Dora de Paula: um legado na ponta dos pés
Subir as escadas da sede Bom Retiro do StudioD1 é como entrar em uma máquina do tempo. As paredes que acompanham o caminho até o último andar estão forradas de fotografias, recordações e conquistas. Mas a nostalgia acaba no último degrau, que leva a duas salas de aula. Delas, ouve-se, simultaneamente, o Lago dos Cisnes de um lado e, do outro, rimas e batidas de hip-hop. Essa mistura nos tira do passado e puxa para a realidade da dança hoje, um universo acolhedor, onde cabem todos os estilos.
Tal proposta de democratizar a dança é uma velha conhecida de Dona Dora de Paula, fundadora da escola, hoje com 84 anos. “A dança é para todos” é o lema que move o estúdio há 40 anos, período em que passaram mais de 30 mil alunos, e lema da carreira de Dora, que está em contato com a dança desde 1944.
Outra característica pela qual o StudioD1 ficou conhecido é o cuidado com a apresentação. O mesmo corredor que abriga as salas, nesta época do ano serve também para a prova de figurinos e ajustes, a maioria realizados pela própria fundadora.
E foi assim, em um escritório cheio de vestidos e tutus, tirando as medidas de uma aluna para ajustar seu figurino, que Dora de Paula recebeu a TOPVIEW. “Chegando perto da apresentação de final de ano, tudo fica uma loucura, você pode imaginar. Mas tudo tem que ficar lindo!”, reforça. Nesta entrevista, ela relembra sua carreira, as vitórias e os desafios na estrada do balé e como, depois de 40 anos, mantém o padrão e reconhecimento do StudioD1, uma das principais escolas de Curitiba.
Como a sua história com o balé começou?
Eu gosto desde criança, é algo meu. Meus pais não tinham qualquer envolvimento com a dança, por isso, costumo dizer que os genes começaram comigo [risos]. Eu já fazia balé em Belo Horizonte (MG), onde nasci, mas comecei sério na carreira com 14 anos, quando me mudei para o Rio de Janeiro (RJ). Lá, dancei no Teatro Municipal com uma companhia convidada, mas aí me mudei para Curitiba, com 19 anos. Aqui, eu fazia muita dança moderna ou ginásticas ligadas à dança, mas não era o que eu queria. Recomecei com o balé quando a Lorna Kay, uma bailarina muito aclamada no Brasil, veio para a cidade. Entrei para o corpo de baile do Teatro Guaíra, em que dancei por quatro anos antes de me aposentar.
Como veio a ideia de abrir o próprio estúdio?
Quando eu parei de dançar, comecei a dar aula no Guaíra, mas não era algo me satisfazia. Por ser uma escola oficial, existiam aqueles testes físicos, verificava-se se os pés eram bonitos, se o corpo era longilíneo… e eu não concordava com esse tipo de proposta, afinal, acredito que a dança é para todos. Nem todo mundo que entra em uma escola deseja ser bailarino profissional e a dança é uma atividade benéfica para qualquer pessoa, em qualquer idade. Eu questionava muito isso, até que um dia meu marido disse que financiaria o projeto de abrir minha própria escola.
“Acredito que a dança é para todos.”
Nesses 40 anos de escola, qual foi o momento mais marcante ou emocionante? E o que foi mais desafiador?
Sempre foram muito mais momentos marcantes e felizes do que desafiadores. Fizemos muitos espetáculos lindos! Antes de começar a dar aula, viajei muito para frequentar aulas no exterior e, assim, conseguir bagagem para poder ensinar. Mesmo sendo muito bom, foi muito difícil, pois era algo muito novo para mim… ninguém fazia isso aqui. Até então, não existiam espetáculos de escolas com a pegada profissional que eu tenho.
Sua relação com a produção de espetáculos começou em 1979. Qual a diferença das apresentações daquela época para as que a escola realiza hoje?
Aqui não existiam grandes produções, as escolas não investiam nisso. Acho que foi um grande marco para o estúdio e também para as outras escolas da época: em 1979, tivemos cenógrafos, diretor, aparelhagem de som profissional, produtor de cena, coreógrafos convidados, figurinistas… enfim, uma estrutura extremamente profissional para alunas ainda amadoras. Hoje em dia, as escolas entendem que a criança que faz balé em uma escola séria quer se apresentar de forma condigna, então, vemos mais esse tipo de produção.
Existe limite de idade para a dança?
Não. O problema, às vezes, não é o aluno, são os pais. Muitos trazem os filhos muito pequenos, em uma faixa de dois aninhos ainda, e querem que a gente ensine balé pois acham “fofinho” a criança dançando. Mas não funciona assim. O balé não é brincadeira, é necessário uma disciplina, assim como qualquer outra atividade extracurricular. Então, quando a criança é muito pequena e não tem esse discernimento, ela desiste. Em relação aos adultos, nunca é tarde para começar. Nós temos aqui na escola várias mães que vinham deixar as filhas e acabaram ficando nas salas. Tudo depende da sua disposição e condição física.
Hoje, o D1 é uma referência na cidade. Qual é o ponto forte da escola para receber esse título?
Acho que é a seriedade. Nós ensinamos antes de tudo disciplina. Meus alunos, mesmos os que não seguiram carreira, sempre que me encontram dizem que aplicam a nossa metodologia disciplinada e meticulosa, que trouxemos do Royal Ballet, no seu trabalho, qualquer que seja. Isso é muito importante. Então, as pessoas sentem confiança no nosso trabalho, que é honesto em todas as fases. Não é porque uma aluna não é alta e magra que vamos descartar seu talento. Acho que nossos alunos sentem isso e, por essa razão, estamos há tanto tempo na estrada.
“A dança é uma atividade benéfica para qualquer pessoa, em qualquer idade.”
Como foi se adequar a novas modalidades de dança?
É muito divertido, na verdade. A escola sempre teve outras opções além do balé. São diversas vertentes, cada uma mais linda que a outra. O hip-hop é delicioso de ver, por exemplo. Eu adoro o street dance, fizemos um festival e as crianças foram espetaculares. O balé sofreu algumas mudanças também, ficou uma modalidade mais atlética, os bailarinos profissionais precisam de uma preparação física muito maior do que antigamente. Hoje, a gente vê bailarinas dando 12 piruetas, ou meninos com a perna muito mais alta. Então, tecnicamente, houve um avanço muito grande.
O que o balé mudou na sua vida, pessoal e profissional?
Não existe uma separação da minha vida pessoal e profissional quando falo da dança. O balé é parte integrante da minha vida completa, de tudo o que eu sou, de tudo o que eu faço e sinto. Minha escola é a coisa mais importante da minha vida, depois da minha família. É isso que eu gosto de fazer e sempre gostei. A arte é a cereja do bolo.
“Não é porque uma aluna não é alta e magra que vamos descartar seu talento.”
O que você faz quando não está envolvida com o mundo da dança?
Eu adoro bordar! É uma atividade que tive que aprender para ajudar nos figurinos e acabei me encantando. Amo assistir filmes. Adoro juntar as duas atividades, principalmente agora que há muitas oportunidades de assistir a filmes na internet e temos vários figurinos para finalizar.
E quais são os planos para o futuro?
Estamos fazendo um grande investimento nas nossas estruturas. Acabamos de fazer uma grande reforma nas escolas. Para um futuro próximo, eu gostaria de trazer o Marcelo Gomes e a Marianela Núñez, dois bailarinos incríveis, para nossos próximos espetáculos. Na parte pessoal, alguém na minha idade não costuma fazer planos para o futuro [risos], mas enquanto eu tiver saúde e disposição, quero continuar fazendo tudo isso, que é o que eu amo.