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A atuação do Ministério Público do Trabalho do Paraná

Procuradora-chefe do MPT-PR apresenta os posicionamentos de um dos principais órgãos públicos do país

Estamos vivendo uma era de mudanças, renovações e adaptações em todos os setores do país. Para esta edição, conversei com a Procuradora Chefe do Ministério Público do Trabalho do Paraná, Dra Margaret Matos de Carvalho, que esclarece as funções e principais medidas tomadas pelo órgão.

Como se deu a sua trajetória profissional até chegar a procuradora chefe do MPT-PR?
Antes de ingressar no Ministério Público do Trabalho, fui servidora da Justiça do Trabalho no Paraná, onde ingressei 1987. Foi quando conheci o Direito do Trabalho, a sua importância para a manutenção da paz social e para o equilíbrio da relação entre o Capital e o Trabalho. Também foi neste período que decidi seguir carreiras jurídicas nesta área, seja magistratura do trabalho ou procuradoria do trabalho. Logo após o término do meu curso de graduação em Direito, me inscrevi para o IV Concurso de Ingresso no Ministério Público do Trabalho, que assim como a magistratura, possui 5 fases (prova objetiva, prova dissertativa, prova prática, prova oral e, finalmente, prova de títulos). Em dezembro de 1993 assumi como Procuradora do Trabalho, com lotação inicial na PRT 15ª Região, em Campinas\SP. Após, em meados de 1996, em concurso de remoção, regressei a Curitiba, lotada na PRT 9ª Região, onde permaneço até os dias de hoje. Durante esses quase 27 anos de Ministério Público do Trabalho atuei em diferentes temas, como: direito coletivo do trabalho, com o objetivo de aumentar e propiciar o diálogo social entre sindicatos profissionais e patronais; combate e prevenção ao trabalho infantil, problema que até os dias de hoje demanda toda nossa atenção, pois o trabalho infantil segue invisibilizado ou mesmo naturalizado, não sendo percebido como violação de direitos que é; combate à exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, tema extremamente delicado, pois tem implicações com o crime organizado e, que, além da exploração do trabalho, também é crime e uma grave violência praticada contra crianças e adolescentes, fruto de uma sociedade machista e que vê no corpo da mulher, da criança ou do adolescente um objeto de satisfação e  dominação sexual; promoção do direito à profissionalização de adolescentes, que é um direito assegurado na Constituição Federal e proporciona aos adolescentes o primeiro contato com o mundo do trabalho, porém, sem exploração e com todos os direitos trabalhistas e sociais assegurados; promoção de políticas públicas de geração de trabalho e renda a catadores de materiais recicláveis, pois quando falamos de violação de direitos humanos podemos afirmar que a população que sobrevive da venda de  material reciclável se encontra num estado de absoluta violação destes direitos e, da parte do Ministério Público do Trabalho, nos compete exigir do Poder Público o cumprimento da legislação que assegura aos catadores a efetiva participação na gestão dos resíduos sólidos dos municípios, conforme prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos;  combate ao uso de agrotóxicos,  lembrando que o Paraná é o estado 2º maior consumidor de agrotóxicos  e o Brasil é o campeão mundial de consumo deste produto, o que acontece sem que a população seja informada dos agravos à saúde decorrentes da exposição e consumo de agrotóxicos, que tem causado adoecimentos e mortes em todo o Estado em níveis alarmantes. Atuar em tantas e diferentes frentes me trouxe uma visão singular da situação dos trabalhadores e trabalhadoras paranaenses e a certeza de que o Ministério Público do Trabalho deve estar onde a população está, conhecendo e vivenciando de perto suas dificuldades, seus sofrimentos, suas angústias e, principalmente, suas demandas. Somente a partir do conhecimento da realidade é que nos tornamos melhores profissionais e podemos contribuir de fato para que a Justiça Social seja alcançada.

Qual a função do MPT-PR? De que forma o MPT atua?
O Ministério Público do Trabalho (MPT) é o ramo do MPU que tem como atribuição fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista quando houver interesse público, procurando regularizar e mediar as relações entre empregados e empregadores. Cabe ao MPT promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados direitos sociais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores. Também pode manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, quando entender existente interesse público que justifique. O MPT pode ser árbitro ou mediador em dissídios coletivos e pode fiscalizar o direito de greve nas atividades essenciais. Compete, ainda, ao MPT propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses de crianças e adolescentes, incapazes e indígenas, decorrentes da relações de trabalho, além de recorrer das decisões da Justiça do Trabalho tanto nos processos em que for parte como naqueles em que oficie como fiscal da lei. Assim como os demais ramos do MP, o MPT exerce importante papel na resolução administrativa (extrajudicial) de conflitos. A partir do recebimento de denúncias, representações, ou por iniciativa própria, pode instaurar inquéritos civis e outros procedimentos administrativos, notificar as partes envolvidas para que compareçam a audiências, forneçam documentos e outras informações necessárias. Para cumprir suas atribuições o MPT dispõe de uma estrutura, que inclui diversos órgãos responsáveis pelo desenvolvimento de atividades administrativas e pela eficaz execução das funções: Procuradoria-Geral; Procuradorias Regionais; Procuradorias nos Municípios, Conselho Superior; Câmara de Coordenação e Revisão; Corregedoria Geral e Ouvidoria.

Se um cidadão comum encontrar uma situação de exploração de trabalho de crianças e adolescentes ou trabalho escravo pode denunciar ao MPT?
O Ministério Público do Trabalho atua em situações de desrespeito aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de relevante valor social, no campo das relações de trabalho., dentre as quais se inserem, sem qualquer dúvida, a sujeição não apenas de crianças e adolescentes, mas de qualquer trabalhador ou trabalhadora a condições análogas a de escravo. É importante deixar claro que o MPT não presta serviços de consultoria, nem atua na defesa de direitos meramente individuais e, assim, se este for o objetivo, a pessoa interessada deverá buscar o seu sindicato profissional, um advogado ou mesmo a defensoria pública.As principais áreas de atuação do Ministério Público do Trabalho são as seguintes: Promover a igualdade de oportunidades e combater a discriminação nas relações de trabalho; Combater o assédio moral nas relações de trabalho;  Erradicar o trabalho escravo degradante; Erradicar a exploração do trabalho da criança e proteger o trabalhador adolescente; Garantir o meio ambiente do trabalho adequado; Eliminar as fraudes trabalhistas; Garantir a liberdade sindical e buscar a pacificação dos conflitos coletivos de trabalho; Proteger o trabalho portuário e aquaviário; Combater as irregularidades trabalhistas na administração pública; Combater a terceirização ilícita dos trabalhadores. A denúncia pode ser feita por qualquer pessoa, pela Internet, a partir do preenchimento de um formulário eletrônico.

O que acontece com as empresas que não cumprem as determinações do MPT?
Nos procedimentos investigatórios de violação de direitos trabalhistas, o MPT apresenta à empresa um termo de compromisso de ajustamento de conduta, no qual estarão inseridas todas as obrigações que deve cumprir, sob pena de execução da multa ali fixada. Caso a empresa não concorde em assinar este documento, ou seja, não concorde em adequar sua conduta ao que determina a lei, o MPT promove o ajuizamento de uma ação civil pública junto à Justiça do Trabalho para que, através de uma decisão judicial, a empresa seja compelida a cumprir aquelas obrigações. Também é fixada multa se não houver cumprimento da decisão judicial. Portanto, as empresas que não cumprem a legislação, podem ser responsabilizadas no âmbito administrativo ou judicial.

 O que o MPT faz para garantir a contratação de pessoas com deficiência nas empresas?
A legislação estabeleceu a obrigatoriedade de as empresas com cem (100) ou mais empregados preencherem uma parcela de seus cargos com pessoas com deficiência. A reserva legal de cargos é também conhecida como Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91). Em razão da determinação legal, o MPT exige das empresas a comprovação de que cumpre integralmente a cota a que está obrigada. Se a empresa não comprovar sua adequação à lei, a ela é oferecida a assinatura do termo de compromisso de ajustamento de conduta, que fixará prazo para o cumprimento da integralidade da cota, com fixação de multa se houver descumprimento. E, se a empresa não aceitar firmar o TAC, o MPT ajuizará ação civil pública buscando o cumprimento da Lei de Cotas. Pode-se afirmar que as empresas ainda relutam em promover a contratação de pessoas com deficiência, obrigatoriedade prevista desde 1991, o que demonstra que ainda temos que superar o preconceito arraigado na nossa sociedade. Precisamos reconhecer que a diversidade que é ínsita na condição humana é que torna a nossa experiência de vida mais rica, mais humana, mais solidária e, por todas essas razões, plena e feliz.

O que é uma Ação Civil Pública? Qual o percentual de fiscalizações que viram uma Ação Civil Pública?A Constituição Federal de 1988 elevou a ação civil pública à categoria de garantia fundamental, ampliando consideravelmente o seu objeto não apenas para a reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, mas também para a proteção do patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos. O cabimento de ação civil pública na Justiça do Trabalho está prevista expressamente no art. 83, inciso III da LC 75/93: Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: III – promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. O Ministério Público do Trabalho vem atuando como protagonista na ampliação do objeto da ação civil pública trabalhista, em defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, manejadas com o objetivo, dentre outros, de erradicar o trabalho em condições análogas à de escravo e o trabalho infantil; a intermediação de mão-de-obra por cooperativas fraudulentas; a terceirização irregular dos cargos e empregos públicos em evidente burla ao concurso público; a discriminação sofrida por mulheres, negros, portadores de HIV, indígenas, homossexuais, etc; utilização fraudulenta de empregados sob o rótulo de pessoas jurídicas e em defesa do meio ambiente laboral saudável e equilibrado.

Qual a análise sob a ótica do MPT sobre a Reforma Trabalhista, houve redução de novas demandas? As empresas estão mais atentas?
A posição do Ministério Público do Trabalho foi muito clara por ocasião dos debates em torno da Reforma Trabalhista, debates que, no nosso entender, deveriam ser mais amplos, com a efetiva oitiva dos verdadeiros interessados ou prejudicados, ou seja, os trabalhadores, através dos seus sindicatos e mediante demonstração inequívoca da necessidade de que fosse realizada. O maior argumento para essa Reforma foi que ela poderia gerar números expressivos de novos empregos, o que o tempo nos demonstrou  não ser verdadeiro. Foi uma desculpa utilizada para alcançar aprovação pública da medida. É preciso afirmar que o Ministério Público do Trabalho é contrário à retirada de quais direitos trabalhistas, seja através de Reformas, seja através de inúmeras outras medidas que têm sido apresentadas no mesmo sentido, como projetos de lei e medidas provisórias. O patamar civilizatório em que nos encontramos não nos permite tal retrocesso histórico de retirada de tantos e tão importantes direitos. Os trabalhadores não podem ser responsabilizados e pagar pelos erros da política econômica desastrada que vem sendo implementada. Os problemas que justificaram a reforma trabalhista poderiam ser resolvidos de outro modo, sem sacrificar os trabalhadores, os mais frágeis neste elo. Não se fez a Reforma Tributária, não foram taxadas as grandes fortunas, não foram revistas as isenções fiscais que enriquecem empresas e empobrecem o Estado, não se discutiu a dívida pública. Apenas aumentamos as desigualdades sociais, que empurram para a miséria e para a fome milhões de trabalhadores, quadro agravado pela pandemia que atravessamos neste momento.

Qual a análise sob a ótica do MPT sobre as Medidas Provisórias que flexibiliza as Leis Trabalhistas por conta do Covid-19?
Há uma compreensão de que as medidas flexibilizadoras da legislação trabalhista impôs todo o ônus para os trabalhadores, pois foram estes que estão, de fato, “pagando a conta” de uma dívida que não é deles. Crises econômicas não podem ser resolvidas às custas do trabalhador. É um problema que deve ser resolvido pelo Estado, sem sacrificar os trabalhadores. Mas infelizmente não é o que está acontecendo. Nem mesmo as empresas, que esperavam uma resposta do Governo Federal, neste momento de extrema necessidade, ainda se encontram desatendidas e, acho até, que perdidas em meio a muitas dúvidas, poucas respostas e nenhuma solução concreta. Ao contrário de retirar e flexibilizar os direitos trabalhistas, por meio das Medidas Provisórias que tem sido sucessivamente encaminhadas ao Congresso Nacional, o Executivo Federal deveria ter promovido políticas públicas de garantia de emprego, de transferência e manutenção da renda mínima básica a todos os trabalhadores desempregados,  informais, autônomos e os que estão à margem de qualquer política de inclusão. E não está fazendo, pois o auxílio-emergencial não chegou a todos que dele necessitam e, pior, os trabalhadores mais vulneráveis foram excluídos da lei que criou o auxílio emergencial, como diaristas, empregadas domésticas, manicures, caminhoneiros, pescadores artesanais, artesãos, catadores de materiais recicláveis, etc. O Governo Federal deveria ter auxiliado, também, as microempresas e empresas de pequeno porte, que são responsáveis pela geração de muitos postos de trabalho,  mas as notícias mostram os contrário, muitas encerraram em definitivo suas atividades depois de esperar por meses a tão noticiada ajuda federal. O Executivo Federal deveria ter auxiliado também as empresas de médio e grande porte, exigindo como contrapartida a manutenção de empregos e salários. Essa política de auxílio às empresas para a garantia dos empregados tem sido adotada por quase todos os países que passam também pela Pandemia.  Porém, ao contrário disso, não apenas tornou os trabalhadores mais vulneráveis, como deixou de apoiar as ações dos Estados e Municípios que, com sacrifícios e dificuldades, tem tentado conter o avanço do novo Coronavírus e atender as necessidades da população quanto à assistência social e de saúde. O Estado Brasileiro tem recursos suficientes para promover tais políticas, não o fez por escolha. E o resultado estamos vendo e sentindo na pele, como o aumento da miséria, da fome, da violência, do adoecimento e de mortes em razão da Covid-19. Um desastre sanitário, econômico e social de grandes proporções. Espero que a população mantenha sua memória viva para que no futuro não sejam repetidos os erros do passado.

Como estão as demandas no MPT neste momento? Há saturação de processos aqui no Paraná? Se sim, quais medidas podem ser implementadas a fim de solucionar esta questão?
Houve um aumento significativo de denúncias relacionadas à Covid-19. No início, as denúncias envolviam dúvidas dos trabalhadores se as empresas em que trabalhavam deveriam ou não paralisar suas atividades, dúvidas que persistem até hoje, pois os decretos, dos 3 níveis de governo (Federal, Estadual e Municipais) tratavam de modo diferente o que era considerado como atividade essencial. Depois vieram as ampliações das atividades reconhecidas como essenciais, tornando quase toda atividade econômica essencial, o que, obviamente, contraria orientações da Organização Mundial da Saúde, que foram seguidas por outros países que, como o Brasil (aqui apenas em tese),  adotaram o distanciamento social como estratégia de contenção do avanço do contágio pelo novo Coronavírus. Segundo orientações da OMS, essenciais são aquelas atividades imprescindíveis para a sobrevivência da população, como produção e comércio de alimentos, fabricação e comércio de medicamentos, saneamento básico, coleta regular do lixo, fornecimento de energia elétrica e água potável, dentre outras. No Brasil, imagino que para espanto mundial, foram incluídas atividades que não se enquadram como essenciais, como, por exemplo, academias de ginástica, bares, shoppings, comércio de roupas e cosméticos, templos religiosos, etc. As denúncias iniciais, além das dúvidas a respeito da essencialidade das atividades das empresas, também giravam em torno de quais equipamentos de proteção individual deveriam ser oferecidos, o tipo de máscara a ser utilizado, o afastamento entre as estações de trabalho, a higienização frequente do ambiente de trabalho, etc. Hoje as denúncias estão mais voltadas para casos de surto. Em razão da permissão generalizada de funcionamento de atividades não essenciais, os locais de trabalhos e tornaram grandes focos de contaminações, assim como o transporte o transporte público, pois diariamente vemos ônibus circulando com capacidade máxima, aglomeração de pessoas dentro e fora dos ônibus. Ainda continuam comuns as denúncias envolvendo a não disponibilização de Equipamentos Individual de Proteção, como máscaras; não disponibilização de álcool em gel; não afastamento dos trabalhadores do grupo de risco, o que deve acontecer sem prejuízo do recebimento dos salários, etc.   

Quanto a Covid-19 – quais os reflexos para o MPT hoje? É possível avaliar neste momento e todos desdobramentos? As consultas e audiências virtuais já estão acontecendo no MPT? É seguro? É viável? Será permanente pós-pandemia? E as fiscalizações neste momento estão suspensas?
O MPT, assim como vários órgãos públicos e empresas privadas, passou a adotar o trabalho remoto ou teletrabalho integralmente em todas as suas unidades, o que significa uma mudança muito grande no estilo de vida de todos que trabalham para o MPT. Para alguns, a adaptação foi mais fácil e rápida. Para outros, as dificuldades se somaram e ainda há quem não tenha se adaptado a essa nova forma de trabalho.
Ao contrário do que se pode pensar, o trabalho remoto ou o trabalho em casa, não teve impacto na demanda, já que está mais relacionada à pandemia e, por essa razão, passamos por um período de considerável aumento de trabalho, o que significa mais horas à frente de um computador, especialmente em razão da realização de audiências virtuais, reuniões virtuais e sessões telepresenciais. As sessões virtuais tem demorado muito mais do que quando eram presenciais, levando ao cansaço não apenas os procuradores regionais do trabalho, como também os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região e advogados que atuam perante a Corte Trabalhista. Em razão das dificuldades que são compreensíveis neste momento de adaptação a ferramentas tecnológicas que pouco eram utilizadas, acredito que, em não havendo mais restrições impostas pelas autoridades sanitárias, essas atividades voltem a ser realizadas presencialmente. Mas acredito, ainda, que serão mantidas atividades telepresenciais, pois em alguns casos se mostraram muito efetivas, como reuniões, já que evitam deslocamentos não só numa mesma cidade, como viagens longas de um lugar para outro. Estamos elaborando um Protocolo de Retorno que, embora sem data certa, precisa ser elaborado com bastante antecedência para que, quando retornamos para os trabalhos presenciais nas unidades do MPT, não tenhamos casos de contágio e adoecimentos, de sorte que o processo será muito bem pensado e implementado gradualmente. O MPT não realiza fiscalizações, atribuição cometida à auditoria fiscal do trabalho.

Sob a ótica do MPT-PR, quais os direitos do trabalhador que contrai a Covid-19?
Se o trabalhador é contagiado no ambiente de trabalho, nós estamos tratando de um adoecimento ocupacional, que se equipara a acidente de trabalho, com todas as consequências que isso gera, como afastamento remunerado pelo tempo necessário indicado pelo médico assistente. Se o afastamento for maior do que 15 dias o trabalhador passa a ter estabilidade no emprego pelo período de 12 meses. Além disso, em caso de rompimento contratual ou mesmo no curso do contrato, o trabalhador que adoeceu no local de trabalho poderá buscar uma indenização individual. A responsabilidade do empregador, nesta hipótese, é objetiva, pois expôs o empregado ao risco do contágio, fato que se agrava se a empresa não desenvolve atividade essencial e mesmo assim assumiu o risco de expor os empregados desnecessariamente ao novo Coronavírus.

A MP 927/2020 reconhece que o estado de calamidade pública constitui hipótese de força maior e muitas empresas se valeram desta condição para efetuar dispensas na modalidade por força maior com o pagamento da multa do FGTS pela metade, ou seja, 20%. Qual a sua visão do MPT sobre o tema?
A Medida Provisória (MP) 927/2020 em seu artigo 1º, parágrafo único, estabelece que a calamidade pública constitui hipótese de força maior, não sendo necessário o reconhecimento desse fato pela Justiça do Trabalho para ocorrer a rescisão do contrato de trabalho por esse motivo. Desta forma, não há dúvidas de que a pandemia conhecida como coronavírus/Covid-19, que ocasionou a decretação de calamidade pública, é hipótese de força maior. Com isso, basta o reconhecimento da calamidade pública para o empregador poder fazer a rescisão do contrato de trabalho por motivo de força maior? Óbvio que não, pois, embora a MP 927 tenha reconhecido a calamidade pública como motivo de força maior para fins trabalhistas, nem toda empresa poderá se valer dela, pois, além do motivo força maior, é necessário que tal fato tenha afetado substancialmente a situação econômica e financeira da empresa a ponto de ser necessário o seu fechamento, total ou parcialmente. E temos casos em que muitas empresas inclusive aumentaram os seus lucros neste período.

Muitos empregados encontraram dificuldade em sacar o FGTS e se habilitar no seguro desemprego devido a modalidade de rescisão por força maior, pois as intuições, CEF e Ministério da Economia, entendem que deve haver uma sentença judicial que reconheça a condição. Qual a sua visão do MPT sobre o tema?
Importante esclarecer que a rescisão do contrato de trabalho por motivo de força maior não é apenas mais uma modalidade de extinção do contrato de trabalho à disposição do empregador, como se fosse uma benesse. Esse tipo de rescisão deve ser vista com cautela e utilizada somente por aquelas empresas que, de fato, foram atingidas fortemente pela pandemia, ou seja, que não possuem reais condições de dar continuidade ao negócio. Apesar de o Governo anunciar medidas emergenciais para ajudar as empresas a se manterem nesse período, a MP 944/2020, chamada de “MP do crédito para pagamento da folha de pagamento”, contemplou apenas empresas que auferiram no exercício de 2019 receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Ou seja, as micro, pequenas e médias empresas, que mais precisam de suporte financeiro para enfrentar essa crise, ficaram de fora. Desta forma, a cada dia que passa, mais e mais empresas se veem obrigadas a fechar as portas e mandar seus empregados embora. Não adianta criar formas de manter o emprego, como redução de jornada/salário, suspensão do contrato, teletrabalho, prorrogação de pagamento de tributos etc., se as empresas, acumulando dívidas, não terão caixa futuro para arcar com esses débitos. Os efeitos do Covid-19 são devastadores não só para os seres humanos, mas também para muitas empresas, principalmente as micro, pequenas e médias empresas, que sem saída, irão valer-se da rescisão do contrato de trabalho por motivo de força maior. A Caixa Econômica Federal publicou no dia 29 de abril de 2020 a nova versão do Manual FGTS. Agora, empregados que que foram demitidos por força maior não precisarão apresentar decisão transitada em julgado para conseguir sacar a multa de 20% do FGTS. No entanto, para que os valores depositados sejam acessados, continua sendo necessário ajuizar ação para que a Justiça do Trabalho reconheça a rescisão. Segundo levantamento feito pela ConJur, em parceria com a instituição de educação Finted e a startup Datalawyer Insights, grande parte dos 10 mil processos trabalhistas que estão se amontoando no Judiciário por conta da epidemia do novo coronavírus são referentes a ações sobre aviso prévio e multa de 40% do FGTS, temas inerentes às demissões. Os dados fazem parte da plataforma Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, lançada no dia 1º de maio, dia do trabalhador. Mesmo com a mudança de entendimento da Caixa, não é possível dizer que o número de casos que irão desembocar no Judiciário tende a diminuir. Como não há necessidade de que a decisão transite em julgado, no entanto, o tempo decorrido até que o trabalhador consiga sacar o FGTS será mais curto. Para Ricardo Calcini, professor de pós-graduação da FMU, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e organizador do e-book Coronavírus e os Impactos Trabalhistas, a mudança de entendimento da Caixa e a MP deixam uma série de questões em aberto. Entre elas, de quem será a competência para analisar essas questões, se da Justiça do Trabalho ou Federal. Além disso, não se sabe quem irá figurar no polo passivo da ação, se a empresa, a Caixa ou ambas. “O atual problema que já está sendo enfrentado hoje no Judiciário é que nem toda rescisão contratual pode ser reputada, na forma do artigo 501 da CLT, como força maior. E a origem de toda essa discussão se deu após a MP 927, que reconhece a hipótese de força maior. Logo, a partir de uma interpretação literal da medida provisória, não seria necessário que a Justiça do Trabalho reconheça esse fato para que ocorram as rescisões contratuais com redução da multa do FGTS para 20%”, explica.  Assim, Calcini vislumbra dois cenários. No primeiro, as rescisões contratuais, por força maior, ocorridas na vigência da MP 927, não necessitarão de chancela judicial e, assim, a Caixa deverá proceder com as mudanças de suas diretrizes internas para permitir o levantamento do FGTS. No segundo, milhares de ações serão ajuizadas perante o Judiciário trabalhista para que a situação de força maior seja efetivamente reconhecida em cada caso, evitando-se, assim, fraudes com a redução da multa para 20%, uma vez que, na prática, nem todas as empresas foram extintas. “Sem dúvida, a recente mudança de diretriz interna da Caixa para que não mais se exija o trânsito em julgado da decisão judicial representou um grande avanço, por abreviar anos e anos de debates judiciais, permitindo que a parte mais interessada em toda essa discussão — o trabalhador — possa, em curto espaço de tempo, levantar seu FGTS acrescido de multa de 20%. Contudo, exigir o ajuizamento de ações trabalhistas é incongruente com os atuais estágios de urgência e necessidade pelos quais estão atravessando os trabalhadores”, diz Calcini. Ainda segundo ele, as fraudes que se pretende evitar devem ser combatidas caso a caso, a depender do interesse do reclamante em vir ou não discutir tal questão na Justiça. “Isso, porém, deve ser exceção, e não a regra, pois, tal como a problemática está posta hoje, todos os trabalhadores, independentemente da existência ou não de fraudes nas rescisões contratuais por força maior, têm que ingressar em juízo para terem direito a liberação do FGTS com a multa reduzida em 20%.”

Sobre o caso específico da Churrascaria Fogo do Chão (RJ), qual a sua análise do caso? Foi correto a empresa repassar a conta das demissões ao Governo Estadual?
A Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, com sede na cidade do Rio de Janeiro-RJ, ingressou com uma ação civil coletiva contra a rede de churrascarias Fogo de Chão e pede uma indenização de pelo menos R$ 70 milhões por danos morais coletivos. A empresa é acusada de demitir 690 funcionários sem o devido pagamento de verbas rescisórias em meio à pandemia do novo coronavírus. A empresa alegou a ocorrência do chamado “fato do príncipe”, quando o negócio é obrigado a fechar devido a um ato da autoridade municipal, estadual ou federal. Encorajadas por uma fala do presidente Jair Bolsonaro no fim de março, algumas companhias estão recorrendo a esse artigo na lei trabalhista para fazer demissões em massa e jogar a conta para governadores e prefeitos, alegando que os decretos de isolamento social se encaixam na hipótese de “fato do príncipe”. Técnicos do próprio governo, porém, veem dificuldade em aplicar essa teoria. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Alexandre Agra Belmont também avaliou na semana passada que o dispositivo é inaplicável. “Não foi ele (governo) o causador. O causador foi o vírus”, disse. Na ação, a procuradora do Trabalho Viviann Brito Mattos pede que os 690 funcionários dispensados em todo o Brasil sejam readmitidos, ou que tenham as verbas rescisórias pagas acrescidas de multa e indenização equivalente a quatro vezes o valor da remuneração do trabalhador. O Ministério Público também pede a condenação da empresa em ao menos R$ 70 milhões por danos morais coletivos. Na semana passada, o MPT havia instaurado um inquérito civil para apurar os indícios de lesão coletiva aos direitos sociais garantidos pela Constituição aos trabalhadores. Uma carta enviada ao governo estadual do Rio diz que a Fogo de Chão (que desde 2018 pertence ao fundo de investimentos americano Rhône Capital, responsável por administrar bilhões em ativos) iria depositar na conta dos empregados o saldo de férias, o adicional de um terço e o 13º proporcional em até 10 dias. Não houve comprovação dos pagamentos. Além disso, alguns empregados receberam parte das verbas rescisórias, que incluem o aviso prévio e a multa de 40% sobre o FGTS, enquanto outros não receberam nenhuma parcela. Outra irregularidade apurada é que não houve intervenção do sindicato da categoria, como é necessário em casos de demissão coletiva.

Em um mundo do trabalho pós-pandemia, quais serão os novos desafios do MPT?
Os novos desafios dependerão da situação econômica e, também, se a Covid-19 se tornar ou não doença endêmica. Se a Covid-19 se tornar endêmica, o mundo do trabalho sofrerá alterações profundas, pois as medidas adotadas neste momento atual se tornarão medidas permanentes, com as consequências decorrentes, como maiores cuidados nos ambientes de trabalho, gerando custo maior de produção e, portanto, impacto na economia e mais perdas de emprego ou a não criação de postos de trabalho. Após a pandemia já é possível vislumbrar um agravamento das condições socioeconômicas das famílias brasileiras. Os milhões de desempregados dificilmente conseguirão, num curto prazo, reaver os empregos e, mesmo que consigam a realocação, as condições existentes anteriormente podem não ser mais as  mesmas, pode haver inclusive uma piora das condições de trabalho e salariais oferecidas. Será um Brasil, sem dúvida, mais desigual, mais empobrecido e se não forem feitos investimentos pesados em políticas públicas de geração de emprego, trabalho e renda, conviveremos muito tempo com todas as mazelas que decorrem do empobrecimento da população que continuará lutando por sobrevivência. 

Qual a sua mensagem para os paranaenses?
Temos ouvido muito falar que tipo de sociedade nos tornaremos após a Pandemia. E são diferentes posicionamentos, muitos pessimistas, que acham que quem neste momento não se preocupe com o que aflige grande parte da  população, permanecerá sendo egoísta e querendo benefícios apenas para si mesmo. Eu quero ser otimista e ter a esperança de que a sociedade paranaense sairá deste período mais humana, mais solidária. Uma sociedade que saberá valorizar a ciência, a produção do conhecimento científico gerado na universidade pública, pois as universidades públicas vêm sofrendo repetidos ataques e, neste momento de pandemia, deu inúmeras demonstrações de seu valor e de todo o conhecimento produzido e que foi fundamental para a população. Uma sociedade que saberá valorizar o SUS e, a partir dessa valorização, exigirá que mais investimentos sejam feitos para a saúde pública e universal. Uma sociedade que exigirá a proteção do meio ambiente, da nossa Amazônia, das nossas águas. Uma sociedade de fato solidária, que tenha empatia e amor ao próximo, afinal somos partes de uma única família, a família humana. O que atinge a um de nós, atinge a todos.   

 Para fazer uma denúncia de exploração do trabalho, acesse o site do Ministério Público do Trabalho.

*Coluna originalmente publicada na edição #238 da revista TOPVIEW. 

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