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Francisco Urban: o “comandante” do Bar do Victor

Há quase 20 anos no grupo, empresário fala sobre a adaptação às mudanças do mercado e avalia que o setor não comporta mais investimentos grandes

Francisco Urban mudou os rumos do Bar do Victor. Isso foi no fim dos anos 1990, quando entrou no já tradicional restaurante fundado por Victor Schiochet em 1969. Tendo como ponto de partida a sólida reputação que seu então sogro já havia construído – desde que assumiu seu primeiro bar no São Lourenço, em 1955 –, Urban levou a empresa familiar da marca dos 90 mil clientes por ano para os cerca de 330 mil que são atendidos nas “embarcações” do grupo hoje.

A analogia é cara ao restauranteur — mais conhecido no meio como Chico. Apaixonado pelo mar, ele gosta de se ver como um “comandante” à frente de cada navio. Hoje, são quatro: o Bar do Victor do São Lourenço, a Petiscaria do Victor em Santa Felicidade, o Bistrô do Victor no ParkShoppingBarigüi e o Bar do Victor da Praça Espanha.

Há tempestades pelo caminho, como ele gosta de observar. Os últimos anos foram desafiadores. Segundo Urban, o ramo sofreu uma perda na margem de lucro devido a fatores como alta de preços e mudanças no perfil da concorrência. Houve ainda a necessidade de reformular um negócio que não deu certo: a Trattoria do Victor, proposta que combinava frutos do mar e comida italiana lançada em 2013.

Foi ali, no hoje Bar do Victor da Praça da Espanha, que Urban falou com a reportagem sobre sua visão sobre o setor, ideias para novos negócios e o futuro da marca. Leia os principais trechos:

Você já está há quase 20 anos no mercado de gastronomia. Qual a diferença de hoje para quando começou?

O mercado de gastronomia e alimentação vem tendo muitas aberturas, possibilidades e modelos novos. Hoje, você acaba competindo não só com restaurantes, mas com bares e modelos de negócios mais compactos. Isso exige que a gente se adapte bastante e seja ágil no nosso alinhamento, planejamento e estratégia.

Mover uma “embarcação” do tamanho do Grupo Victor é mais difícil?

Bem mais difícil. Eu mesmo passei por um momento, há dois ou três anos, em que não conseguia me planejar direito para ajustar tudo o que tinha que ser ajustado no grupo. Aí vem a máxima de Charles Darwin: você tem que se adaptar.

Qual foi a principal medida que implantaram?

A gente acabou criando algo que, no começo, foi meio que um susto para nós: o que a gente chama hoje de “Ilhas do Mar”, que é o nosso buffet por quilo. No começo, as pessoas pensaram: “Pô, mas o Bar do Victor servindo buffet por quilo?”. Parece uma heresia. Mas o formato que a gente criou — com porções pequenas, sendo feitas com a mesma receita do nosso à la carte, sempre trocando —, a velocidade que isso dá para o nosso cliente, a variedade e a qualidade dos nossos produtos, de uma forma geral, fizeram nossas Ilhas do Mar um case de sucesso também. Esse produto trouxe uma nova energia. E a gente estava precisando. Isso tem a ver com essa questão de agilidade e adaptação. A gente foi atrás de uma necessidade do nosso público.

Na época em que precisaram desistir do conceito da Trattoria, você demonstrou pessimismo quanto a investir nesse setor. Qual é a sua visão hoje?

Foi um grande desafio para nós. Ainda acho que é um setor para se investir de forma muito bem pensada. Ele não comporta mais grandes investimentos. Um investimento do tamanho que eu fiz aqui é totalmente fora da realidade hoje. Você não consegue recuperar o quanto investiu, nem o seu tempo. São pouquíssimos cases que dariam certo assim.

Que modelo de negócio vale a pena hoje?

Algo bem mais compacto, mais enxuto, com baixo investimento, produtos com um custo menor e que você consiga vender mais caro. Tem que alinhar bem a sua proposta de comida, bebida, serviço e região da cidade em que está inserido. Se você pensar bem em tudo isso, o ramo é muito interessante sim. Mas para ir para algo maior, mais sofisticado, eu acho que a pessoa tem que tomar dez vezes mais cuidado. Acho muito arriscado. É o simples que está ganhando terreno, e que as pessoas estão valorizando até mais.

Você tem planos para investir nesse modelo?

Vivem aparecendo oportunidades muito boas. A grande dificuldade é arranjar tempo para se dedicar a um projeto novo. Por mais que você saiba muita coisa, a energia, a quantidade de horas que você vai ter que usar para viabilizar isso e, depois, para acompanhar e garantir que a coisa ande da forma esperada é muito grande. A gente conhece as dificuldades do mercado, os pontos de maior risco. A gente prefere esperar criar um pouco mais de musculatura novamente e achar um tempo adequado para isso. Não sair já procurando um novo projeto antes de terminar esse processo de reconstrução que estamos vivendo hoje.

Sua entrada no Bar do Victor marcou o início de um período de expansão da empresa. Isso vem de uma característica sua como empresário?

Na maioria das vezes eu não fui atrás da expansão. As pessoas vieram até mim e me ofereceram possibilidades. E eu acabei viabilizando muitas dessas oportunidades. Algumas deram certo, outras não, mas é algo que faz parte de mim, sim. Eu gosto dessa coisa da gestão, do planejamento, faz parte da minha formação como um todo [Urban é engenheiro civil].

Qual é a sua percepção sobre empreender durante a crise?

Acho que meu papel como gerador de riquezas é muito importante. Para um país dar certo, ele precisa ter muita gente gerando riquezas para as riquezas serem distribuídas. Não é através de imposto que você vai conseguir fazer o país evoluir. Você tem que ter mais gente empreendendo, mais gente tendo o sonho grande de fazer a diferença, de criar modelos novos. E um dos maiores casos está com a gente, que é o Junior Durski. É um case para o Brasil inteiro pensar, refletir no esforço que ele faz para conseguir gerar toda essa riqueza, todos esses empregos que vêm junto.

Você sonha grande?

Já sonhei muito maior. Hoje me considero muito mais gestor daquilo que eu já tenho do que um sonhador. Mas eu imagino que, em algum momento, eu vou achar um produto. Venho pensando nisso em paralelo, em conversas que seguem uma certa rotina e um certo fluxo de raciocínio, mas que não estão usando o tempo que preciso para me dedicar às embarcações. Mas, se eu for para algo novo, vou testar muito antes, vou modelar muito melhor. Vou fazer algo com muito mais chances de acerto do que eu já fiz até hoje. E aí vem o baixo investimento de que estamos falando. Porque o dinheiro cobra a conta da gente mesmo.

“É o simples que está ganhando terreno, e que as pessoas estão valorizando até mais.”

Devemos ver, em breve, um novo empreendimento seu?

Existe esse sonho. Mas não tenho meta, prazo nem norte definido para ele. É algo para, conforme for, daqui a dois, três anos. Eu estava quase assinando um contrato, agora, para um modelo bem interessante. Mas, como não estava tudo finalizado ainda, cada minuto que penso que talvez eu estivesse que estar trabalhando neste outro projeto, me dá uma sensação ruim. Eu não estou dando conta de tudo o que tenho que fazer — estou superatarefado, trabalhando uma enormidade. Como vou querer ir para outro projeto? Não, calma. Até me tira um peso das costas.

Como é a sua rotina?

Agora, meus filhos estão estudando um pouco mais longe da minha casa. Por uma questão de eficiência, estou acordando às 6 horas. Tomo banho, deixo eles na escola e já saio pronto para trabalhar — vou direto para o restaurante. Então começo às 7h30, normalmente, e vou até 19h30 de segunda a sexta. No sábado e no domingo, 100% do dia é ocupado com o restaurante.

A chef Eva dos Santos e Francisco Urban

Desligar mesmo, só em viagem?

Eu falo que, passando o portal de São José dos Pinhais, estou em outro planeta: não me liguem. No máximo, mandem uma mensagem — e mesmo assim fico mal humorado quando recebo. A regra para todo mundo é: não me procurem quando estou viajando, porque quero esquecer do mundo.

Tem conseguido cuidar das demandas pessoais?

Não estou conseguindo. Mas toda noite um pouquinho de vinho vai bem para dar aquela aliviada. Fora isso, é estar com os amigos nos momentos que pode. Mas nas demandas pessoais, mesmo, estou bem defasado. Mas é um período de ajuste, de ganhar ritmo. Sinto falta de algumas coisas. Estou tentando arranjar umas brechas. Tenho uma máquina de remo em casa e, de vez em quando, consigo colocar a tevê na frente e ficar 40 minutos remando, assistindo uma série. A única coisa que, no final de semana, tenho recuperado um pouco, é o sono. E uma coisa que faz muita falta para mim é a leitura, que gosto muito. Não consigo ler o quanto queria, até porque começo a ler e já durmo. Agora comecei a ler no telefone.

“Já sonhei muito maior. Hoje me considero muito mais gestor daquilo que eu já tenho do que um sonhador.”

O que está no seu celular?

Gosto de tudo. Gosto muito de aventura. Meu autor predileto é o Jack London — os melhores livros da minha vida foram os dele. Gosto um pouco de biografia — agora estou lendo a do [tenista] Andre Agassi e estou gostando bastante. Tem o Moby Dick [Herman Melville], que acabei de ler há pouco tempo. Aí são coisas que remetem aos clássicos, como o [Ernest] Hemingway. É literatura com mais densidade.

Como você vê a história da marca Victor, antes mesmo da sua entrada?

O seu Victor era uma pessoa genial. Trabalhador, talvez até mais do que eu — apesar de que ele só abria para o jantar, de terça a sábado. Mas ele é que ia para o Litoral buscar a mercadoria, ele que ficava na cozinha, que limpava os peixes, que ficava na fritadeira à noite. Ele tinha uma sensibilidade muito grande. A leitura que faço é que ele pegou um diamante bruto e fez disso um potencial gigantesco.

E você?

Eu cheguei e lapidei. E fiz muita atualização dele também. Trouxe para o mundo atual. [Victor] era muito mais pé no chão. Ele não tinha essa coisa do sonhador, do grande empreendedor. O que eu acho que, para ele, foi perfeito. Porque a dificuldade que é você querer ampliar sem estar muito bem preparado é muito grande. Então, ele foi o desbravador, um bandeirante. E achou esse diamante. Agora é pegar esse diamante e manter ele brilhando. E os riscos que apareceram já estão desaparecendo.

Qual é sua relação com a cozinha?

Eu não sei cozinhar, mas sei comer bem. Todas as minhas viagens sempre começam escolhendo os restaurantes, comprando guias. Pude fazer várias viagens e trocar figurinhas com vários amigos meus que são muito exigentes e conhecem muito sobre gastronomia. Isso se somou com o know-how, a técnica e as experiências da Eva [dos Santos, chef do Bar do Victor].

A chegada dela, em 2002, foi um dos marcos do crescimento da empresa?

A Eva é de uma relevância gigante. Com a chegada dela, eu achei o caminho do que eu queria mostrar para as pessoas. Que, além de uma culinária diferente, um pouco mais sofisticada, era ter o que falar, de fato. O Bar do Victor em si já era muito conhecido e tinha seus pontos muito fortes. Mas na hora em que começamos a ter novidades bem mais ousadas para a época, ela trouxe de novo os olhares para o Victor. Ela rejuvenesceu o produto frutos do mar dentro do grupo. E isso foi fundamental para a gente. Daí é que a gente teve o boom mesmo.

Que tendências observa no mercado de gastronomia em Curitiba?

Espaços de rua, como Fresh Live Market, Ca’dore Comida Descomplicada e o Mercado Sal estão dando muito certo. Na minha opinião, eles vêm do conceito das tapas e pintxos, como dizem em San Sebastián, na Espanha. Não é só a comida, mas é o momento que a pessoa vai estar vivendo. Ela anda nas ruas e tem vários bares — em uma porta vai comer o item que mais gosta, na outra vai tomar o vinho. E, com isso, fica ali encontrando os amigos. Vira uma coisa muito comunitária e saudável, que é o que as feirinhas de ruas têm. Esses mercados estão fazendo isso de uma forma mais estruturada, estão conseguindo trazer esse momento para as pessoas.

“[Seu Victor] pegou um diamante bruto e fez disso um potencial gigantesco. Eu cheguei e lapidei. (…) E trouxe para o mundo atual.”

O que mais marcou nestes seus 20 anos de empresa?

O que mais fica de todo esse período é que cada empreendimento, de uma forma ou de outra, tem que ter a cultura do grupo. Se esse dono acredita no que está fazendo, nos valores dele, a chance de dar certo é muito maior. Algo que, para mim, marcou demais foi quando eu não cuidei dessa parte da cultura, dos valores, da própria meritocracia, ou até do respeito à marca Victor e à embarcação específica quando abri. Quando não cuidei disso direito, foram as vezes que tive mais dificuldade. Acho que isso fica como um grande fator de reflexão.

O Bar do Victor está prestes a completar 50 anos. O que espera para o futuro?

Acho que é equilíbrio. Não para mim, mas para o Grupo Victor. Encantar cada vez mais os clientes, muita atitude de toda a equipe e de tudo o que a gente criar. Gosto muito dessa coisa da necessidade de inovar. Parece clichê, mas é uma proposta muito válida ter a inovação como um dos seus princípios. Acho que o Grupo Victor ainda vai aprender a trabalhar melhor com isso. E frutos do mar, sempre.

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