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Deltan Dallagnol quer limpar o país

Em entrevista exclusiva, o procurador - eleito Personalidade do Ano em Justiça pela TOPVIEW - fala sobre eleições, política, Lava Jato e, sim, surfe

Em qualquer evento em que o procurador Deltan Dallagnol discurse, os jornalistas questionam se “vai ter PowerPoint”. Um aficionado da projeção de slides, Deltan costuma fazer apresentações robustas para ilustrar suas falas. Mas algo tão polêmico como o organograma que coloca o ex-presidente Lula no centro do esquema de corrupção da operação Lava Jato (e que originou milhares de memes) nunca mais.

Tido por pessoas próximas como reservado e sério, o procurador se assustou com a repercussão gerada pelo PowerPoint. Depois disso, passou a escolher meticulosamente os termos e a forma como se expressa, mesmo em situações informais. Memorizou dados, trabalhou a articulação de palavras e dispara informações de maneira professoral.

Ainda assim, quando recebe uma pergunta pessoal ou controversa, suas bochechas aceleram do rosa ao vermelho-escarlate em questão de segundos. A característica é apreciada por algumas senhoras que acampam em frente à sede da Justiça Federal, em Curitiba, como forma de apoio à Lava Jato. “Ele é tão fofo”, costumam dizer do herói de tantos brasileiros.

A falta de traquejo social é notória: amigos dizem que ele é uma máquina de trabalho e que não sabe lidar com piadas. Quando se solta e diz algo engraçado, os interlocutores costumam demorar alguns segundos até captar a passagem do tom sério para o espirituoso.

Aos 37 anos (mas aparentando menos), Dallagnol se tornou um dos rostos da Lava Jato, junto ao juiz Sérgio Moro. É um “seguidor de Jesus” e “marido e pai apaixonado”, como se descreve em seu perfil no Twitter. Usa as redes sociais ativamente para rebater críticas à operação e também para promover medidas anticorrupção. Nunca para falar de si mesmo.

Quando precisa abordar a Lava Jato, tem um bordão introdutório: “Você sabe o que é operação em dólar-cabo? Entendendo isso, você entenderá todo o resto”. O método de enviar dinheiro ao exterior para camuflar desvios de corrupção é, segundo ele, a base de todo o esquema. A primeira vez que Dallagnol tomou contato com o esquema foi no caso Banestado, operado pelo doleiro Alberto Youssef, que, anos depois, tornou-se peça-chave da Lava Jato.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o procurador revela que irá lançar um novo pacote com mais de 100 medidas que, segundo ele, pode ajudar a tornar as eleições de 2018 mais limpas. E conta que conseguiu viajar para surfar (uma de suas paixões) pela primeira vez neste ano desde o início da Lava Jato. Mas acabou saindo do turbilhão no Brasil para o olho do furacão no México: estava no país exatamente quando um terremoto matou quase 400 pessoas.

Recentemente, o senhor falou sobre o lançamento de um novo pacote anticorrupção com mais de 100 medidas. Quais são as propostas? O Centro de Justiça e Sociedade e o Grupo Anticorrupção da Fundação Getúlio Vargas, com a Transparência Internacional, estão examinando mais de cem propostas anticorrupção. Ainda não estão definidas quantas e quais formarão o novo pacote. O que se pode dizer é que aproveitarão grande parte das dez medidas, deixando de lado aquelas que geraram polêmicas, e adicionarão uma série de outras iniciativas para fomentar a integridade no setor público e privado. Entre elas estão, por exemplo, regras para melhorar a transparência, as licitações, o sistema eleitoral e o compliance.

Como evitar que esse novo pacote seja modificado pelo Congresso, como o anterior? Um renomado pesquisador da corrupção, Bo Rothstein, ensina uma lição que a prática nos fez aprender. Um Congresso extremamente corrupto não passará um pacote anticorrupção porque os parlamentares perderiam os benefícios oriundos do crime e se sujeitariam a punições. Agora, se a maioria deste Congresso não aprovar regras que promovam a integridade, o foco deve se concentrar em colocar lá, com as eleições de 2018, parlamentares que o façam.

Na sua opinião, o que deveria mudar para que as eleições de 2018 tenham menos casos de corrupção? O brasileiro apontou como principal problema do país a corrupção, em pesquisas recentes. Para enfrentarmos esse mal, precisamos de reformas que, por sua vez, dependem de um Congresso disposto a promover a integridade. Só há uma solução. Em 2018, a sociedade precisa se envolver em uma grande campanha para que todos votem apenas em candidatos com passado limpo, que tenham compromisso com a democracia e que apoiem a agenda anticorrupção. Precisamos de um Parlamento plural, que represente nossas diferenças, mas um pressuposto da representação é a integridade, o compromisso com o interesse público e não com o próprio umbigo.

O senhor costuma dizer que a Lava Jato é a ponta do iceberg de um sistema de corrupção antigo e intrincado na sociedade brasileira. A Lava Jato sozinha teria o poder de mudar essa realidade? Do que mais depende? A Lava Jato tenta recolher o leite derramado e punir os responsáveis em um caso específico. Atua depois que os crimes aconteceram, quando o ideal é evitar que aconteçam. Além disso, a generalidade dos casos continua sem ser punida e a corrupção continua, assim, a ser um crime que compensa. A Lava Jato tira água de pedra, porque o sistema de justiça é feito para não funcionar contra poderosos. Para mudar isso, é preciso alterar uma série de regras que abrem brechas para a impunidade, que estimulam a arrecadação de propinas no sistema político e que, de outros modos, criam um clima favorável para o desenvolvimento desse mal no país.

Depois da Operação Mãos Limpas, na Itália, foi eleito Berlusconi, um homem de mídia e não associado à política, por causa do sentimento generalizado de desconfiança em relação aos políticos tradicionais. O senhor pensa que algo semelhante pode ocorrer no Brasil? No contexto brasileiro, quem mais pode fazer a diferença no combate à corrupção não é o presidente ou o Judiciário, mas os senadores e deputados federais. São eles que podem, por meio de mudanças das regras do jogo, romper o círculo vicioso da corrupção. Por isso, mais do que nunca, a sociedade precisa se envolver para que esses representantes sejam cuidadosamente escolhidos em 2018.

A Netflix está produzindo uma série sobre a Lava Jato e há vários formatos de midiatização da operação (filmes, livros, jogos, etc). O que acha dessa forma de popularização? Quando se revelam sistematicamente desvios bilionários de príncipes do mundo político e empresarial, é natural que isso chame a atenção. Em uma visita à Universidade de Harvard, uma pesquisadora me mostrou um aspecto positivo disso. Ela me perguntou: por que contamos aos nossos filhos pequenas histórias que envolvem mocinhos e vilões? Porque essas histórias reforçam mensagens sobre padrões de conduta positivos e negativos. Para essa estudiosa da corrupção, ao expor a corrupção na capa dos jornais por três anos, a Lava Jato tem reforçado o quanto a corrupção é um mau comportamento, o que tende a impactar a cultura e a conduta das pessoas.

O senhor já negou ser candidato nas eleições de 2018. Mas, para o futuro, descarta essa hipótese totalmente? Nunca planejei ser candidato em minha vida e não penso hoje em me candidatar. Escolhi o Ministério Público como um caminho para servir a sociedade e é onde entendo que melhor posso servi-la atualmente. Muitas pessoas colocam essa questão da candidatura para tentar dar um colorido político-partidário à Lava Jato que não existe e nunca existiu. Todos os servidores são concursados e ninguém da força-tarefa jamais teve qualquer vínculo político-partidário.

A Lava Jato toma quantas horas do seu dia? Integrantes de várias instituições têm trabalhado manhãs, tardes e noites nesse caso. A toda hora coisas acontecem e temos centenas de grupos de trocas de mensagem sobre diversos desdobramentos e aspectos da operação. Para se ter ideia da sua dimensão, estão sendo rastreadas mais de 26 milhões de transações financeiras, que totalizam mais de R$ 2 trilhões. É o caso com a maior quantidade de cooperações internacionais na história, envolvendo contato com mais de um quinto dos países ao redor do globo. Já foram cumpridas mais de oitocentas buscas e apreensões. São gerenciados mais de 150 acordos de colaboração com investigados e mais de 10 acordos com empresas. Há dezenas de ações penais e cíveis. E somos, na força-tarefa, cerca de 20 bacharéis que fazem frente a centenas de advogados.

O que o senhor costuma fazer nas horas de folga? Tem tempo de pegar onda ainda? Costumava viajar para outros países para surfar com meus amigos uma vez por ano. Quando a Lava Jato começou, suspendi as viagens. Na virada do último ano, prometi a mim mesmo que surfaria em 2017. Fui para o México exatamente quando aconteceu o maior terremoto das últimas décadas e estávamos próximos ao epicentro. O povo mexicano tem sofrido com esse fenômeno da natureza há muito tempo. Tomamos um grande susto e vivemos dias tensos, porque houve milhares de réplicas nos dias seguintes. Até conseguimos surfar, mas não foram exatamente dias de descanso.

*Matéria escrita por Amanda Audi e publicada originalmente na edição impressa número 19 do TOPVIEW Journal, dezembro de 2017.

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