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Isabeli Fontana: “O mundo do luxo é maravilhoso, mas não é real”

A modelo curitibana, que já rodou o mundo, conversou com a TOPVIEW sobre sua trajetória profissional e o momento de introspecção que vive aos 35 anos

Ver Isabeli Fontana andando pelas ruas de Curitiba causa uma certa estranheza. Nem todos sabem, mas a modelo, que já foi uma das 10 mais bem pagas do mundo, nasceu e cresceu nas terras geladas da capital paranaense.

A infância deixou boas marcas além do vício em pinhão. Mas não durou tanto assim. Com apenas 13 anos, Isabeli foi cooptada para o universo da moda – e não parou mais. Hoje, aos 35 anos e sem nenhuma pausa na carreira nesse meio tempo, a modelo repensa seu estilo de vida. “Com muitos anos de carreira, às vezes, a gente se perde, porque o mundo do luxo é um mundo maravilhoso, mas não é o mundo real”, analisa. “Estou aprendendo muita coisa nessa idade, com dois filhos, com a família.”

Isabeli já trabalhou com gigantes da moda, como a editora-chefe da Vogue Paris, Emmanuelle Alt, e a diretora criativa da Vogue América, Grace Coddington. Foi fotografada, inclusive, pelo icônico Bertram Stern, conhecido por suas fotos de Marilyn Monroe. Já foi a cara de campanhas para grandes marcas, como Hermès, Balenciaga, Chanel, Versace, Valentino e Dolce & Gabbana, entre diversas outras.

Na passarela, desfilou por anos como angel da Victoria’s Secret. Hoje, vê com entusiasmo as mudanças que o mercado – e a própria marca de lingerie – enfrenta. “Eu acho bacana que, hoje, o público pode se expressar e é ouvido. [Agora] as mulheres podem falar: ‘eu não tenho nada a ver com ela, como você quer que ela seja o ícone para eu me espelhar, meu modelo?’”, comemora.

São mais de 20 anos ininterruptos entre passarelas, editoriais, provas de figurino, inaugurações e fusos horários diferentes. No dia da nossa conversa, Isabeli tinha chegado cedo em Curitiba, pegaria o voo de volta para São Paulo poucas horas depois e, no dia seguinte, viajaria a Londres para um evento social. “Chegou o momento de eu dizer: ‘eu sou dona de mim’. Preciso aprender a viver sem trabalhar. É difícil para uma pessoa que está acostumada a vida inteira trabalhando, de repente falar: ‘tá, e o que eu vou fazer?’” Nessa fase introspectiva, a modelo voltou a estudar e segue firme na busca por entender seu papel – e lugar – no mundo.

Isabeli guarda boas memórias de sua infância em Curitiba. A principal é seu vício, ainda atual, em pinhão. Foto: William Rossoni.

Com gestos ensaiados de quem já decorou o protocolo, a modelo participou da inauguração de uma loja no Jockey Plaza, novo shopping da cidade. Foi lá que, gentilmente, conversou com a TOPVIEW. No bate-papo a seguir, Isabeli Fontana fala sobre sua carreira, as mudanças no mundo da moda e seu momento de introspecção e busca por uma vida com mais propósito.

Você começou cedo. Aos 15 anos já estava morando em Nova York. Qual é o balanço que faz, hoje, da sua trajetória profissional?
Crescer no mundo da moda foi uma loucura, eu com aquela cabeça de menina. Nem virando mulher nem adolescente direito e já na passarela por todos os lados, fotografando sem parar. Claro que a cada dia eu tento viver o momento presente mais e mais, quando eu era novinha não tinha essa noção… o balanço [que faço] da minha vida [é que ela] me ensinou muito. Todos os dias eu acredito que a gente melhora, e a gente é sempre uma pessoa melhor amanhã do que foi ontem. Na verdade, somos pessoas melhores hoje.

“E por que eu tenho que sempre fazer algo para estar bem? Eu não posso estar bem sem fazer algo? São fichas que estão caindo nesse momento.”

Hoje temos políticas de inclusão, diversidade e igualdade. Quais mudanças você vê na profissão e no meio ao comparar com a época de início da sua carreira?
Eu já peguei vários momentos, moda é isso: vive mudando e pegando outras ideias. O barato da moda é isso: que nada é permanente, nada é uma coisa só. Acho que essas mudanças são necessárias para que todo mundo se sinta bem – e na moda. Você tem que sentir que faz parte da moda, porque as pessoas diferentes são tão importantes quanto uma pessoa mais comum. Essa abertura que a moda está dando de inclusão de gêneros e tipos de pessoa é fenomenal, é muito importante – ainda mais no momento que a gente vive hoje, já estava na hora, né?

 
 
 
 
 
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Quais foram as pessoas mais impactantes que passaram pela sua trajetória?
O que eu vivi foi uma escola de vida e de relacionamento, de lidar com pessoas diferentes, [às vezes] muito difíceis. Tem fotógrafos que me ensinaram a ser quem eu sou hoje, a ter o know-how que tenho, grandes estilistas, grandes maquiadores. São muitas pessoas, exemplos gigantes de símbolo de moda. Cada um foi me ensinando do seu jeitinho. Steven Meisel foi uma grande escola para mim, tomei vários xingões até aprender, eu era novinha, então não tinha muita consciência do corpo nem nada. Tiveram vários outros, como David Sims, que me ensinou coisas mais exóticas, fotógrafos que gostam de perfis diferentes, nada daquela coisa bonitinha, que sempre foi o mais fácil para mim. Trabalhei com grandes nomes na Vogue, como a [editora-chefe da Vogue Paris] Emmanuelle Alt, Grace Coddington [diretora criativa], da Vogue América. Eu levo no coração muitos momentos superimpactantes. Eu também fotografei com artistas, como o Peter Beard – ele chamou muito a minha atenção, porque é um cara exemplar, que estuda há muitos anos os elefantes, tem vários livros sobre o tema, então foi um marco grande na minha carreira. Bertram Stern, que era o fotógrafo da Marylin Monroe, me ensinou muita coisa de expressão, ele já era diferente, já era mais caricato. É muito bacana conviver com artistas reais, que expressam seu trabalho em uma fotografia e que eu acho lindo.

 
 
 
 
 
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Você desfilou várias vezes como angel da Victoria’s Secret e chegou a posar para o catálogo aos 16 anos. Atualmente, a marca passa por uma fase difícil. O CEO afirmou que, em 2019, o desfile das angels não será mais transmitido na TV e que podem fechar 53 lojas nos Estados Unidos, devido à queda de receita. Como você vê isso? É uma mudança no perfil das consumidoras?
Eu acho bacana que hoje o público pode se expressar e é ouvido. O público tem que aceitar aquilo que você está fazendo, porque é ele que vai consumir, afinal. Acho superimportantes essas reviravoltas. A mulher tem que falar: “não, como que eu vou usar um negócio desse? Olha essas meninas, estão cada vez mais magras, eu não quero ter que me sentir gorda se eu olho uma menina tão seca”. E que, de repente é anoréxica, a gente nunca vai saber, porque eles guardam a sete chaves essas coisas. As mulheres podem falar: “eu não tenho nada a ver com ela, como você quer que ela seja o ícone para eu me espelhar, meu modelo? Eu vou morrer, vou ficar doente, eu não quero isso para mim”. As marcas criam pessoas doentes e a gente, às vezes, nem sabia do poder que [o público] tem, né? Por isso precisamos da inclusão das pessoas. Todo tipo de gente precisa se sentir bem.

“Estou em um momento mais introspectivo mesmo, de saber meu papel, entender o que eu posso fazer pelo meu país, o que eu posso fazer como ser humano para ajudar os outros.”

O que Curitiba representa para você?
Eu cresci e passei minha infância toda aqui, tenho boas memórias. Cresci no bairro Portão, só guardo coisas boas. Quando eu volto, sinto: “uau, aqui foi minha casa”, então é sempre uma nostalgia boa.

Pensa em voltar a morar aqui?
Ah, eu acho que não, mas gosto de passar de vez em quando. É porque eu sou muito praiana, gosto do calor (risos). Aqui à tarde é maravilhoso, mas à noite é muito frio. Se bem que hoje em dia eu estou mudando, gostando bastante do frio. Você toma um vinho e come um pinhão na brasa, eu amo (risos). Sou viciada em pinhão.

“Eu comecei a reparar nisso [no acúmulo de coisas] e não aguento mais ver coisas e coisas. Olho para trás e vejo tanta coisa, sinto que está na hora de olhar e ver o que realmente vale a pena.”

 
 
 
 
 
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Quais são seus planos?
Eu voltei a estudar, estou fazendo alguns cursos e gostando muito. Estou aprendendo muito mais sobre alimentação, porque virei vegetariana. Estou passando por um momento muito bom. A vida inteira eu só trabalhei, desde os meus 13 anos eu trabalho como modelo – e nunca parei. Agora, com 35 anos, chegou o momento de eu dizer “eu sou dona de mim”. Preciso aprender a viver sem trabalhar. É difícil para uma pessoa que está acostumada à vida inteira trabalhando, de repente falar “tá, e o que eu vou fazer?”. E por que eu tenho que sempre fazer algo para estar bem? Eu não posso estar bem sem fazer algo? São fichas que estão caindo nesse momento. [Estou em uma fase] com mais reflexão, mais autoconhecimento, de saber onde eu me encaixo, quem eu sou, o que vim fazer, as coisas que fazem sentido. Com muitos anos de carreira, às vezes a gente se perde, porque o mundo do luxo é um mundo maravilhoso, mas não é o mundo real. Estou aprendendo muita coisa nessa idade, com dois filhos, com a família. Tem muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, então estou em um momento mais introspectivo mesmo, de saber meu papel, entender o que eu posso fazer pelo meu país, o que eu posso fazer como ser humano para ajudar os outros. Vejo tudo de incrível que eu vivi, mas [me questiono]: “e agora? O que eu quero viver daqui pra frente?” Não adianta eu querer ficar a vida inteira no mesmo ramo, fazendo a mesma coisa. Eu nem quero [isso], porque foi bom quando eu não conhecia como era, e agora? De repente eu quero fazer coisas novas, diferentes.
Tem gente que corre atrás de coisas a vida inteira para acumular mais coisas e, quando olha pra trás, a vida passou em um segundo. A vida passou e você só correu atrás de coisas para ter mais coisas? Eu comecei a reparar nisso e não aguento mais ver coisas e coisas. Olho para trás e vejo tanta coisa, sinto que está na hora de olhar e ver o que realmente vale a pena.

“Agora, com 35 anos, chegou o momento de eu dizer ‘eu sou dona de mim’. Preciso aprender a viver sem trabalhar, é difícil para uma pessoa que está acostumada a vida inteira trabalhando, de repente falar: “tá, e o que eu vou fazer?”.”

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