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Manu Buffara, a chef que está colocando Curitiba no mapa da gastronomia mundial

A premiada chef paranaense fala sobre suas ideias a respeito da alimentação e sua valorização da gastronomia local

Manu Buffara vem colecionando prêmios e convites para eventos importantes na gastronomia desde que abriu seu restaurante em Curitiba, em 2011. A chef de 35 anos, nascida em Maringá, se notabilizou com uma cozinha autoral e criativa, baseada em produtos locais e apresentada em menus degustação no restaurante que leva seu nome na Alameda Dom Pedro II, no Batel.

Sua cozinha também começou a ganhar visibilidade fora do país. Em abril, Manu foi convidada para participar da conferência Worlds of Flavor, organizada pelo Instituto Culinário da América (CIA) em Napa Valley, na Califórnia. É um dos eventos de gastronomia mais importantes do mundo e o único chef brasileiro a participar até então havia sido Alex Atala.

Pouco depois de voltar ao Brasil, a chef conversou com a reportagem em uma das mesas do Manu. Ela falou sobre como é “levar a bandeira” de Curitiba e do Paraná para onde vai — o que inclui, por exemplo, falar sobre o seu trabalho com a Horta Comunitária do Rio Bonito, no Tatuquara, que ganhou uma importância central em sua vida. “As comunidades com que trabalho são o que me faz acordar todos os dias”, diz.

Na entrevista a seguir, Manu também fala sobre suas ideias na cozinha, a importância de uma cultura alimentar consciente e a reeducação alimentar pela qual passou. Leia os principais trechos:

Onde você está buscando ideias para criar seus pratos hoje?
Faço pesquisa de desenvolvimento de produtos. São ingredientes comuns, que as pessoas usam, mas com uma forma diferente de servir. Gosto muito de transformá-los em algo que faça as pessoas se perguntarem o que é, que sabor é esse, de onde vem. Isso é o que mais me apaixona. Tento fazer algumas coisas fora dos parâmetros, mas, realmente, sempre com o sabor em primeiro lugar. Busco o que a gente chama de umami, o sabor do centro da língua. É quando você fala: “Uau”.

Foi um desafio convencer as pessoas com esse conceito de gastronomia por aqui?
Nunca vou esquecer uma vez em que tive que apresentar um prato num curso que fazia por volta dos 18 anos. O chef disse: “Isso é para capa de revista. Não é vendável”. Era um prato com várias coisinhas — tipo um menu degustação, tudo bonitinho. Ele disse que não dava para fazer um prato daquele jeito para todo mundo. Hoje em dia eu só faço isso. [Risos]

O que mais te instiga na cozinha?
Sempre tento contar uma história com meus pratos. O sabor, o cheiro, isso me instiga muito. Muitas vezes fico olhando as pessoas comerem para ver as caras que fazem. Os meninos vêm e me contam que os clientes estão com caras bem boas. Me faz feliz fazer as pessoas felizes.

 

No words ❤ thanks @the_gelinaz @alexatala @margotldn_

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Há algum ingrediente que tem te interessado mais?
Não tem um que eu possa escolher. Eu chego na horta e vou pegando o que uso no dia. Mas, se quiser usar uma palavra, o mar é o foco neste ano.

O que ainda falta para você experimentar?
China e Tailândia. Faltam os dois países. Quero muito fazer essa a viagem. Me interesso pelas especiarias, pela forma da cozinha. Acho que isso é o que falta — e é um sonho. É um plano.

Você acabou de voltar de do Worlds of Flavour, na Califórnia. Como é ganhar reconhecimento internacional cozinhando em Curitiba?
A gente está no meio do nada se falarmos em Curitiba a nível mundial. Lá fora as pessoas perguntam [em inglês]: “De onde você é?” [Respondo:] “Você conhece São Paulo? É mais ou menos perto. Você conhece as Cataratas? É no mesmo estado.” Em nível mundial, fala-se em Rio e São Paulo — no máximo, no Nordeste. Sempre que vou dar palestras fora, mostro o mapa do Brasil, puxo o mapa do estado, aponto a cidade. É difícil de entender, porque moramos num país muito grande. Acho que a gente começou a fazer um trabalho para que acontecesse esse desenvolvimento.

A cidade é importante para o trabalho que você faz no Manu?
Eu não vejo o Manu em outro lugar a não ser aqui. Comecei minha carreira aqui, desenvolvi projetos na cidade. Acho que é uma cidade incrível. A gente pega os produtos aqui ao lado. Não tem um trânsito como no Rio ou em São Paulo. Estamos a duas horas da Serra, onde você pode pegar queijos; estamos a uma hora do mar. A cidade tem um benefício gigante geograficamente. E é uma cidade extremamente culta. É perfeita, e é a cara do Manu.

 

Alho Porro!! ❤❤❤ melhor temporada deles no Rio Bonito , doces e incríveis

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As coisas mudaram muito desde que você abriu o restaurante?
O Brasil mudou muito. Hoje a gente dá muito valor ao nosso produto. Antigamente a gente não dava valor à cultura brasileira — dava-se muito mais valor ao que era de fora. Agora a gente está vivendo isso. É incrível poder dar valor ao produto brasileiro, ao produto local. Essa é a parte mais legal. E o futuro é isso. É se alimentar melhor, saber de onde vem o seu alimento, não comer qualquer coisa por comer. Acho que vamos continuar vivendo isso nos próximos anos.

Como isso tudo define a culinária que você faz?
O Manu sempre foi autoral. Uma vez escutei do Alex Atala: “Quem vai fazer a melhor comida francesa do mundo?” Eu sou brasileira. Vou fazer, no Brasil, uma comida francesa? Não vou conseguir. Então, eu prefiro trabalhar com produtos da minha terra e me basear na nossa cultura, na nossa história, no que a gente tem, em quem somos. Tenho muito essa filosofia.

“Vou fazer, no Brasil, uma comida francesa? (…) prefiro trabalhar com produtos da minha terra e me basear na nossa cultura, na nossa história, no que a gente tem, em quem somos.”

Como as cozinhas em que você trabalhou no início da carreira influenciaram essa forma de pensar?
Sempre tive grandes mestres fora. São pessoas que conheci pequenas na época e hoje realmente são grandes chefs, como René Redzepi, do Noma. Na primeira vez em que fui ao Noma ele não estava nem na lista, e tinha uma estrela Michelin. Fui fazer estágio lá porque acreditava na forma como ele trabalhava. Ele levou a bandeira dinamarquesa para o mundo, abriu a porta para todos os chefs nórdicos. É mais ou menos como eu trabalho. Uma andorinha não faz verão: você tem que levar o Sul inteiro. Porque, realmente, as pessoas veem a gente como churrasco e barreado. A gente tem que mudar esse conceito na gastronomia nacional.

Como você procura fazer isso?
Hoje a cozinha do Manu é paranaense. Eu levo a bandeira do meu estado e da minha cidade. Praticamente tudo o que eu uso vem daqui — claro, a não ser o peixe, que vem de Itajaí. Mas está nos arredores. O que importa é que o alimento viaje menos e seja do pequeno produtor.

Por que é importante que os produtos venham de perto?
Essa é nossa filosofia de trabalho e de vida: acredito que, quanto menos o produto viaja, menos interferência estou causando na natureza. Não preciso gerar mais gás carbônico, não preciso conviver com a poluição. E posso gerar renda para a minha própria cidade, economicamente falando.

Como o seu trabalho com as hortas urbanas se encaixa com essa filosofia de vida?
Acho que você tem que saber de onde vem o seu alimento. Você tem que plantar, nem que plante uma cebolinha. Tem que aprender o que a terra pode te dar, aprender a ter paciência, esperar. Você não pode ter morango o ano inteiro. É por isso que temos esse monte de agrotóxicos. Hoje a gente vive uma quarta revolução industrial e está cheio de crianças obesas. Elas não sabem de onde vem o amendoim — elas compram o saquinho e comem. Acho que falta essa volta à relação que nossos pais tinham com a terra e o alimento. É essa conexão que a gente vem fazendo hoje, de certa forma.

“Você tem que saber de onde vem o seu alimento.”

Como você está passando esses valores para as suas filhas?
Elas colhem cogumelos em casa. Fazemos kombucha juntas. Elas ficam em cima, perguntando se a fermentação já está boa. A gente tem um calendariozinho e espera. O alimento é isso — não pode ter pressa para colher, para ser feito. É incrível poder mostrar isso para a criança.

Elas se interessam pelo preparo?
Elas cozinham. Uma tem 3 anos e uma tem 2. Meu marido fica assustado. No domingo elas fazem todo o café da manhã. Cortam a abobrinha, os cogumelos, a gente faz o omelete. Acho muito interessante essa conexão. São coisas muito simples — até o feijão no algodão, que a gente fazia na escola. Elas amam aquilo — eu pego um algodão, encho uma caixinha e, depois, a moça que trabalha lá em casa refoga para elas. Elas acham incrível comer o feijão que a gente plantou.

Esses hábitos alimentares imperam na casa?
Minha mãe chega lá em casa e fica louca. “Não tem nada nessa geladeira? Só comem verde nessa casa!” [risos] Porque lá não tem coisas que têm em outras casas, como requeijão, maionese, catchup. Então, parece que a geladeira está vazia. Nós fazemos nosso iogurte. De manhã, a gente come frutas, iogurte e granola, toma café. Não se come muito pão. As meninas comem carne vermelha só aos domingos. Num dia comem peixe, num outro, frango e, no resto, só proteína vegetal. E elas comem tudo. Não dizem não para nada.

Sempre foi assim para você também?
Eu me reeduquei. De um ano e meio para cá, perdi muito peso. Comecei a fazer um coaching e método DeRose. E comecei a reeducar minha alimentação. Porque saía daqui tarde, chegava em casa cansada e comia macarrão, misto-quente — coisas que realmente não faziam bem. Está tudo na cabeça da gente. Comecei a pensar: será que isso vale a pena? Comecei a fazer esse trabalho comigo mesmo e deu super certo.

Há algo que te interesse além do mundo da cozinha e da alimentação?
Trabalhos manuais. Gosto de criar meus pratos, desenhar minhas coisas. Amo demais fazer isso. Lá em casa, se chega uma cama ou um berço para montar, eu monto — não é meu marido. E adoro obra. Tenho Makita, tenho tudo o que é ferramenta de construção. Adoro pintar e estar em obras.

Manu Buffara: "Nosso lazer é a horta".
Manu Buffara: “Nosso lazer é a horta”.

E em família?
Nosso lazer é a horta. [Risos] Meu trabalho é muito fácil para quem tem filhos. Eu posso trazer as meninas aqui. Posso levá-las para a horta, para o Mercado Municipal, ou quando vou visitar um produtor, buscar ouriços. Meu marido também curte muito essas coisas. Então, a gente faz o nosso lazer em volta da alimentação, o que acho muito importante para as meninas.

É trabalhoso ser chef e dona de restaurante. Como faz para evitar o estresse?
Eu amo o que faço, então não me estresso. A partir do momento em que você gosta do que faz, o estresse não vem. Sou muito focada. Durmo cinco horas por noite, então durmo muito bem estas cinco horas. Acordo às 5h30 todos os dias, pratico [o método DeRose] das 6h às 7h e depois já estou jogada no mundo. Só vou voltar à 1h da manhã.

Este reconhecimento que você conquistou era algo a que você almejava?
Aconteceu. Às vezes eu fico me perguntando o que é isso que está acontecendo na minha vida. Hoje eu compartilho minha agenda com meu marido para organizar minha situação em casa, meus cozinheiros viajam comigo pelo mundo inteiro. É uma coisa que realmente nem eu esperava. Quando eu tive reconhecimento nacional, para mim já foi: “Uau”. Nunca imaginei ter reconhecimento internacional. Para mim, é uma coisa realmente nova, que eu não estava planejando. Claro que a gente almeja, mas não era uma coisa pela qual eu batalhava. Nem por prêmios. Estou falando isso porque para mim é irrelevante. Não vou mudar o jeito que sou. Vou continuar sendo a Manu que sempre fui.

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