Natalie Unterstell: do mundo para o Paraná
Foi logo depois do Natal, no dia em que embarcaria para a Antártida, que Natalie Unterstell conversou com a TOPVIEW. Dona de um currículo admirável, com um trabalho de 5 anos ao lado dos índios na Amazônia, formação como mestre em administração pública pela Universidade de Harvard (EUA) e passagens pelo governo de Amazonas e o governo federal, a estrategista de políticas públicas estava com as malas prontas para encarar uma viagem que duraria pelo menos 21 dias de barco, ao lado de mais 79 mulheres, em um projeto chamado Homeward Bound, voltado à formação de lideranças. Natalie aproveitou o clima de fim de ano para avaliar sua imersão no universo político como candidata a deputada federal em 2018 pelo Podemos e contou do convite que recebeu para fazer parte do governo do recém-empossado Ratinho – decisão a ser tomada quando voltar de viagem.
Bem, para quem já passou cinco anos na Amazônia, a Antártida não deve ser assim tão complicada (risos). Por favor, conte um pouco da sua formação.
Sou de Porto União, na fronteira do Paraná com Santa Catarina. Vim para Curitiba com 12 anos e fiquei por aqui até os 17. Fiz faculdade de administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, e acabei me apaixonando pela área pública. Fui para Amazônia em 2004, por acaso. Acabei amando e fui trabalhar lá. Morei por cinco anos, na fronteira do Brasil com a Colômbia, ajudando os índios a montar planos de negócios. O projeto que me fez ir para lá é o da pimenta baniwa (que mais tarde foi apoiado pelo Instituto Atá, do chef Alex Atala). Era muito legal porque tinha acesso a gente do mundo inteiro: militar, indígena, estrangeiro, FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], então vivia em um microcosmo do que acontecia no mundo. Quando eu saí de lá, fui pela ONG pela qual trabalhava para Oslo (Noruega) tentar emplacar um fundo de um bilhão de dólares para a Amazônia. Fiquei um ano e voltei para o Amazonas, mas para trabalhar no governo estadual, que estava com parcerias em prol da Amazônia. Aí, me chamaram para o governo federal (na gestão de Dilma Roussef). Acabei trabalhando na secretaria de assuntos estratégicos. Fizemos um trabalho de analisar os investimentos para os próximos 25 anos e ver quais investimentos teriam valido a pena em 2040, considerando clima, população. De lá, saí para Harvard. Eu e meu marido fomos de veleiro. Foi maravilhoso, moramos à bordo e digo que o único arrependimento que eu tenho é o de não ter continuado, do ponto de vista de desapego. De Harvard para cá, eu acabei saindo dessa coisa mais ambiental, indo mais para política pública.
E daí você tentou a vaga na câmara. Como foi a experiência de ser candidata?
Eu parei tudo o que estava fazendo, e fui dar minha contribuição para a democracia. Mas a experiência foi muito legal, conheci gente interessante, rodei o Paraná inteiro. E antes da campanha eu rodei o estado inteiro, conheci coisas surpreendentes, projetos bacanas, gente que faz coisa acontecer. Não repetiria, mas foi de grande conhecimento. Tudo o que eu sempre fiz sempre foi muito macro. De repente você olha e vê que na sua casa, no seu estado, há situações muito piores do que no Amazonas. E eu achava que era um estado mais bem resolvido.
E o que mais te chocou?
As pessoas desesperadas por renda, por emprego. Não sei se eu estava em uma bolha em Curitiba, onde todo mundo é empreendedor. Vi uma realidade sofrida, que talvez eu não estivesse esperando.
“Tudo o que eu sempre fiz sempre foi muito macro. De repente você olha e vê que na sua casa, no seu estado, há situações muito piores do que no Amazonas. E eu achava que era um estado mais bem resolvido.”
E você pensa em seguir carreira política?
Não sei. Meu plano é continuar o que eu estava fazendo antes, que é trabalhar com política pública. Tem uma proposta de ir para o governo estadual que eu estou negociando – eu estou muito a fim de ficar em Curitiba – mas a minha ideia, junto com várias pessoas, é ter um gabinete de transformação digital no estado, que é basicamente pegar processos de interface pública e redesenhar, começando com cases. Começar, por exemplo, por matrículas escolares: você revisa todo o processo, 70% é botar antropólogo, um monte de gente para pensar sob o ponto de vista de quem tem que fazer a matrícula do filho, como tem que funcionar; e 30% é tecnologia. Daí o governador me chamou e expliquei que tenho essa bandeira, trabalhando também com cases ambientais, como a questão do licenciamento – um negócio oneroso, suscetível à corrupção -, então desenhar um negócio transformador. Minha vontade é essa, mas vou esperar voltar da Antártida para decidir. Para 2019, queria muito que a gente criasse um novo campo político, mas no sentido público, no Paraná. Eu já entendi o que eu posso fazer no mundo, mas eu queria algo aqui. Quero atuar aqui, ter uma política mais feminina, mais acolhimento, mais oportunidade. Isso eu aprendi muito em Harvard, porque eles insistem muito nisso: as economias que mais estão crescendo hoje são aquelas em que mulher tem espaço para trabalhar.
E como lida com a pressão de ser uma aposta, de ser esse agente de transformação, uma pessoa que já fez tanta coisa aos 35 anos?
Eu nunca pensei nisso, para falar a verdade. Talvez a reflexão que eu tenho, depois da campanha, vem de uma palavra em inglês, superactiver, de entrar para ganhar. Eu me sinto muito alguém que vai abrindo a picada no mato. Aí depois, se vai vir gente e fazer algo bem feito, ok, mas eu não sou a pessoa que vai aperfeiçoar. Eu sou a pessoa que gosta muito de tomar risco e é isso, vamos lá. É da minha personalidade. Não me sinto pressionada. Se eu comprar o negócio, eu vou.
“Eu já entendi o que eu posso fazer no mundo, mas eu queria algo aqui. Quero atuar aqui, ter uma política mais feminina, mais acolhimento, mais oportunidade.”
E o fato de ser uma desbravadora mulher, como é isso?
Ah, tenho sentido cada vez mais dificuldade. E nesse período de me preparar para a Antártida, entendi algumas coisas. A desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho com relação a salários começa a partir dos 30 anos e explode aos 40 anos. Porque a mulher começa a ter filho e isso representa um risco; não é ser mulher, é ser mulher na idade de ser mãe. E eu tenho sentido cada vez mais, uma briga por espaço. É uma coisa da nossa geração, que temos que resolver. Eu acho importante, falando em filhos, que as meninas tenham modelo, que possam querer ser uma astronauta. Minha pegada na política é que temos que ter mais mulheres. Sou a favor das cotas – é superpolêmico, pois a cota nem sempre é o instrumento mais adequado – mas até por trabalhar com política pública, sei que a cota é um remédio meio amargo, mas que dá visibilidade para uma coisa.
Natalie Unterstell foi uma das finalistas no Prêmio Personalidades TOPVIEW. Confira!