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Alexandre Mazza: o artista do gim

Depois de 18 anos na música e de uma carreira meteórica na arte contemporânea, paranaense radicado no Rio de Janeiro ganha destaque com o gim artesanal Amázzoni

Ideias mirabolantes e promessas feitas sob o efeito do álcool costumam ter vida curta. As exceções dependem de quem está envolvido, como prova a história de criação do gim Amázzoni, lançado no ano passado por um grupo de amigos no Rio de Janeiro.

A ideia de criar um gim artesanal brasileiro nasceu durante um encontro de uma confraria da bebida chamada “Os Ginásticos”, que se reúne há cerca de três anos. Inspirado pelos gins artesanais que conheceu na Espanha, o artista Alexandre Mazza, 49, um de seus integrantes e colecionador da bebida, lançou a sugestão no ar e assumiu ele mesmo a tarefa.

“Comprei um alambique de vidro de cinco litros, daqueles de laboratório, e comecei a fazer as experiências mais loucas dentro da minha casa”, conta o paranaense radicado no Rio de Janeiro.

A essa altura, a empreitada já tinha sócio — o italiano Arturo Isola —, mas faltava alguém que tivesse experiência de fato com a fabricação de gim. Foi aí que entrou o mixologista argentino Tato Giovannoni. Dono do cultuado bar Florería Atlántico, em Buenos Aires, o especialista estava morando no Rio de Janeiro e já havia feito um gim na Argentina, o Príncipe de Los Apostoles, com erva-mate, pomelo rosa, hortelã e eucalipto. Giovannoni sempre se interessou pelos botânicos do Brasil (é assim que se chamam os ingredientes da bebida) e entrou no projeto. Mazza apresentou mais de 40, dos quais o argentino escolheu 13. Depois de dezenas de destilações, chegaram a uma receita final diferente de tudo o que já tinha sido feito: zimbro, louro, limão, coentro, mexerica, aroeira, cacau, castanha-do-pará, maxixe e cipó-cravo.

Do Brasil para o mundo

Em março de 2017, quando lançou o Amázzoni, a expectativa do trio era vender 5 mil garrafas até o final do ano passado. O resultado foi dez vezes maior. Hoje, a destilaria — montada pelos sócios em uma fazenda do século 18 em Porto Real (RJ) — produz 30 mil garrafas por mês e é distribuída em sete estados. Em fevereiro deste ano, a marca foi eleita a melhor produtora artesanal de gim no World Gin Awards, a “Copa do Mundo do gim”, na definição de Mazza.

“Para mim, o gim vai ser como é o vinho. Cada garrafa que você abre é diferente, devido à riqueza de botânicos que temos neste planeta. E acredito que esse movimento de produtores artesanais sérios tende a melhorar. Acho que o gim não só vai se estabilizar como vai crescer ainda durante muitos anos, não só no Brasil como em todos os países”, prevê.

O sucesso pegou carona no aumento do consumo da bebida no Brasil — para o produtor, um movimento que veio para ficar.

“A gente trabalha com empresas que fazem festas enormes, para 5 mil pessoas. No ano passado, pela primeira vez, o gim passou a vodka”, conta. “Não é uma impressão. Ele cresceu 70% de 2016 para 2017 e você pode apostar que cresceu 100% em 2018”, avalia.

Para Mazza, qualidades como o menor número de calorias na comparação com outras bebidas explicam, em parte, a popularidade do gim entre as mulheres.

As razões para investir numa marca própria passaram pela falta de bons gins artesanais com preços razoáveis para acompanhar esta demanda. Mazza compara o cenário com o mercado de cervejas artesanais, que se multiplicaram no país nos últimos anos.

“Antigamente o gim era servido em qualquer copo long drink com gelo, tônica e uma rodela de limão. Agora não: para cada gim tem uma taça; preocupa-se com qual é o botânico usado no gim, o que harmoniza com ele”, explica. “Tem todo um processo de beber gim tônica muito melhor hoje em dia. É outro movimento.”

Trajetória

A incursão de um artista pelo mundo da destilação pode surpreender, mas Mazza tem várias respostas na ponta da língua para explicar sua relação com o ofício. Com um Negroni na mão, enquanto conversava com a reportagem na charutaria Tesoros de Cuba, no Centro, ele lembrou que uma das suas primeiras ocupações quando saiu de casa foi trabalhar como barman, ainda nos anos 1980. Na época, também começava a desenvolver sua carreira musical, que durou 18 anos antes de sua migração para as artes visuais.

Mazza foi baixista da banda Squaws, uma das representantes da cena carioca dos anos 1990 que misturava rock pesado e rap (e que também deu origem ao Rappa e ao Planet Hemp). Sob a alcunha de Alexandre MZ, lançou um disco por uma grande gravadora, fez show de abertura para o Oasis e participou de programas de tevê como o “H”, de Luciano Huck. Da época, parece ainda trazer parte do estilo — junto com o filho, João, 28, seu assistente de destilação, parecia mais novo e até fora de lugar em meio às poltronas capitonês e o mobiliário cor de mogno inspirado pela Havana velha da tabacaria.

Depois de uma certa desilusão após o término da banda, Mazza conta que teve a ideia de começar a fazer obras de arte usando luz depois de ver a chama de seu isqueiro refletida entre dois espelhos durante um passeio em Paris, em 2008. “O reflexo da chama refletiu no infinito. Fiquei com o efeito na cabeça, voltei para o Rio de Janeiro e fiz uma caixinha chamada Exército de Luz. Ninguém fazia isso na época”, lembra.

O trabalho foi parar em uma conhecida galeria do Rio de Janeiro e acabou sendo vendido rapidamente. Daí para frente, sua recém-iniciada carreira de artista se tornou meteórica: em pouco tempo, Mazza estaria participando de exposições coletivas e individuais, seria indicado a prêmios e teria trabalhos em instituições importantes, como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) e o Museu de Arte do Rio (MAR) — tudo sem qualquer estudo formal na área além de seu autodidatismo aplicado. “Quando você faz arte contemporânea, não tem que ter essa coisa de ser pintor, ou desenhar muito”, explica. “O conceito é mais importante do que a [técnica]”, diz.

No momento, a obsessão se voltou para o gim. “Eu, pessoalmente, encaro como uma trajetória só”, conta. “Para mim, não é tão estranho, porque veio tudo junto. E, de certa forma, quando estou produzindo gim, sou atraído pela produção, assim como na arte e na música”, explica. “O artista produz uma coisa que, teoricamente, não era para existir. Quando estou produzindo a bebida, encaro da mesma maneira.”

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