FASHION MODA

Além das passarelas: a moda como leitura do tempo

Em constante diálogo com o mundo, a moda vai além do vestir, é expressão, resposta e testemunho dos acontecimentos que moldam a sociedade

Falar de moda, para mim, é falar do ritmo frenético das ruas, da roda que gira, do sol que brilha, do avião que decola e da pequena planta que brota em um vaso de apartamento. Moda, ao contrário do que se pensa (e se vê nas redes sociais), é vida, é povo, é barulho. Intensa como pode ser, ela passa rápido. Aliás, quando a gente pensa que ela é, já não é mais. Por isso, não olho para o que falam sobre o assunto, mas para o que se movimenta ao seu redor.

Dia desses, em uma das mentorias que faço, falei para uma moça que quer adentrar nesse universo para observar todos os lados. Que dê atenção ao que ninguém estiver dando importância, principalmente em uma Paris Fashion Week. Dei a ela uma lição que eu mesma aprendi cedo: o único jeito de entendermos a moda é estarmos por dentro de tudo o que acontece no mundo. Olhando para o comportamento das pessoas, para os fatos políticos, para as guerras, para os momentos religiosos, para as comidas, para o céu… enfim, tornando-se um radar, criamos nossa
própria percepção do que a moda é, como anda e por que anda deste ou daquele jeito.

“The eyes has to travel”, “Os olhos têm que viajar”, disse Diana Vreeland — e a frase é simples, mas certeira. Uma das maiores editoras de moda de todos os tempos, nasceu em Paris em 1903 e morreu em 1989. Ícone de estilo, Vreeland era observadora, como tinha que ser para ficar mais de 40 anos no front da moda. Chamavam-na de “oráculo”, “sacerdotisa da moda” e “fabricante de mitos”. Alguma coisa a bonita sabia.

Depois dela, vieram muitas. Uma das minhas preferidas foi a italiana Franca Sozzani, outra observadora nata que ousava fazer capas da Vogue Itália com denúncias políticas e críticas ao comportamento obsessivo — e, por vezes, perverso — do mercado fashion. Claro que tudo isso ficou no passado e que a moda é sempre o próximo grito, mas a base para entendê-la continua a mesma: observar e criticar. É assim que se descobre o que é e como se comporta. A moda não é se fantasiar para caberem um modismo; é justamente o contrário: romper com o que se espera dela.

A “moda do feio”, por exemplo, que Miuccia Prada tanto defende e que choca muita gente nos desfiles, é das coisas
mais sofisticadas que já existiram na criação. Sempre foi, na real. Ao desafiar e colocar na passarela o que incomoda, Miuccia, grita: “Ei, vestir-se é um ato político. Eu me visto para manifestar algo, não para agradar a olhos alheios.”

Lá atrás, Helmut Lang e Martin Margiela já faziam isso: destruíram a ideia de roupa perfeita e viram tudo do
avesso, rasgavam o que era “impecável”, bagunçavam tecidos, formas e cores. E, assim, revolucionaram o vestir no fim do século 20.

Hoje, quando vejo os jovens com moletons imensos, Billie Eilish de roupas largas ou Zaho de Zagan com aquele ar brecholento, respiro aliviada. Não precisamos aplaudir a “volta disso ou daquilo”. Muitas coisas não voltam mais. O tempo é outro: não podemos consumir demais. Isso não é lorota, é fato. E, sim, a roupa fala, mas nós a carregamos.

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Sem receitas prontas de estilo, sem fórmulas mágicas. Basta sermos nós mesmos — dentro das nossas possibilidades e, principalmente, com a consciência de que não precisamos de muito, mas do essencial, para expressar quem somos. É quase uma aula de filosofia: vestir-se com expressão. Então, já sabem: abram bem os olhos e vistam-se de acordo com o mundo que veem. É o único jeito de fazer moda de verdade.

*Matéria originalmente publicada na edição #305 da TOPVIEW.