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Quem é Ana Roš, a melhor chef do mundo

Fomos à Eslovênia descobrir quem é Ana Roš, a chef que conquistou o título de melhor do mundo com sua criatividade e a valorização dos produtos locais

É em uma região remota da Eslovênia, com pouco mais de quatro mil habitantes, que está a melhor chef do mundo. Ana Roš – assim eleita pela célebre The World’s 50 Best Restaurants, em 2017 – não tinha pretensão de ser chef, mas colocou a gastronomia eslovena no mapa ao assumir o restaurante herdado por seu marido, o Hiša Franko. Ali, implementou características valorizadas na cozinha atual: criatividade e ingredientes hiperlocais, recuperando tradições da comunidade. “Sua curiosidade despertou a dos locais, que voltaram sua atenção para produtos antes ignorados ou mal compreendidos”, destacou a lista da revista britânica Restaurant. Depois de muitos e-mails e alguma insistência, Ana, que também estrelou a série Chef’s Table, da Netflix, recebeu a TOPVIEW em uma manhã chuvosa no final de maio para uma entrevista exclusiva. No restaurante da pequena cidade de Kobarid, a chef nos cumprimentou sorridente e foi preparar um cappuccino acompanhada do seu cocker, Prince. Neste bate-papo, Ana nos conta um pouco do segredo de seu sucesso e fala sobre um dos seus maiores desafios: se dividir entre a profissional e a mãe dedicada.

Qual é a principal marca de seu trabalho na cozinha? A ideia é trabalhar com pratos que valorizem produtos da região, respeitando a safra dos alimentos. É o que consideramos “cozinha de território”, também chamada de “zero quilômetro”. Utilizamos o queijo da cidade de Tolmin, a ricota de malga, a truta do rio Soča, manteiga caseira e o cordeiro das montanhas locais, entre outros ingredientes. E o menu muda conforme as estações, então não alteramos o cardápio todo, mas um prato de cada vez, dependendo do período do ano.

De onde vem a inspiração? Acho que vem da observação da natureza. É um processo muito espontâneo que se conjuga com gosto pessoal, com elementos que se combinam de maneira natural.

Você acaba de voltar da Austrália, onde recebeu o prêmio de melhor chef mulher 2017. Como avalia essa conquista? Esse prêmio é importante porque são muitas as mulheres que trabalham na cozinha, dividindo-se entre família e carreira, o que não é um processo fácil. Meu discurso no recebimento do prêmio falou um pouco sobre esse conflito. Muitas mulheres renunciam à família para poder estar na cozinha ou, ao contrário, abandonam uma carreira promissora para poder estar mais com a família. Esse conflito não pertence só à área gastronômica, está em vários outros setores.

É mais complicado uma mulher ser chef de cozinha do que um homem? Acredito que sim. Conheci um grande chef europeu que acompanhou o primeiro ano de vida do fi lho via Skype. Uma mulher jamais conseguiria fazer isso. Meus dois fi lhos, por exemplo, cresceram juntos a mim, “estacionados” na cozinha, me olhando trabalhar o tempo todo. Acho que fi z a escolha certa os mantendo perto.

Na prática, como acontece essa divisão entre profissional e mãe? Sou uma mãe dedicada e, na medida do possível, tento manter esse lado humano. Se estou longe, ligo para ver se fi zeram as lições, se foram ao dentista. Todas as noites, em algum momento, desapareço do serviço só para comer com meus fi lhos e estar um pouco com eles.

Valter Kramar, marido de Ana, enólogo e parceiro na mudança de carreira da esposa
Valter Kramar, marido de Ana, enólogo e parceiro na mudança de carreira da esposa

E como vê o atual boom dos cursos e programas de gastronomia? Hoje, cozinhar é uma moda. Ser cozinheiro é quase ser uma celebridade. Durante a cerimônia do prêmio, encontrei um grupo de jovens próximo da minha mesa e perguntei o que eles faziam. E me responderam, com um ar meio deslumbrado: “Somos chefs”.

Acha que se difunde uma ideia superficial da profissão? Exato. Muitos não percebem que esse ofício não tem nada de romântico. É um trabalho feito com as mãos, que requer muito mais do que outros porque é físico e mental. Essa ideia quase poética da profi ssão faz com que muitos desistam depois da primeira tonelada de legumes para descascar ou de uma pilha de louças para lavar. Não é só colocar duas folhinhas em cima do prato. Tem trabalho sério e árduo por trás.

Revival of brodetto

Qual o papel da gastronomia junto a movimentos de sustentabilidade na alimentação, como o uso de orgânicos, a cozinha zero quilômetro etc.? Sem saber, fomos pioneiros nesses conceitos de sustentabilidade difundidos hoje. Há 15 anos, quando começamos, existia uma necessidade real de criar uma cadeia de produtores em torno de nós, porque os fornecedores não chegavam aqui. Hoje, temos nossa horta, fazemos nossa própria geleia e utilizamos ingredientes orgânicos, carne de carneiro das montanhas, porcos dos camponeses das redondezas, além de reaproveitar cascas dos legumes na horta.

“Hoje, cozinhar é uma moda. Ser cozinheiro é quase ser uma celebridade.”

Hoje os fornecedores já suprem completamente as necessidades da região? Em Kobarid, não temos grandes supermercados. Temos um mercado local, de propriedade dos próprios agricultores e criadores de animais.

E qual a importância de iniciativas como essa? São escolhas que fortalecem e valorizam a atividade do agricultor, que é muito dura, e de seus fi lhos, que crescem e dão continuidade ao trabalho dos pais, em vez de se evadirem para outros lugares.

Futuramente, quais os planos? Estamos trabalhando em um livro que deve ser lançado em 2018. Contará um pouco da nossa história, incluindo o trabalho dos agricultores locais. O Valter também iniciou a produção de uma cerveja, que vai ser servida na Hiša Polonka, uma cervejaria-pub que abrimos recentemente.

*Matéria publicada originalmente por Roberta Gonçalves na edição 202 da revista TOPVIEW.

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