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Flora Watanabe: uma vida dedicada às crianças com câncer

Depois de 44 anos como pediatra oncológica do Hospital Pequeno Príncipe, a chefe do Serviço de Oncologia e Hematologia quer diminuir o ritmo de trabalho

Depois de 44 anos como pediatra oncológica do Hospital Pequeno Príncipe, a doutora Flora Mitie Watanabe, chefe do Serviço de Oncologia e Hematologia, se permitiu, no começo de 2019, uma folga dos plantões de fim de semana. Ela também tem evitado pegar novos pacientes. Aos 68 anos e depois de uma vida dedicada à medicina, quer diminuir o ritmo de trabalho.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde, o centro para tratamento de tumores sólidos e doenças hematológicas do Hospital Pequeno Príncipe é, atualmente, o maior do Paraná. A cada ano, em média, são atendidos 120 novos casos de pacientes entre 0 e 18 anos. Como eles precisam de acompanhamento por pelo menos cinco anos, as seis médicas do setor tratam cerca de 500 pacientes simultaneamente.

“Uma vez, uma mãe me disse que ter um filho com câncer é como ter uma espada pendurada acima da cabeça.”

Quando Flora chegou ao local, em 1975, a realidade era bem diferente. “Não existia a especialidade de oncologia pediátrica.” Quase todas as crianças com câncer morriam. Incentivada pelo médico e professor Eurípides Ferreira, ela decidiu ajudar. “Não consegui mais fazer clínica pediátrica, porque tinha serviço aqui. Não tinha coragem de largar as crianças”, lembra Flora, que ajudou a profissionalizar o departamento. “[Os pacientes daquela época] eram acolhidos, faziam transfusão de sangue, tomavam algum antibiótico. Tumores sólidos eram retirados e o paciente tinha alta”, lembra. Aos poucos, os tratamentos melhoraram, assim como a qualificação dos profissionais.

As trajetórias de sofrimento e o longo período de convivência com os doentes e suas famílias deixaram marcas em Flora. Há ex-pacientes que voltam ao hospital com as famílias para vê-la e mães que perderam seus filhos, mas ligam para desejar um feliz Dia do Médico. Há aquela mãe que telefonou, por anos, no dia 24 de dezembro, pois perdeu a filha perto do Natal. “Uma vez, uma mãe me disse que ter um filho com câncer é como ter uma espada pendurada acima da cabeça. Aquela imagem foi tão forte que nunca mais me saiu da cabeça. Dá uma ideia do grau de desespero”, explica a médica, como que justificando a acolhida que dá a todas as famílias.

Mãe de três filhos, Flora lembra que, quando faziam cinco anos, ela os trazia para passar um dia no hospital. “Eles aprenderam de um jeito dolorido que a mãe deles tinha que cuidar dos nenéns dodóis”, resume. Ao avaliar sua trajetória, o sentimento de gratidão é o que persiste: “Não posso reclamar nem um tiquinho da minha vida, porque, do que eu vejo aqui dentro, sou a pessoa mais abençoada do mundo”.

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