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Carlos Eduardo Zimmermann, o artista que encantou Curitiba

Um dos seus maiores nomes das artes plásticas do país, Carlos Eduardo Zimmermann morreu aos 66 anos em plena produção e marcante generosidade

Curitiba perdeu um dos seus maiores nomes das artes plásticas com a morte de Carlos Eduardo Zimmermann na última segunda-feira (4). O artista morreu aos 66 anos, vítima de um traumatismo craniano, após sofrer uma queda em sua casa, nas proximidades do Parque Barigui.

Zimmermann iniciou a carreira no fim dos anos 1960 e se destacou nacionalmente em meados da década seguinte. Junto com Bia Wouk, Rones Dumke, Ruben Esmanhotto e outros, fez a “geração 70” — uma leva de artistas que injetou uma visão mais “internacional” na arte paranaense, até então mais inspirada por um modernismo mais tradicional, na leitura de Geraldo Leão.

“Eles eram os artistas jovens mais importantes do período — a geração anterior à minha. E foram muito importantes para a gente, porque trouxeram uma pegada pop, mais internacionalizada em termos da discussão que estava rolando no mundo inteiro na época”, diz o artista, que também é professor da Universidade Federal do Paraná.

Leia depoimentos de personalidades que acompanharam a trajetória pessoal e a carreira profissional de Carlos Eduardo Zimmermann.

“Envelope”, obra de 1976 de Zimmermann.

As pinturas mais famosas de Zimmermann, que retratam apenas embrulhos, dobraduras, cortinas e envelopes misteriosos com um detalhismo virtuoso, são bons exemplos dessa forma diferente de pensar — como “se a visão não desse conta da realidade” e “o acesso aos conteúdos não fosse mais possível”, analisa Leão, avisando que a explicação para por aqui: “Não quero ser pedante, porque o Zimmermann não era”, brinca.

Nova fase

Também seria uma injustiça com o artista passar a impressão de que estamos falando sobre uma obra do passado. Zimmermann continuava produzindo — e vendendo — muito, conforme lembra sua marchand, a galerista Zilda Fraletti. Depois de experimentar diferentes fases ao longo da carreira, passando pelo surrealismo e minimalismo em pinturas, gravuras e esculturas, o artista havia se lançado recentemente no que chamava de “geometria da cor”. Trata-se de uma série de quadros com retângulos coloridos que passam a impressão de ter luz própria — “mesmo de luz apagada”, conforme explicou Zimmermann ao colunista social Reinaldo Bessa, da Gazeta do Povo, em uma de suas últimas entrevistas. Disse que estava satisfeito, e que aquilo era a germinação de uma nova fase.

“Ele estava muito feliz, dizendo que achava que tinha encontrado a linguagem que queria. Mandava notícias toda hora, dizendo que estava fazendo obras novas, e que logo teria novidades”, conta Zilda.

Carlos Eduardo Zimmermann, Zilda Fraletti e Francisco Faria. (Foto: Valterci Santos)
Carlos Eduardo Zimmermann, Zilda Fraletti e Francisco Faria. (Foto: Valterci Santos)

A mesma impressão ficou para o arquiteto Jayme Bernardo, que esteve com o artista na sexta-feira anterior à sua morte. “Ele me mostrou toda a fase nova, feliz da vida”, conta.

“O Zimmermann tinha muito cuidado com essa coisa de o artista fazer sucesso e seguir uma mesma linha sempre. Ele não se tornou um artista comercial: só fazia o que era profundamente dele mesmo”, explica Bernardo. “Ele tinha encontrado, agora, um segmento que o tinha deixado muito feliz. Essas foram palavras dele na sexta-feira. Ele tinha encontrado novamente o que queria na arte.”

"Cortina com Nuvens" (2018).
“Cortina com Nuvens” (2018).

Origens

Zimmermann nasceu em Antonina, no Litoral do Paraná, em 1952. Foi o segundo filho do engenheiro Carlos João Zimmermann, 91, e da professora Ludi Azim Zimmermann, já falecida.

A mãe acabaria influenciando sua trajetória artística. Ludi era professora do Centro Juvenil de Artes Plásticas, criado em 1953 e dirigido por Guido Viaro. O artista teve aulas lá e cursou desenho e pintura com o próprio Viaro, entre 1967 e 1969. “Fui criado num ambiente ligado às artes, e isso me despertou o interesse”, contou o artista à Folha de Londrina, em 2000.

"Embrulho Ferrugem" (2010).
“Embrulho Ferrugem” (2010).

Em meio a prêmios, exposições e participações na Bienal de São Paulo em 1973 e 1975, Zimmermann ainda chegou a concluir a faculdade de Medicina, em 1976, mas não levou a profissão adiante. Já em 1978, uma disputada bolsa de estudos que ganhou do governo inglês para fazer uma pós-graduação em Desenho e Pintura no Royal College of Art, de Londres, acabaria selando de vez sua escolha por se dedicar integralmente à arte.

Zimmermann permaneceu em Curitiba durante toda a carreira, embora tivesse abertura para o mercado em centros maiores do país.

Bia Wouk, que deixou o Brasil já em 1976 e passou décadas vivendo no exterior, diz considerar a obra do amigo “mais universal do que isso”, mas lembra que Zimmermann gostava de Curitiba e “se sentia bem” na cidade. “Acho que foi um pouco escolha dele”, diz, por telefone. “Ele fez a carreira aí, tornou-se respeitado. Na segunda metade do século 20, é um dos mais respeitados do Paraná, com certeza.”

Generosidade

Bia, que começou a expor junto com Zimmermann em 1972 (suas primeiras individuais saíram juntas na Galeria de Arte do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, por indicação de Aroldo Murá), lembra que o amigo também acabou se tornando uma espécie de mentor para artistas mais jovens. Era um artista generoso neste sentido, conforme contam amigos como Zilda Fraletti, o arquiteto Jayme Bernardo e a fotógrafa Vilma Slomp.

“No dia do velório dele, o papo era esse. Todos os times de artistas estavam lá, desde quem tem trabalhos nos museus até, por exemplo, Hélio Leites, da Feirinha [do Largo da Ordem]”, conta Vilma. “Ele não ia no salto alto e não dividia os amigos. Era nobre nas relações humanas”, diz.

Geraldo Leão tem uma história que ajuda a ilustrar esse traço. O artista lembra que sua primeira individual aconteceu graças a uma indicação de Zimmermann, em 1984, quando eles sequer se conheciam. “Ele acompanhava de alguma forma o meu trabalho. Isso mostra, de certa forma, a generosidade dele: olhar para uma pessoa muito jovem, iniciante, que ele não conhecia pessoalmente, e bancar”, conta. “Não foi um caso isolado. Ele foi sempre generoso, disponível e receptivo para abrir caminhos para as pessoas a vida inteira. Ele abria o ateliê para estudantes. Parava de trabalhar e recebia os alunos para falar com eles”, diz.

"Série equilíbrio" (2017).
“Série equilíbrio” (2017).

A casa e ateliê onde vivia sozinho há mais de 30 anos, por sinal, era um refúgio para Zimmermann, lembra seu sobrinho mais velho, o diplomata Carlos Henrique Zimmermann, 41. Apesar de presente na cena artística e zeloso nas relações familiares, o artista se tornou mais introspectivo e até recluso conforme foi amadurecendo, e passou a receber mais do que sair.

“O sofá à lareira era um confessionário de amigos e familiares. Ele era um ótimo ouvinte”, lembra Carlos Henrique. “A casa era um mundo. Tinha o jardim, que ele vivia mudando. Teve cachorros e gatos. Ele foi ficando cada mais apegado e descansou em paz ali.”

Encantamento

Jayme Bernardo, uma das pessoas mais próximas de Zimmermann nos últimos anos, conta que o amigo, de fato, andava evitando multidões, mas ressalta a capacidade que ele tinha de encantar as pessoas. “Ele tinha essa coisa de conquistar muito facilmente, porque era muito inteligente, muito rápido nas respostas. Ele criava um encantamento nas pessoas muito rapidamente”, lembra.

Outro amigo de longa data, o reitor da Universidade Tuiuti do Paraná, Luiz Guilherme Rangel Santos, diz que uma das palavras mais certeiras para descrever Zimmermann veio do também artista plástico Rones Dumke, que falou em “nobreza” ao se despedir do colega.

“Ele transmitia uma nobreza de caráter na sua forma de ser, nas suas atitudes, nos mínimos gestos”, esclarece Dumke.

Bia Wouk ajuda a explicar para quem não teve a sorte de conhecê-lo. “Era uma elegância de alma”, diz. “Uma coisa que não existe mais.”

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