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Curitiba enfrenta a Covid-19

Vice-prefeito de Curitiba detalha, com exclusividade, as medidas que a cidade tomou para frear o contágio pelo novo coronavírus

Para esta segunda edição da trilogia “Especial Quarentena” da TOPVIEW, conversei com o vice-prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel Slaviero. Confira!

Quando o senhor começou a gestão, qual era o maior desafio? Por quê?
Antes de mais nada, é preciso lembrar que, quando assumimos a Prefeitura de Curitiba, em 2017, encontramos o caixa do município com sérios problemas financeiros e sem capacidade de investimento. Isso refletia, obviamente, nos serviços básicos da população, como medicamentos e manutenção da cidade, entre outros. Na época, encontramos uma dívida que passava de R$ 2 bilhões, o que equivale, para se ter uma ideia, a quase quatro anos do valor do IPTU da cidade de Curitiba. E, para reverter o problema, já no primeiro semestre de 2017, nós apresentamos a Câmara Municipal o Plano de Recuperação de Curitiba que foi aprovado, à época, pela maioria dos vereadores e tratava de uma reestruturação fiscal importante, diminuição de secretarias, um parcelamento das dívidas que nós tínhamos encontrado, diminuição de despesas e uma reforma na previdência já naquele momento. Assim, a Prefeitura pôde voltar a respirar e ter qualidade nos seus investimentos. Retomamos os serviços públicos, equilibramos as contas, recuperamos a credibilidade, retiramos a certidão negativa do Tribunal de Contas – o que também nos permitiu contrair empréstimos naquele momento e fazer uma série de operações financeiras em todo esse período. Com isso, as obras foram retomadas, os buracos foram tapados, o mato foi cortado, a luz foi trocada… foi um recomeço muito importante da cidade naquele momento. Então a gente agradece aos vereadores da nossa base que, na época, foram muito importantes para que isso acontecesse. 

Qual o panorama da saúde em Curitiba?
Na área da saúde, quando nós assumimos, para se ter uma ideia, nos primeiros meses nós tínhamos um déficit de medicamentos, o que nos motivou a procurar um apoio do Governo do Estado – o qual nos auxiliou – e nós pudemos, aos poucos, pagar os fornecedores, que nos negavam a entrega de medicamento na época. Aos poucos, fomos colocando a parte de medicamentos em dia também. Abrimos a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Tatuquara e a da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) que estavam fechadas, entregando as nossas nove UPAs funcionando para a população. Também renovamos 100% da frota operacional do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e deixamos reabertas 111 unidades básicas de saúde, o que foi muito bom. Inclusive, há pouco tempo atrás, o ex-ministro [Luiz Henrique] Mandetta, na primeira entrevista que concedeu após deixar o Ministério em um belo trabalho, elogiou Curitiba e disse a frase “Quem me dera se todos fossem Curitiba”. Isso nos encheu de orgulho – principalmente aos nossos profissionais de saúde, que têm feito um trabalho maravilhoso – mas ele provou que o planejamento é fundamental. 

Quais são as medidas de controle e prevenção que estão sendo tomadas acerca da pandemia?
Nós fizemos esse planejamento no primeiro ano de gestão e agora estamos, graças à Deus, podendo colocar em prática essa estrutura forte que a saúde detém hoje na cidade de Curitiba. A principal medida que nós adotamos com o início da pandemia foi a reorganização da rede médica para focar os esforços no combate ao coronavírus. Tratou-se de um plano de contingência para ganharmos eficiência no enfrentamento à pandemia. E, sobre isso, nós gostamos de dizer o seguinte: trabalhamos como uma saúde só, tanto a rede pública quanto a rede privada. Novamente, o nosso reconhecimento aos profissionais de saúde através da nossa secretária municipal Marcia Huçulak que tem feito um trabalho muito bom. Há também a liderança do prefeito Rafael Greca, que deixa Curitiba como uma das cidades e das capitais com a curva menos acentuada, com o menor percentual de mortes do estado do Paraná. No início, nós contemplamos uma abertura de 237 leitos de UTI na capital, somando-se aos 761 que nós já tínhamos, chegando a uma capacidade de quase mil leitos de UTI disponíveis dentro da cidade de Curitiba. São, ainda, mais de 5.600 leitos de enfermagem para que a gente possa atender a população da cidade. Por enquanto, não precisamos de uma estrutura de hospital de campanha porque as nossas unidades têm sido muito bem atendidas e todos os hospitais têm trabalhado de forma igual, o que é muito bom. Mas, é claro que se precisar – e nós torcemos para que não precise –, nós temos toda a estrutura para fazer um hospital de campanha. Além da abertura dos leitos, nós adotamos a orientação que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou: o distanciamento social. Nós reforçamos o pedido de que quem puder, fique em casa. É fundamental que isso aconteça. Quem tiver que abrir seu comércio ou trabalhar nos serviços essenciais, que saia de casa com todos os cuidados: a máscara, que já é obrigatória em Curitiba e lei no Paraná, e o seu álcool em gel. Então, todo o cuidado é necessário. Também nesse período, nós tivemos a contratação de 428 profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Fomos a primeira capital a instalar o serviço de telemedicina para oferecer a consulta dentro das casas. Ativamos, ainda, o nosso fundo municipal para ao combate à pandemia no valor de R$ 500 milhões, o qual foi levantado para essas questões em nosso plano de recuperação fiscal no início de nossa gestão. Nós distribuímos cestas básicas pela cidade toda para as pessoas cadastradas em nossa ação social por meio da Fundação de Ação Social (FAS). É um trabalho muito bom porque conseguimos controlar quem já recebeu e quem recebe mais ou menos, além do tamanho da família. Nós pedimos para que as doações sejam feitas, sempre que possível, por meio de nossa ação social porque, assim, conseguimos verificar quem realmente necessita. E nós distribuímos um voucher de R$ 70 para 17 mil estudantes da rede municipal de ensino a fim de completar a merenda escolar. Isso porque, muitas vezes, a merenda mais nutricional que essa criança recebe é dentro da escola. Então, nós fizemos esse aporte para que as pessoas pudessem comprar nos Armazéns da Família – atualmente, nós temos 38 na cidade de Curitiba, que vendem produtos até 30% mais baratos. Essa foi uma forma de manter nossas crianças bem alimentadas. A campanha de vacinação tem sido um sucesso. Começamos com a faixa etária dos que têm mais de 80 anos e as pessoas acamadas em casa – inclusive com a vacinação por drive-thru que foi um sucesso em vários pontos da cidade –, depois para maiores de 70 anos, em seguida maiores de 60 anos. Na sequência, foram vacinadas gestantes e crianças de até seis meses e, por fim, aqueles entre seis meses e seis anos, professores e pessoas com mais de 55 anos. Em todos os nosso veículos oficiais da Prefeitura nós divulgamos os pontos onde aconteceu a vacinação gratuita. Criamos também um atendimento psicológico pelo telefone que foi muito procurado, sobretudo, no início do isolamento social, o que foi bom para o auxílio psicológico dessas pessoas e famílias. Também fizemos um trabalho com vários parceiros, que doaram insumos. Nós remanejamos nossas impressoras 3D dos faróis do saber – que são espaços dedicados à inovação – para fazer máscaras-escudo aos profissionais de saúde. Já fizemos, também, várias entregas aos guardas municipais e aos profissionais da assistência social que atendem pessoas em situação de rua. Todos eles estão com seus equipamentos de proteção individual (EPI) em dia. E isso é fundamental. Nós também fizemos a limpeza diária dos espaços públicos – como terminais, pontos de ônibus mais movimentados e frentes de hospitais – com peróxido de hidrogênio para que a gente pudesse acabar com o vírus. Tudo isso fez com que, hoje, a cidade pudesse colher os frutos de uma curva [de contágio] não tão acentuada. E eu gosto de reforçar que o nosso principal sucesso é nossa população, que soube respeitar e fazer com que a cidade chegasse nesse patamar hoje. Claro que ainda se faz necessária alguma campanha de educação em alguns pontos, como no uso das máscaras. É fundamental o uso de máscaras por todos. 

Como estão trabalhando para reduzir os impactos econômicos na cidade?
Um dos nossos maiores desafios no futuro é priorizar a saúde mas sem descuidar da economia. Sabemos que muitos profissionais autônomos estão sem renda. É fundamental que o comércio vá retomando aos poucos, a gente sabe disso. Nós sabemos que vários segmentos precisam reabrir, como shoppings, clubes e academias. O que precisamos é tratar isso com responsabilidade. Uma coisa importante que fizemos foi a antecipação do 13º [salário] para os servidores públicos já no mês de abril. Isso também ajudou no comércio, na economia e mostrou como a prefeitura está equilibrada fiscalmente. O que fizemos também, para ajudar na economia da cidade: uma parceria com as empresas prestadoras de serviço que tiveram de parar. Houve, então, o pagamento do valor equivalente aos salários dos seus funcionários. Evitou-se, assim, o desemprego, o pagamento dos contratos no limite do pagamento dos salários dos servidores. Isso é fundamental porque mantém as pessoas empregadas, o que é um grande desafio junto do governo estadual e o governo federal. Assim, a economia não entra em colapso. Agora, com a passagem por datas como o Dia das Mães e o início do frio, conseguimos sentir como a cidade se comporta e, com o apoio técnico da saúde, fazer uma possível reabertura da cidade no momento correto. 

O governo do Paraná tem sido um parceiro eficiente?
Com certeza. O estado do Paraná tem sido muito parceiro nas ações relacionadas ao coronavírus. Todas as ações têm sido alinhadas ao governo estadual, ao governador Ratinho Junior e ao secretário [de estadual de saúde] Beto Preto. Há uma equipe qualificada nessa área como a nossa. Mas vale destacar que, não só na saúde como em várias áreas (transporte coletivo, obras e cuidado na manutenção da cidade), o governo do estado tem sido parceiro. Isso é muito bom porque o governador trata Curitiba com o respeito que sempre teve e a gente só tem a agradecer esse bom alinhamento. 

E o governo federal?
Com o governo federal nós também temos uma boa parceria, principalmente com obras de drenagem para a contenção de cheias na cidade. É um trabalho fundamental que temos desenvolvido, o que tem diminuído as cheias nos períodos de grandes chuvas. Outra questão são as obras grandes de infraestrutura que sempre têm parceria com o governo federal. Apesar disso, eu gosto de lembrar que sou um defensor do novo pacto federativo para garantir mais autonomia aos estados e municípios para que a gente não precise buscar recursos federais todas as vezes. É claro que é importante um governo federal forte, mas nós precisamos de cidades fortes porque, querendo ou não, nós vivemos na cidade. Por isso que precisamos de uma cidade com autonomia orçamentária, inclusive. 

“[…] o distanciamento social é fundamental. Quem tiver que sair de casa, que saia prevenido com sua máscara. Juntos, vamos passar por esse momento difícil.”

Existem programas sendo desenvolvidos para ajudar jovens empreendedores?
Sim. Nossa cidade tem um programa que é referência nacional: o Bom Negócio Vale do Pinhão. Desde 2018, nós formamos mais de 500 alunos capacitados para novos negócios na cidade. Isso gratuitamente, trabalhando com inovação, criatividade e aulas de empreendedorismo. Isso é fundamental para que, nesse momento de crise, os profissionais possam se reinventar e reinventar seus comércios. Quando nós assumimos a Prefeitura, formamos a Agência Fomento no Vale do Pinhão, uma incubadora de novas ideias, de inovação, que transforma Curitiba em uma cidade inteligente. Nós já fomos eleitos a capital mais inteligente do Brasil e ficamos, no ano passado, entre as 12 cidades mais inovadoras do mundo. Isso é fruto de um trabalho de planejamento. Eu acho que uma grande oportunidade que pode-se tirar dessa crise é que este é um momento de as empresas, a prefeitura e o setor público entrarem, definitivamente, no mundo digital. Seja nas reuniões por videoconferência, no alvará digital, no 156 digital que já implementamos ou em tudo o que possa trazer facilidade para a população. E eu gosto de destacar, também, que nós fizemos esse curso de empreendedorismo desde 2018 em um programa destinado às mulheres. Houve workshops e palestras, em um trabalho muito bom de inovação e autoconhecimento para a gestão estratégica dessas profissionais em todas as 10 regionais da cidade. 

Existe isenção ou suspensão de impostos municipais no momento?
Curitiba não pode ser um gerador de crédito, nós não temos recursos para emprestar, como acontece no banco de fomento do estado ou no governo federal por meio da Caixa Econômica ou do BNDES. Nós, preocupados com a retomada e o problema financeiro. O que pudemos fazer, de imediato, foi um trabalho de postergação das parcelas do Refis [programas de parcelamentos especiais] para quem tem e a prorrogação, em 90 dias, do pagamento do ISS para micro e pequenos empresários e para profissionais autônomos. Essa medida poderá, quem sabe, ser estendida por mais três meses. Esse trabalho foi desenvolvido por meio de nossa secretaria de finanças e isso ajuda o pequeno e microempresário no momento. 

Como está a estimativa do PIB de Curitiba?
Hoje nós temos uma perda de arrecadação considerável. Em abril, tivemos uma perda significativa não só no ISS e no IPTU mas também no repasse do ICMS do estado, uma das maiores receitas que a prefeitura tem. E isso é natural já que o estado também tem sofrido com um problema econômico, bem como o governo federal. Nós ainda não conseguimos fazer uma previsão anual de como será, mas estamos trabalhando para isso. O Brasil fez uma perspectiva de queda de 4,7% no PIB para 2020. Por isso que, como eu disse, nós queremos, na medida do possível, que a cidade possa voltar a funcionar dentro dos parâmetros da vigilância sanitária e da OMS de forma que a economia seja retomada. É fundamental que não esqueçamos da nossa prioridade, que é a saúde, mas também lembremos da economia, que é o que gira a nossa cidade. 

(Foto: Divulgação/Prefeitura de Curitiba).

Quais são os projetos para um cenário pós-pandemia?
Eu tenho certeza que o mundo não será mais o mesmo após a pandemia do coronavírus. As formas de se relacionar, o poder público com o setor privado… será, sem dúvidas, um novo momento. Acredito que o principal projeto após a pandemia será a elaboração de um plano nacional de recuperação da economia, com incentivo a criação de emprego e renda. É o momento do setor público, do grande e do pequeno empregador se reinventarem já no mundo digital assim como fizeram as empresas de delivery em poucos dias, bem como as empresas de comunicação. É fundamental, agora, que o mundo pós-pandemia dê muito valor a isso.

O que te inspira?
Eu sou um homem de muita fé. Tenho certeza de que esse momento difícil passará logo. O povo brasileiro tem sido solidário e eu estou impressionado com a cidade de Curitiba. Nós sempre fomos uma cidade solidária, mas a população tem doado bastante. Nós temos recebido, permanentemente, doações do mais alto empresário que entrega uma cesta básica até a pessoa mais simples que consegue doar uma máscara artesanal. A gente, dessa forma, tem certeza de que a população é boa e de que, juntos, vamos passar por esse momento difícil. Unidos enquanto cidade, estado e país, temos certeza de que iremos passar por isso o mais rápido possível. 

Como tem enfrentado a pandemia?
Eu tenho enfrentado a pandemia como todas as pessoas. O meu dever de cidadão é o mesmo de todos: seguir o distanciamento social e sempre usar máscara e álcool em gel, deixando-o no bolso. Eu tenho trabalhado diariamente. O cargo de vice-prefeito – assim como o de prefeito – é um cargo eletivo, então ele é considerado essencial. Nós precisamos trabalhar e não parar. Sim, diminuímos o contato e as agendas nos bairros e as reuniões são, sempre que possível, por videoconferência. Então, esse trabalho tem sido feito diariamente. Nós temos muitas reuniões todos os dias e as decisões também são diárias, porque estamos passando por um momento novo da nossa geração e isso não acontecia há muitos anos. Por isso que nós precisamos estar presentes na prefeitura, dando atenção. Eu continuo indo todos os dias para lá, respeitando o distanciamento e com revezamento em meu gabinete. Permaneço em contato com os empresários da cidade, as comunidades e igrejas, com as associações de bairro que têm feito um trabalho de doação e atendimento ao próximo. Isso tem me deixado com muita alegria. Em casa, o meu desafio é muito grande também, já que tenho minha esposa e três filhos: um de sete anos, um de três anos e outro de dois. É preciso ter o devido cuidado com eles, então, caso tenhamos que sair, todos estão de máscara. Mas as crianças seguem com estudo a distância até que as aulas possam retornar. E eu reforço: o distanciamento social é fundamental. Quem tiver que sair de casa, que saia prevenido com sua máscara. Juntos, vamos passar por esse momento difícil.

*Coluna originalmente publicada na edição #236 da revista TOPVIEW.

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