Carne tem nome?
Até pouco tempo atrás não tinha, mas hoje eu digo que tem. E isso tudo se deve à força do marketing. Essa história começa mais ou menos assim: a carne sempre foi considerada uma commodity — um produto de qualidade e características uniformes. Um produto é considerado uma commodity quando é oferecido em grande quantidade, em escala mundial, obedecendo a padrões que determinam seu preço. É um produto sem marca, portanto, não diferenciado, e seu produtor não consegue interferir no preço de venda. Como a carne, por exemplo, que é sempre negociada por arroba.
Eis que, em um certo momento, a rivalidade entre os produtores de certas raças mudou mundialmente esse jogo. Os americanos criadores da raça Angus teimavam com seus concorrentes que sua carne era de qualidade e sabor superiores às demais raças e, para chancelar essa supremacia, decidiram, entre eles, criar um selo do gado Angus. “Já que nosso gado é mais macio e mais saboroso, deve ser diferenciado dos demais quando for exposto nas gôndolas do mercado”, deve ter dito um deles, enquanto ajeitava seu chapéu de cowboy e arrumava sua camisa xadrez para debaixo do cinto de fivela, na reunião de associação de produtores Angus. Os demais devem ter aplaudido, enquanto mexiam em seus bigodes e, assim, a decisão foi tomada.
“(…) a carne migrou de categoria e passou a ser vista como item personalizado, símbolo da força do marketing (…)”
Dos supermercados norte-americanos, essa decisão ganhou as ruas e chamou a atenção da fabricante de hambúrgueres McDonalds, que viu a chance de criar uma linha de sanduíches com valor mais elevado, por carregar o selo Angus. Como grande produtor de carne vermelha que é, o Brasil rapidamente adotou a estratégia e nós, como consumidores, passamos a ver nos mercados embalagens diferenciadas, estampadas em dourado e com dizeres como “premium” e “gourmet”. Não apenas o McDonalds Brasil lucrou com isso como puxou junto uma nova bolha de mercado: as hamburguerias gourmets. A carne nunca mais seria a mesma.
Acontece que o marketing nunca olha só para um segmento de mercado. Ao passo que muita gente mirava o consumidor de luxo com a matéria-prima de valor diferenciado, uma turma muito inteligente percebeu que o brasileiro continuava precisando comer seu bife no almoço do dia a dia sem que ele também se tornasse gourmetizado. Foi assim que a Friboi, em um trabalho capitaneado pela agência Lew Lara/TBWA, trouxe a imagem do familiar e amigável ator Tony Ramos para frente das telas de todo o Brasil para anunciar o slogan — que virou até meme: “carne confiável tem nome.”
Márcio Oliveira, presidente da agência, traduziu bem a estratégia. “Carne tem que ter marca. Um dia, também compramos arroz pegando com o copo, hoje, compramos Tio João.” Seja na versão premium ou na popular, o fato é que a carne migrou de categoria e passou a ser vista como item personalizado, símbolo da força do marketing, que consegue transformar necessidades em desejos e commodities em marcas.
*Matéria originalmente publicada na edição #233 da revista TOPVIEW.