural”, avalia Celina sobre o cenário atual do setor.

Para ela, a produção à mão ainda tem muito a avançar e se reinventar conforme a disponibilidade de materiais e mão de obra. É possível, por exemplo, que as mesmas técnicas já conhecidas há milhares de anos passem a ser aplicadas em tecidos mais tecnológicos, por exemplo.

ALBERTA ACESSÓRIOS

Da formação em Artes Visuais à vontade de empreender, Paula Zuchetto deu início à marca Atelier Alberta, que tem uma coleção de pequenas peças de arte que podem ser incorporadas ao cotidiano, feitas sempre de metais e cerâmica. A produção respeita a criação com calma e afeto, considerando o ritmo natural dos materiais utilizados.

A inspiração para criação de peças vem de diferentes fontes.

Com insumos extraídos da natureza e um fazer manual, naturalmente, é impossível que uma peça saia igual à outra.  O processo da cerâmica é muito apaixonante. A gente nunca pode prever como uma peça vai sair do forno, porque normalmente está diferente. Precisamos deixar o material falar”, conta a dona da marca. Tudo começa com a argila, que é moldada, passa por uma primeira queima, é esmaltada e volta ao forno. Quando a peça envolve metais, o processo é ainda mais longo. Uma peça pode demorar até dois meses para ser executada.

Suas inspirações são diversas e se encontram, principalmente, no universo da arte, em movimentos artísticos contemporâneos, além de elementos da natureza e das cidades . “A gente faz um acervo de repertórios”, explica Paula. “Às vezes, consigo seguir um processo mais organizado, mas às vezes é mais caótico”, completa a artista.

As formas orgânicas são intrínsecas à Alberta.

Na Alberta, o aspecto de exclusividade das peças se dá não apenas no produto, mas na própria relação com as clientes, que podem optar por encomendas personalizadas e pelo processo de venda muito próximo. Para a empreendedora, a marca pode até expandir no futuro, mas vai sempre passar pela sua mão antes.

CRUDA 1989

De uma família repleta de artistas, seria quase impossível que Celeste Queiroga não escolhesse trabalhar com criações próprias. A avó era costureira; o pai, fotógrafo e desenhava caricaturas; já a mãe começou a comprar tecidos e criar roupas quando ela ainda era quase um bebê, aos três anos. Enquanto crescia, ela fez aula de pintura, criou suas primeiras peças e, quando decidiu abrir seu próprio negócio, a opção escolhida foi pelo upcycling de luxo: assim nasceu a Cruda 1989.

Bolsa Raton.

A marca apresenta bolsas e acessórios feitos a partir de retalhos e materiais selecionados e de extrema qualidade, como couros e tecidos fabricados no Brasil. Todas as etapas passam pela mente e pelas mãos de Celeste. “As minhas mãos sempre foram as minhas melhores ferramentas. Quando eu conto como a bolsa é feita, valoriza muito mais e as pessoas dão mais valor”, diz.

Com a matéria-prima reduzida, as peças acabam sendo feitas em menor escala, seguindo uma linha de exclusividade. “É obvio que não vou ter 50 bolsas vermelhas, 70 bolsas roxas. O máximo que eu já consegui produzir com um retalho de couro foram dez bolsas”, conta a estilista. Ao notar o estilo de vida de suas clientes, Celeste passou a optar por cores mais básicas – apesar dos formatos diferenciados –, ideais para diferentes momentos de vida.

A marca foi criada com a estratégia de upcycling de luxo

Para Celeste, as inspirações têm fontes diversas e podem vir de filmes e séries, músicas e diversas vivências que permeiam sua vida nos meses anteriores às coleções. A criatividade não tem limites e os próximos passos incluem novos produtos, feitos com tecidos naturais.

DOM BERNARDINO

É possível lembrar a primeira vez em que consideramos algo belo? Para Marcos Bernardino, buscar essa memória remete à plantação de algodão da sua família, na cidade de Iracema do Oeste, quando ele tinha entre quatro e cinco anos. Esse registro também representa o seu primeiro contato com a moda. O gosto pela coisa só aumentou quando ganhou de presente de sua avó um pequeno kit para fazer reparos em suas próprias roupas.

A excelência no processo de produção de roupas está na essência da Dom Bernardino.

Já na vida adulta, esse contato se tornou permanente ao trabalhar com marcas como Puma, Ray-Ban e Armani, conhecendo todas as etapas do desenvolvimento de itens de luxo, da criação às peças finais. “Depois disso, resolvi me inclinar de forma íngreme na alfaiataria”, conta. Depois de trabalhar em uma marca do segmento, decidiu que abriria a sua própria. “Minha linguagem era mais moderna e tecnicamente impecável”, continua.

Entre coleções fixas e peças sob medida, a Dom Bernardino preserva, na essência, insumos escassos, como tecidos preservados há mais de 50 anos, e uma confecção minuciosa, que pode se comparar quase a um ritual. Prova disso é o slogan da marca, que já traduz a sua intenção: “Feito por mãos humanas”.

Marcos Bernardino se inspirou nas principais alfaiatarias do mundo.

“Gastamos muito mais tempo conhecendo a pessoa e depois partimos para uma avaliação técnica e, a partir dali, vamos a um processo construtivo, as provas”, conta Marcos sobre as peças por encomenda. Mesmo com a atenção voltada ao cliente, ele não deixa de colocar o seu toque em tudo o que faz. “Eu me inspiro nas maiores alfaiatarias do mundo, as italianas. Como homem negro, busco inspirações na minha hereditariedade. A cor, o padrão e a textura são elementos muito importantes pra mim”, explica. Para o empresário, apesar do handmade ser um movimento mundial das marcas, a alfaiataria não se rende à moda nem às tendências. “Um bom corte é um bom corte na década de 1930 e agora”, finaliza.

DOM MINÚ

As peças transmitem feminilidade e autenticidade.

O nome “Minú” define bem qual é a base criativa da marca idealizada pela diretora criativa Maya Mamede:
são as minúcias, os detalhes que as peças destacam em acabamentos impecáveis, formas inovadoras e texturas surpreendentes. Mesmo com estruturas diferenciadas e um design quase arquitetônico, a funcionalidade e a praticidade fazem parte do DNA na confecção de cada roupa.

O ponto de partida para a criação da Minú é o encontro entre moda e arte, que sempre esteve presente na vida de Maya – que ela também define como o seu “ponto liberdade” e também o que toma mais trabalho durante a produção. “O feito à mão permeia muito do que crio […] Por meio do handmade, desenvolvemos formas esculturais e que escapam do óbvio”, diz a criadora da marca.

A Minú teve início com detalhes que transformam as roupas.

Como todo artista, Maya não tem um padrão estabelecido para seu processo criativo. “[Ele] é cheio de contrastes. Em um momento, sou fluida, em outro, metódica. E acho que é justamente esse contraste entre os dois mundos que faz da Minú o que é: uma moda abstrata e realista na mesma medida”, explica ela.

A essência da marca compreende a feminilidade, a fluidez e as formas orgânicas, fruto das inspirações e do próprio processo de trabalho de Maya. “Me sinto comprometida com uma coisa: fazer uma roupa capaz de acender o que há de mais bonito na mulher que nos veste”, conclui ela. 

A intersecção entre moda e arte é a inspiração de Maya Mamede.

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*Matéria originalmente publicada na edição #294 da TOPVIEW

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