PODER PERSONALIDADES

Homem ao mar: como Ernani Paciornik criou o maior evento de negócios náuticos da América Latina

Ele foi comprar uma máquina para sua gráfica e voltou com um barco. Assim, o criador do Boat Show iniciou uma das mais bem sucedidas carreiras empresariais

O ano era algum do final da década de 70. O personagem desta história era um jovem empresário dando o primeiro grande passo para expandir seu negócio próprio, uma gráfica. Ernani Paciornik tinha uma missão naquela semana: comprar a segunda máquina para sua recém-nascida gráfica própria, a Casa do Convite. O jovem trabalhava desde cedo com documentos e publicações ligadas a convênios e planos de saúde impressos na pequena gráfica da casa de saúde do pai, o renomado obstetra curitibano Moysés Paciornik, precursor no Brasil do parto de cócoras. Não era apaixonado pela medicina – como o pai, ou o irmão, que também seguiu carreira médica. Gostava era da tinta e de publicar. Deve ter sido difícil entender por que, naquela semana, em vez de voltar das compras com a máquina nova, Ernani voltara com um Dríade. E Dríade era um barco!

Ninguém sabe o que se passava pela cabeça de Ernani quando decidiu mudar de planos. Nem ele mesmo. Mas o palpite é que naquele momento meio alucinado a paixão do jovem pelo mar tenha saído do estado de latência em que se encontrava desde os 13 anos. Quando garoto, Ernani comprara um barquinho de segunda mão para explorar a Baía de Guaratuba, onde a família tradicionalmente passava férias. “Mas o barco não andava, só quebrava. Em vez de diminuir minha paixão pelo assunto, o negócio malfeito só a aumentou. Assim, o sonho foi se formando”, diz ele. “Acho que minha vontade de estar no mar nasceu da teimosia de fazer meu primeiro barco funcionar.”

A atitude impulsiva não chegou a gerar traumas nem para ele, nem para a família. “Acho que nenhum pai gostaria de ver o filho fazendo uma coisa dessas. Sair para comprar uma máquina para fazer um negócio e, no lugar, comprar um bem supérfluo”, reflete Ernani. “Mas meu pai deu risada e me apoiou.” Foi a largada do filho do médico famoso rumo à posição que ocupa hoje: a de um dos maiores empreendedores do ramo náutico no Brasil. A partir desse episódio, o curitibano Ernani Paciornik criou a Editora Grupo Um, que, além de já ter completado mais de 30 anos produzindo revistas segmentadas na área náutica, também promove o Boat Show, maior feira de negócios e novidades do ramo da América Latina.

Duas paixões

Com suas versões originais acontecendo no Rio de Janeiro e em São Paulo, o Boat Show expandiu um mundo que, lá no começo da carreira, Paciornik considerava pequeno e inexpressivo no país. O negócio revela-se superlativo a cada ano que passa. Cada evento movimenta, por edição, cerca de R$ 250 milhões. O Rio Boat Show 2013 terminou em maio com um total de R$ 276 milhões em negócios realizados durante o evento, número que superou a edição anterior, quando foram gerados R$ 270 milhões. O São Paulo Boat Show 2013, que acontecerá no Transamérica Expo Center entre os dias 17 e 22 de outubro, reunirá os principais estaleiros da América Latina a fim de superar a edição passada, que gerou R$ 267 milhões em negócios e reuniu mais de 43 mil visitantes. A expectativa é que esses números cresçam em aproximadamente 40%, com mais de 120 expositores nacionais e internacionais distribuídos em uma área de 40 mil m².

Na onda promissora, veio chegando mais uma versão: o Boutique Boat Show, no Guarujá, que aconteceu no final de julho e início de agosto no Iate Clube de Santos expondo modelos com mais de 35 pés e também outros produtos de alto luxo, como automóveis e helicópteros. E estão previstas para o futuro versões do Boat Show em Santa Catarina e nas cidades de Porto Alegre e Brasília.

Parte dessa história de empreendedorismo passa pela criação da revista Mar em 1981, pelas mãos de Ernani e outros companheiros velejadores. “Não havia informação nessa área, muito menos no Sul do Brasil. Tudo o que sabíamos de esportes náuticos vinha de fora.” A Mar foi crescendo e deu origem à revista Náutica, para, 15 anos depois, nascer a área de eventos que daria suporte aos Boat Shows. “Foi a união das minhas duas paixões: um velejador que tinha feito também curso de capitão e gostava de publicar”, diz.

Amor pelo mar de casa

Ernani competiu até 1984 e acompanhou as regatas mais importantes do calendário nacional. “Depois veio o respeito pelo leitor da revista. Tinha que ser uma coisa ou outra.” Começaram as coberturas de eventos pelo mundo todo. Entre as mais marcantes estão a America’s Cup na Austrália em 1983 e as Olimpíadas de Los Angeles em 1984. Nesse tempo, a revista de Ernani ainda era muito pequena e não se qualificava para o credenciamento. O jovem publisher fez a cobertura por meio de uma revista suíça.

No entanto, as cênicas competições náuticas mundo afora ou qualquer outro lugar que esse apaixonado pelo mar tenha velejado ou se aventurado em lanchas não superam o amor que ele tem pelas águas do seu Estado. “Aprendi a velejar na Baía de Guaratuba, um lugar lindo e, acredite, pouco descoberto”, diz.  “O lugar mais bonito para velejar é aquele em que você se sente bem e feliz.” Ele cita também seu amor pela Baía de Paranaguá, por Angra dos Reis e suas ilhas que salpicam pelo mar azul e, claro, o litoral de Santa Catarina, como Porto Belo e a praia do Cachadaço. De Santa Catarina, só guarda uma mágoa: que as pontes Colombo Salles e Pedro Ivo tenham exterminado o potencial de Florianópolis para receber grandes eventos náuticos. “Construídas muito baixas, impedem que veleiros e barcos grandes passem por ali.”

Fora da água, Ernani divide seu tempo em trabalho, trabalho e trabalho. Seu único hobby é mesmo no mar, navegando com barcos à vela ou motor. Portanto, quando não está nele fica no movimento para ganhar a vida.  Esta entrevista, por exemplo, foi interrompida várias vezes para que ele pudesse atender seus compromissos profissionais.  Atualmente vem pouco a Curitiba, mas quando vem, acompanhado da esposa – o único filho mora nos Estados Unidos –, dedica-se quase que exclusivamente aos amigos e à família. E mata as saudades dos cardápios do Île de France e do Bar Palácio, duas instituições curitibanas.

Ao final da entrevista, revendo a trajetória desse curitibano – que aos 13 anos tinha um barco que só boiava e estragava e, décadas depois, é simplesmente o criador do maior evento náutico da América Latina – eu me perguntava: qual seria seu sonho de consumo? Nem barco, nem carro, nem helicóptero… “Meu maior sonho de consumo é ter mais tempo. Tempo para estar no mar.”

 

Deixe um comentário