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Marcel Fukayama reconstrói o capitalismo com modelo de empresas conscientes

Empreendedor social implementou o Sistema B no Brasil, movimento mundial que usa soluções de mercado para resolver problemas sociais e ambientais

Muito se fala das competências necessárias aos novos líderes do século 21. O administrador de empresas Marcel Fukayama, um desses profissionais que está desenhando o futuro, resume: habilidades sócio-emocionais. Há poucos anos atrás, a resposta certamente seria outra. A forma como as empresas agem em relação à sociedade também. Mas ambos vêm sendo questionados nesse momento em que “os problemas sociais e ambientais não estão mais só na televisão e no jornal, estão no dia a dia de cada um”, ressalta o empreendedor.

“A gente acredita que é possível usar soluções de mercado para resolver problemas sociais e ambientais e, com isso, construir uma nova economia, mais inclusiva e sustentável”, conta Marcel sobre o Sistema B, movimento global que implementou no Brasil e do qual é diretor-executivo. O objetivo da organização é redefinir o que é sucesso na economia: deixar de considerar apenas o êxito financeiro, mas levar em conta, também, o bem-estar das pessoas, da sociedade e do planeta.

O Sistema B identifica os líderes dessa nova economia, mais consciente e socialmente engajada, avalia a empresa de acordo com uma lista de critérios pré-determinados e, se a organização tirar nota acima de 80, está elegível para se certificar como uma Empresa B. “Vivemos uma grave crise mundial, que é consequência das distorções sociais e ambientais que o atual modelo de produção e consumo nos trouxe”, explica Marcel. “Foi importante para gerar riqueza e prosperidade, mas hoje precisamos repensar o papel das empresas na sociedade.”

Marcel Fukayama
Marcel Fukayama. Foto: divulgação.

Hoje, são 2.800 Empresas B em 70 países. No Brasil, temos 150 delas — cinco no Paraná, que acaba de receber uma unidade Sistema B. “O nosso desafio é que existem 125 milhões de empresas, então, como inspiramos todas as empresas a se comportaram como as Empresas B, com mais propósito, responsabilidade e transparência?” Essa é a missão do empreendedor, que já foi reconhecido como um dos jovens promissores da lista Forbes Under 30, apontado como um 10 CEOs mais inspiradores do Brasil pela GQ Magazine e escolhido como um dos 12 jovens líderes globais pela Skoll Foundation e MasterCard Foundation.

O caráter hiperativo e a preocupação social de Marcel sempre foram claros em sua trajetória. O empreendedor é co-fundador da Din4mo, Empres B que tem como objetivo fortalecer empreendedores que resolvem problemas sociais. Em 2001, abriu uma das primeiras lan houses de São Paulo, para democratizar a internet. Anos mais tarde, em 2008, participou do Comitê para Democratização da Internet (CDI), ONG que beneficiou milhões de pessoas.

No bate-papo a seguir, Marcel fala sobre os potenciais das empresas no Brasil, como é possível implementar esse capitalismo mais consciente e os desafios da nova economia.

O capitalismo pode funcionar para todo mundo?
A gente pode reformar o capitalismo para gerar prosperidade compartilhada. A evolução sistêmica passa pela pergunta: “Qual o melhor interesse da empresa?”. Por muitos anos, o papel da empresa foi maximizar lucro. No Brasil, a empresa legalmente tem uma função social. A geração de empregos e renda e pagamentos de impostos é suficiente para cumpri-la. Para 1976, quando a lei foi criada, talvez sim, mas para o mundo de 2019, para os desafios desse século, não é mais suficiente. Precisamos mudar a lógica das empresas – sair dessa ideia falida de gerar impacto negativo e compensar com ações de responsabilidade social e ir para um novo modelo, em que ela gera impacto positivo. Hoje, as 2.800 empresas se comprometeram a usar a força do seu negócio para resolver problemas sociais e ambientais.

Quando viu a necessidade de implementar o Sistema B no Brasil?
Há 10 anos, quando eu estava captando investimento para meu negócio, o investidor se dizia “investidor de impacto”. A minha dúvida era como medir a intensidade de impacto. Encontrei na Internet uma ferramenta e, para minha surpresa, esse investidor estava implementando essa ferramenta. Então, aplicamos na empresa. Quando recebi o relatório dessa empresa de métricas, havia uma pergunta no final: “você é uma empresa B certificada?”. Dei um Google e caí no site das empresas B dos Estados Unidos. Achei interessante, aplicamos e nos tornamos uma das primeiras empresas B da América Latina, em 2011. Em 2012, fui até o co-criador do movimento, nos EUA, e questionei se não poderíamos ter isso no Brasil, já que era algo tão poderoso e não devia ficar só lá. Ele topou e nos conectou com uma empresa que estava implementando o Sistema B no Chile. Alguns meses depois lançamos no Brasil, em 2013.

Marcel Fukayama já foi reconhecido como um dos jovens promissores da lista Forbes Under 30, apontado como um 10 CEOs mais inspiradores do Brasil pela GQ Magazine e escolhido como um dos 12 jovens líderes globais pela Skoll Foundation e MasterCard Foundation.

Quais são as empresas potenciais para o certificado?
Temos 150 setores distintos. À exceção de setores controversos, como tabaco, bélico, entre outros, toda empresa pode ser uma empresa B.

Como funciona o Sistema B?
Trabalhamos em duas frentes: governança de impactos e gestão de impacto. Na governança de impactos, agimos para que a tomada de decisão da empresa esteja alinhada aos interesses da sociedade. Com a gestão de impacto, queremos assegurar que as empresas possam medir os impactos com o mesmo rigor com que medem o lucro. Tem mais de 80 mil empresas que usam nossa ferramenta para medir esse impacto.

Temos outros três programas: Caminho + B, que ajuda empresas que não são B a começarem a medir seu impacto. Multiplicadores B, programa para qualquer pessoa que queira conhecer e se aproximar do movimento: ela passa por uma formação gratuita oferecida pelo Sistema B. E as Rodadas de negócio B, que são encontros entre Empresas B e empresas não certificadas. Eles acabam movimentando quase R$ 1 milhão em negócios.

Você sempre teve essa preocupação social?}
Sim. É meio intuitivo. Aos 17 anos, criei meu primeiro empreendimento, uma lan house, com o objetivo de democratizar o acesso à Internet. Acabei criando uma pequena rede e associações para influenciar políticas públicas. Participei da primeira lei que regulamentou lan house como negócio no Brasil. Militei no campo de tecnologia e educação por sete anos, depois mais sete anos no Comitê para Democratização da Internet (CDI). Tive um diagnóstico de câncer aos 23 anos e isso foi determinante para moldar minhas escolhas e ver no que ia focar para fazer alguma diferença no Brasil e no mundo.

Aos 23 anos Marcel foi diagnóstico com câncer. Foi um momento determinante para moldar suas escolhas e refletir sobre o que faria para causar alguma mudança no Brasil e no mundo.

Quais os principais desafios de ser um empreendedor social?
Criar cultura de que é possível fazer diferente. Mudar o status quo. Esse é um desafio. O que move o empreendedor é a criatividade, a capacidade de realizar e, sobretudo, a capacidade de transformar, de fazer diferente. Mas o cérebro humano não é preparado para mudança, a gente não lida bem com incertezas e inseguranças. Então, quando falamos de criar uma cultura – nesse caso, de fazer negócio e gerar impacto positivo –, isso, para aquela geração que aprendeu a criar de uma maneira, gera uma reação de afastamento. O que temos percebido, por conta de todas as dores que temos tido na sociedade e no Brasil, [é que] as pessoas estão cada vez mais abertas a escutar. Os problemas sociais e ambientais não estão mais só na televisão e no jornal, estão no dia a dia de cada um. O Sistema B acaba sendo uma agenda positiva e, em alguns casos, até de esperança para essas pessoas.

Mudar uma mentalidade e modus operandi tão arraigados é complexo. Como lidou com esse processo?
Já tinha criado o Sistema B no Brasil, a Dinamo, uma empresa de investimento de impacto, e participado por anos do CDI. Mesmo assim, ainda sentia – e sinto – a necessidade de adaptar nossa linguagem para o mainstream, para as grandes massas, aqueles que não são convertidos. Isso para não correr o risco de sermos vistos como “ONGgueiros”, abraça árvore, etc… Na verdade, o que queremos é promover uma mudança sistêmica. Por isso, fui para uma escola super tradicional da economia, que é a Escola de Economia e Ciência Política de Londres, para aprender como eu poderia contar o que faço em uma linguagem que as pessoas mais céticas e cínicas pudessem compreender.

Como você vê o cenário, hoje, aqui no Brasil referente à implementação dessa nova economia?
Já temos o maior número de empresas interessadas [em ser certificada no Sistema B]. Tivemos a primeira empresa de capital aberto a se certificar, a Natura. O Brasil, historicamente, protagoniza movimentos empresariais. Se lembrarmos, por exemplo, de Rio 92, Cúpula da Terra, ali foi o grande marco no pensamento de responsabilidade social e ambiental no mundo. Houve uma grande consciência das empresas desde então. Hoje, o investimento social privado no Brasil é de R$ 4 bilhões por ano – um dos sofisticados nas Américas. A filantropia se desenvolveu, mas o que vemos é que não é suficiente. O governo passou 30 anos resgatando a democracia e fortalecendo as instituições, depois passou 20 anos difundindo a filantropia privada, agora temos a oportunidade – por meio de soluções de mercado –, de resolver problemas sociais. O custo de implementação da Agenda 2030, os objetivos de desenvolvimento sustentável, custa $ 4 trilhões por ano, então é impossível crer que só o governo vai fazer ou a sociedade civil com a filantropia. A gente precisa movimentar capital privado das empresas.

“A gente pode reformar o capitalismo para gerar prosperidade compartilhada.”

Estamos deixando para trás esse modelo das ONGs?
Eu diria que tem espaço para todo mundo. A filantropia é super importante, tem seu espaço e deve continuar. Nem tudo vai ser resolvido com soluções puramente de mercado, o assistencialismo ainda é importante – até para subsidiar a criação de ecossistema. O resultado é de longo prazo, então, para financiar a curto prazo precisa de capital de muito risco, aí a filantropia é importante para financiar a criação desses novos mercados.

Quais são seus próximos objetivos?
Consolidar o movimento no Brasil e influenciar a mudança na regra do jogo. Isso significa mudar as instituições. Temos um trabalho muito forte de mudança regulatória, legislativa e com órgãos reguladores do mercado. Estamos no Ministério da Economia influenciando no projeto que cria uma qualificação para as empresas no Brasil que se chama “empresas de benefício”, inspirado em algo que fazemos em 15 países e três já passaram: institucionalizar uma nova forma de fazer negócio e gerar impacto positivo. Com isso tudo, a gente começa a estruturar o debate sobre compras públicas. Por que o Estado, que é o maior comprador do país, não pode começar a selecionar seus fornecedores também pelo impacto e não só pelo preço? Esse é o trabalho que fazemos para criar um ambiente mais favorável.

“Precisamos mudar a lógica das empresas – sair dessa ideia falida de gerar impacto negativo e compensar com ações de responsabilidade social e ir para um novo modelo, em que ela gera impacto positivo.”

O Sistema B foi lançado este mês no Paraná…
Sim. O coração da nossa estratégia de expansão desse ano são as chamadas “comunidades B locais”. É uma forma de a gente criar um movimento que seja mais inclusivo e distribuído. Hoje, 65% das empresas B estão na cidade de São Paulo. Então, se a gente quer criar um movimento mais distribuído, em um país tão desigual geográfica, social e economicamente, a gente precisa ter esse olhar. Isso é uma forma de criar um Sistema B na sua região. Ano passado lançamos Floripa e Rio de Janeiro. Há algumas semanas lançamos Fortaleza. Vamos criar esse ecossistema B aqui. Paraná naturalmente é uma potência econômica, tem um polo de inovação com bastante potencial.

Quais são as características do líder do século 21?
São os líderes que desenvolveram, sobretudo, competências sócio-emocionais, mais do que técnicas. Entre elas, visão sistêmica, capacidade de resolver problemas e mobilizar recursos, trabalho em equipe, mas, sobretudo, a empatia. Saber lidar com a insegurança, com a volatilidade, ter resiliência. Isso tudo é muito importante hoje. Eu diria que um bom líder hoje é um líder facilitador desses processos, para que a gente consiga criar soluções colaborativas que resolvam problemas complexos. 

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