ESTILO CULTURA

Empresas curitibanas investem em realidade virtual

A tecnologia chega ao mercado prometendo experiências tão incríveis quanto uma visita a Plutão, sem sair de casa

O jogador avançava pelo campo, cada vez mais perto da pequena área, enquanto o gandula ao meu lado o seguia com o olhar tenso, e os torcedores atrás de nós urravam na expectativa do lance final. Antes de ele ser completado, eu levantei da cadeira e olhei admirada para os funcionários ao redor, mais interessados em seus computadores. Assim foi meu primeiro jogo de futebol: controverso, afinal, eu não estava de fato no estádio, mas num edifício no Jardim Botânico, em Curitiba, testando óculos de realidade virtual.

Em suma, o fim das barreiras geográficas. Essa é a expectativa que a realidade virtual, tecnologia de imersão em 360º, coloca: sem sair de casa, você pode assistir a um show de Paul McCartney da primeira fileira, a poucos metros do ex-Beatles, como se estivesse lá. A presença é virtual, mas a experiência é real o suficiente para que Google, YouTube, Sony e outros gigantes somem bilhões de dólares em investimentos – dois bilhões, no caso do Facebook, para a aquisição da Oculus VR, que fabrica óculos para o nicho.

Os valores desembolsados, as novidades diárias e a chegada ao mercado consumidor fazem deste o ano da RV e indicam que esta não é apenas uma moda. Para o criador do FB, Mark Zuckerberg, é o futuro das redes sociais, e ele já deu uma amostra: dois usuários se encontraram, por meio de avatares (representação virtual do internauta), em Londres, e até tiraram uma selfie juntos.

Mas a tecnologia é valiosa para inúmeras áreas. Assim como o show de Paul McCartney, um tour de asa delta pelo Rio de Janeiro pode ser filmado em 360º e assistido com óculos especiais, que exibem a imagem em 3D, sincronizando-a aos movimentos do usuário: vire a cabeça para a direita e veja o Cristo Redentor; olhe para baixo e encontre o Parque da Tijuca.

Também é possível praticar procedimentos cirúrgicos sem impor risco a pacientes, conhecer os novos aviões da Etihad Airways ao lado de Nicole Kidman, visitar o imóvel que se pretende comprar, fazer um tour por um museu londrino ou experienciar Mariana (MG) após a tragédia ambiental. Na verdade, tudo isso já foi feito. Turismo, publicidade, medicina, jornalismo, educação, entretenimento, indústria petroleira e mercado imobiliário e outros campos já vivem a realidade virtual.

A interface vem sendo estudada desde os anos 1960 e teve nos simuladores de voo militares um de seus primeiros usos. Somente agora, no entanto, tecnologias interligadas (softwares, processadores, sensores de movimento, etc.) estão suficientemente desenvolvidas para ampliar o acesso.

Os modelos top de linha, como Oculus Rift e Samsung Gear VR, ainda custam, respectivamente, US$ 599 e US$ 799 
(com acessórios de áudio e sensores que potencializam as experiências), e requerem um computador poderoso. Mas há versões mais simples e a preços acessíveis, como o Google Cardboard (US$ 15, feito de papelão) ou os curitibanos Loox VR (R$ 129) e Beenoculus (R$ 159), que operam com um smartphone. Câmeras, aparelhos de videogame e plataformas de compartilhamento de conteúdo completam a parafernália para tornar virtual o real – ou real o virtual.

 Impacto histórico

Como desenvolver, capturar e exibir conteúdo em RV? Esse ponto de interrogação paira no QG da Beenoculus, mesmo que a empresa curitibana tenha criado um óculos competitivo a nível internacional. Como outras companhias no mundo, a curitibana tem muito o que explorar no terreno da realidade virtual, e muitas vezes do zero.

A transmissão ao vivo de partidas de futebol, em óculos customizados para torcedores do Palmeiras, é um caso. O verdadeiro interesse da empresa, no entanto, é educação. Ao contrário dos e-books e tablets, que prometiam “revolucionar” mas não vingaram no setor, o sócio José Terrabuio Jr. acredita que a nova tecnologia vai impactar a área de fato. “Você tem um material lúdico, visual, de fácil uso e com uma linguagem intuitiva para o professor”, explica sobre os atrativos da ferramenta, que também começa a ser explorada pelo Grupo Positivo.

Como exemplo, Júnior ofereceu à reportagem um tour pelo sistema auditivo humano e lembrou o potencial da RV para a formação técnica, visto que a imersão fornece conhecimento a partir de uma experiência direta, não da descrição dessa experiência. A CPFL, companhia nacional do setor elétrico, já a utiliza para treinar funcionários, que são colocados num ambiente 3D fiel ao que encontram no trabalho, com o objetivo de aumentar a segurança e melhorar a performance.

Marcelo Zuffo, coordenador de projetos de pesquisa em realidade virtual na Universidade de São Paulo (USP), confirma ser a educação a grande promessa da RV: “Ela pode ampliar as possibilidades de entendimento de fenômenos complexos, narrativas, modelos abstratos, mantendo a atenção do aprendiz a partir dos recursos da imersão”, justifica. Outro projeto em curso é o Expeditions, do Google, que oferece tours a “lugares a que ônibus escolares não podem ir”, como as pirâmides no Egito ou o Polo Norte, com orientação dos professores.

Igualmente “no escuro”, a Beenoculus gravou um documentário do cineasta Tadeu Jungle sobre o rompimento da barragem que deixou 19 mortos em Mariana (MG). A diferença é que, agora, o espectador não assiste à cena – ele está na cena. “A história de Mariana foi amortecida, já vimos muitas fotos, vídeos, textos, explicações, mas quase ninguém foi lá, visitar o local. Com o documentário em RV, essa possibilidade é apresentada”, disse Jungle à Top View.

Para o paulistano, que esteve em Curitiba, na galeria Diretriz Arte Contemporânea, falando sobre a tecnologia, ao mesmo tempo em que se abre uma nova possibilidade de narrativa, surge o desafio de reaprender a produzir um audiovisual: a equipe tem que se esconder da câmera, que filma em 360º; cortes de cenas e movimentos têm que ser feitos com cuidado, ou podem causar enjoo em quem assiste; enquadramento, luz, som e edição têm que ser repensados; e, mais importante, o espectador escolhe para onde quer olhar. “Pela primeira vez você tem que repensar a forma de contar histórias como se vem fazendo há mais de cem anos”, resume o artista multimídia. “Eu estou aprendendo, o mundo está aprendendo.” Festivais de peso, como Cannes, Sundance e Tribeca, destacaram produções semelhantes em suas últimas edições.

Assim como Jungle, meios de comunicação vêm explorando esse novo jeito de contar histórias, sobretudo o potencial da RV de gerar empatia, ao colocar o espectador no lugar do outro. New  York  Times, Folha de S. Paulo, El País, TV Globo, The Economist e Vice, entre muitos outros, colocaram os espectadores frente a frente com crianças refugiadas, na pele de um preso confinado a uma cela solitária, em uma Fukushima ainda devastada ou numa Síria em guerra. “Você pode pegar qualquer pessoa, de qualquer lugar, e transportá-la para dentro de momentos, experiências e histórias”, diz Chris Milk, norte-americano fundador de uma das principais companhias de produção de conteúdo em RV. Eventos tão distantes do público, com os quais pode ser difícil se relacionar, ou que acabam virando apenas números, ganham novo peso para o espectador, segundo se tem argumentado.

Um território inexplorado traz expectativas, mas também dúvidas. Nesse primeiro momento, em que os milagres são exaltados, problemas já aparecem: cada óculos aceita determinados modelos de smartphone; ainda há pouco conteúdo para ser acessado, e a qualidade de alguns deixa a desejar; muitos usuários reclamam de enjoo e não se sabe por até quanto tempo é saudável utilizar o produto (algumas empresas falam em períodos intercalados de trinta minutos, outras, de cinco).

Nada disso, entretanto, ofusca as possibilidades que a tecnologia coloca. É difícil não se contagiar com o entusiasmo de quem trabalha com RV. É difícil não se entusiasmar após testá-la. É igualmente difícil escrever sobre um tema que avança tão rapidamente, com novos usos, empresas investindo e produtos lançados todos os dias (literalmente). Vale lembrar que o principal não é a interface em si, mas o que fazemos com ela.

1 comentário em “Empresas curitibanas investem em realidade virtual”

  1. Olá, apenas como sugestão, corrigir o valor do Samsung Gear VR para R$ 799,00 e o valor do Loox VR para R$ 99,00 (valores atualizados nos respectivos sites das empresas)

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