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Maria Cecilia de Leão Rosenmann: uma fazendeira ligada na vida

Aos 70, depois de empreender durante décadas no comércio e na indústria, a empresária percorre mil quilômetros por mês para comandar suas fazendas no interior do Paraná.

Maria Cecilia de Leão Rosenmann teve uma carreira movimentada nos negócios desde o final da década de 1960. Descendente de uma das mais tradicionais famílias ervateiras do Paraná, a empresária curitibana tocou uma rede de joalherias ao lado do primeiro marido por mais de duas décadas, foi dona de uma fábrica de bonecas, de uma confecção infantil e de uma empresa de cursos profissionalizantes. No meio disso tudo, criou a associação Business Professional Women (BPW) de Curitiba, em 1984, e ajudou a fundar a Associação Alírio Pfiffer de Apoio ao Transplante de Medula Óssea (Instituto TMO), em 1988.

Nos últimos 20 anos, Maria Cecilia diz que entrou numa fase mais “calma”: suas atenções se voltaram para suas duas fazendas em Londrina e Jacarezinho, no interior do Paraná, para onde vai a cada 20 dias.

Mas a vida de fazendeira está longe de ser monótona. Aos 70, ela percorre mil quilômetros por mês para acompanhar tudo de perto. “Eu jamais quis parar”, conta, durante uma entrevista no escritório que instalou às margens da piscina de sua casa, no Alto da Glória — uma das poucas residências projetadas pelo célebre engenheiro Rubens Meister em Curitiba. “Tenho 70 anos e não me sinto com 70 nunca”, comemora.

Na entrevista a seguir, Maria Cecilia conta como é a vida de fazendeira, fala sobre sua produção literária, discute o trabalho associativo à frente da BPW e do Instituto TMO e revela sua visão sobre a política.

Maria Cecília de Leão Rosenmann: “Acho que, para poder ter uma boa velhice, você não pode parar nunca. Nunca. Senão, você fica obsoleta. Eu tenho 70 anos e não me sinto com 70 nunca.”
Maria Cecília de Leão Rosenmann: “Acho que, para poder ter uma boa velhice, você não pode parar nunca. Nunca. Senão, você fica obsoleta. Eu tenho 70 anos e não me sinto com 70 nunca.”

Como você virou uma fazendeira em tempo integral?
Depois de uma vida bem movimentada — depois de 70 anos, que acabei de completar —, agora estou numa fase mais calma. Atualmente, toco essas duas fazendas, porque eu jamais conseguiria ficar sem fazer nada. Estou tocando estas fazendas há 20 anos. Eu as conciliava com todos os meus afazeres, mas agora estou mais dedicada a elas. Sempre gostei do campo, desde criança. Tenho essas fazendas desde mocinha, e elas fazem parte da minha vida.

Como é trabalhar nesse ramo?
É um trabalho bastante evolutivo, com bastante ciência e tecnologia. É bastante desafiador, porque “fazenda é fazendo”. A gente trabalha todos os dias, sem parada. Quem lida com terra não para nunca. Você depende da semeadura, do crescimento das estações, dos índices pluviométricos, da tecnologia da informação. Tem que estar sempre antenado, e isso é uma coisa importante para quem não quer parar.

Isso inclui calçar as botas e colocar o pé no barro?
O fazendeiro não pode ficar parado na sua casa. Você tem que estar ali. Tem que estar presente nas exposições, ficar sabendo o que está rolando. Como eu disse, “fazenda é fazendo”. E você faz o dia inteiro, porque ela é viva. Há aquele velho ditado que diz que o olho do dono é que engorda o boi. É mais ou menos assim. Você tem que estar presente, por perto. Eu fico lá, ando de caminhonete, pego o cavalo, vou ver a terra. Você não pode ficar só andando pela sede. Você tem que entrar no batente, participar.

“Acho que a inspiração dos livros vem da riqueza do seu cotidiano, do que você faz, do que vê, do que vive. Senão, como você vai se inspirar?

Este era o tipo de trabalho que você queria a esta altura?
Eu jamais quis parar. Não me vejo como uma pessoa parada, só lendo livros em casa ou mesmo escrevendo poesias. Eu gosto bastante de escrever, gosto muito de ler. Já escrevi três livros — dois de poesia [Traço, de 1991, e Assim, de 1997] e um romance [Mabi: Manual de um Amor Impossível, de 2004]. Vou lançar outro livro agora na minha maturidade — acredito que para o ano que vem. Mas isso, só, não basta. Acho que a inspiração dos livros vem da riqueza do seu cotidiano, do que você faz, do que vê, do que vive. Senão, como você vai se inspirar?

“Lidando com a terra, você não envelhece, porque a terra é cíclica. Você está sempre produzindo, criando, inventando, inovando.”

O cotidiano agitado instiga?
Sim. Você aprende todos os dias. Eu sou muito curiosa. Acho que, para poder ter uma boa velhice, você não pode parar nunca. Nunca. Senão, você fica obsoleta. Eu tenho 70 anos e não me sinto com 70 nunca.

Como é ser escritora e fazendeira ao mesmo tempo?
Sou uma pessoa bem interessada pelas artes — gosto de música, teatro, pintura. Tenho bastante sensibilidade para todas essas artes. Mas também sou uma mulher da terra. Acho que a terra é um complemento da minha vida. Ela faz um amálgama que me deixa muito mais forte, me deixa melhor. E faz com que eu veja bem o humano. Lidando com a terra, você não envelhece, porque a terra é cíclica. Você está sempre produzindo, criando, inventando, inovando. E a natureza não para. Então a terra é renovadora. É uma coisa que me fascina.

Quais foram suas referências na literatura?
Eu tive quatro gurus. Ariano Suassuna, o poeta matogrossense Manoel de Barros, Helena Kolody e, do Rio Grande do Sul, nosso querido Mario Quintana. Eles foram os meus maiores incentivadores. Eu não vi melhores professores do que esses quatro. Aprendi muito também com Alice Ruiz e com Paulo Leminski, que era meu vizinho e meu amigo também. Eu gostava muito da poesia de Leminski. Fiz curso de haikai com a Alice. Tudo isso me influenciou. Eram pessoas geniais, muito inteligentes, marcantes, e que acabaram se tornando minhas amigas.

Você teve a chance de conviver com todos?
Como eu viajava muito, tinha facilidade de me encontrar com o Mario e o Ariano — ele inclusive abriu um congresso que eu fiz em Recife. Era realmente genial — prosa, verso, vocabulário, tudo do melhor. Eu ia a Porto Alegre porque tínhamos nossas joalherias, e fazia visitas à casa do Quintana. Era meu amigão. Manoel de Barros era um espetáculo — ele nunca entrou na Academia Brasileira de Letras e nem fez questão. Era um gênio. Acho que foi altamente injustiçado por nunca ter sido convidado. Eu o considero um escultor de palavras. Era uma coisa fantástica. E dona Helena Kolody era aquele doce de pessoa, que acabou ficando como minha musa inspiradora daqui, junto com Leminski e Alice — esse pessoal da cultura paranaense, que é muito bom.

Que ligação mantém com o projeto de apoio ao transplante de medula óssea?
Ainda trabalho no Instituto TMO, do qual fui fundadora. Vamos fazer 30 anos em 2018. E vamos comemorar, porque é um serviço pioneiro na América Latina, e dentro de um hospital público que só atende SUS. Depois que Karlos Rischbieter faleceu [em 2013], vieram ao meu escritório e me pediram para ser presidente. Eu disse que seria, mas só se eles me “dessem” suas filhas para trabalhar comigo, porque todo trabalho tem que ter uma continuidade. Esse trabalho é extremamente complexo, de grande doação. Não é dinheiro — você tem que despender o seu tempo. Eles convenceram suas filhas, e aí é que eu consegui fazer essa sucessão, com Cristiane Mocellin, Ana Zulmira Canet Krause, Bettina Muradás. Reuni uma nova geração, que trabalhou comigo. Agora, estou passando para elas. Quem não faz sucessão não continua seu trabalho. Ou você faz a sucessão, ou o seu trabalho morre.

“Eu não sou muito política porque sou muito brava. Não admito coisas erradas. Sou um pouco radical, não tenho muito jogo de cintura.”
“Eu não sou muito política porque sou muito brava. Não admito coisas erradas. Sou um pouco radical, não tenho muito jogo de cintura.”

É um desafio manter a continuidade de projetos como esse?
Para haver continuidade, eles precisam ser compreendidos. E você tem que ter um certo desprendimento de saber que não é eterno para as coisas. O seu conhecimento tem que ser passado para a frente. Isso a gente aprende muito no processo associativo. Comecei a viver esses processos muito cedo. Em 1984, fundei aqui a Associação de Mulheres de Negócios Profissionais de Curitiba, agora BPW (Business Professional Women). Trouxe de São Paulo para Curitiba e, daqui, para o Paraná. Depois, fui presidente da Federação Nacional e membro da internacional. O trabalho associativo é muito interessante e te leva a conhecer muita gente. Mas não é para sempre. Você tem um limite de tempo, não pode ter cadeira cativa. Você tem que fundar as coisas, empreender e delegar.

Quais eram as principais questões para as mulheres na época da criação da BPW?
Nossa associação chegou a ter 580 sócias. Sentíamos que havia uma lacuna para mulheres que estavam estudando e que queriam entrar no mercado de trabalho, mulheres que ainda não sabiam bem o que queriam e entravam para descobrir o que fazer, mulheres que já tinham filhos crescidos e não queriam ficar em casa. Tinha de tudo. Agora, já vemos a mulher muito mais definida, muito mais preparada. Mas, na minha geração, era diferente. As mulheres casavam e tinham filhos. Nem trabalhavam.

Como você fugiu deste padrão?
Aprendi a trabalhar desde cedo com o meu avô, Ivo Leão, que foi industrial do Matte Leão. Ele me levava para a fábrica. Me encantava ir para a fazenda. É uma coisa da pessoa — sempre gostei. E casei com [o joalheiro Manoel Rosenmann], que era do comércio, então logo comecei a trabalhar com ele abrindo lojas pelo Brasil inteiro. Criei meus filhos sempre assim. Não achava nada de pioneiro. Era o que me fazia feliz. Mas havia gente que me dizia que eu era louca por deixar os filhos com minha mãe ou com babás. Eu dizia que estava fazendo isso para eles também. Mas havia uma barreira, era algo do nosso tempo. As mulheres não saíam muito de casa.

Pensou em entrar na política?
Se eu fosse mais jovem, entraria. Já me convidaram mil vezes. Mas eu tinha filho pequeno, tinha indústria e comércio, estava sempre trabalhando muito. E a política, na verdade, nunca me encantou. O que me encantou mais foi o processo associativo, ver florescer o trabalho. Eu não sou muito política porque sou muito brava. Não admito coisas erradas. Sou um pouco radical, não tenho muito jogo de cintura. Não sei se me daria bem na política por isso. Mas sei bem o que eu quero para o país.

O que é?
Eu não comungo com a esquerda, porque já está provado que não dá certo. Sou de centro. Acho que tem que haver uma distribuição de renda e uma política econômica justa. As leis trabalhistas têm que melhorar. Não sou a favor de protecionismo. Acho que o governo não tem de fazer tudo, mas que tem de haver política de educação e saúde — o Estado de bem-estar social tem que existir. Mas, ou acaba a roubalheira, ou não vai adiantar nada. Houve uma sangria no país ao longo destes anos. Não havendo impunidade, tende a melhorar. Infelizmente, foi preciso cortar na carne. O país está sangrando, mas vai cicatrizar.

Fora a literatura, as empresas e as fazendas, a que outros interesses se dedica?
Gosto muito de viajar. Como gosto muito de cultura e de culturas de outros países, acho que viagem é uma coisa altamente enriquecedora. Antes de viajar para qualquer lugar que seja — mesmo que pela segunda ou terceira vez —, acho que você deve procurar se informar, porque o mundo está sempre em evolução e sempre tem coisas novas. Não adianta dizer: “Já fui 30 vezes para Paris”. Não interessa. Paris não fica parada. Ou: “Já fui 20 vezes a Nova York”. Não interessa. Você não vai lá só para fazer compras. Você vai para ver como essas cidades se mexem, como essas cidades se desenvolveram.

Que tipo de destino você costuma escolher?
Sempre viajei para lugares muito interessantes a vida inteira. Imagine que, em 1970, já fui para a África. Fiz a Europa desde criança, várias vezes. Fiz a Ásia inteira, a Oceania. Fiz tudo. A bem dizer, viajei muito e ainda sou uma exploradora. Gosto de lugares diferentes. Não sou daquelas que gostam só de cidades cosmopolitas como Paris e Londres. Eu sou de ir para lugares interessantes, onde tem história. Gostei muito da Índia, da China, do Japão. Me encanta tudo o que é bom, mas também me encanta conhecer as civilizações, tudo o que aconteceu antes. Gosto de ir a lugares diferentes. Fiz a Capadócia há 30 anos, quando ninguém fazia, fiz a África quando ninguém fazia.

Que estilo de vida você procura levar, aos 70?
Tenho um lifestyle simples, mas bem regrado. Acordo cedo — durmo de seis a sete horas. Faço ginástica todos os dias com uma personal. Faço alongamento, pilates. Não sou de fazer dietas, mas me alimento de forma saudável. Tenho um sentido de família bem arraigado e minha vida é bem familiar, mas também tenho muitos amigos. Gosto de jogar baralho, nadar, andar a cavalo, de esportes. Sou uma pessoa aberta, bem tranquila. Gosto de cultura, de música, de teatro. Minha vida é bem cheia, porque sou uma pessoa fácil, que não tem restrições. Para mim, tendo uma boa comida, uma boa leitura e uma boa rede, está ótimo. Não sou ligada em marca de carro ou de coisa alguma. Sou ligada na vida. E só.

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