João Pimenta e o novo masculino. Conversamos com o estilista!
Saias, renda, babados e cintura marcada no vestuário masculino. À primeira vista, é evidente por que João Pimenta, aos 49 anos, é considerado um dos nomes mais radicais da moda masculina no Brasil. O destaque do mineiro baseado em São Paulo (SP), porém, não se limita ao choque da primeira impressão. Ao longo de mais de uma década, a marca que leva seu nome mostrou novas possibilidades para o guarda-roupas masculino, ao não se limitar às ideias pré-concebidas que se têm desse universo. A uma alfaiataria sofisticada, Pimenta agrega um conceito urbano, além de sobreposições, cores, padronagens e um jogo de comprimentos e shapes. O resultado são silhuetas ricas, que acompanham as transformações do próprio homem brasileiro, que não se resume mais a uma camisa polo ou uma calça jeans reta – e que fascinam muitas mulheres, que se tornam clientes da sua linha. Do ateliê no bairro Pinheiros, onde atende encomendas sob medida, Pimenta – também diretor criativo da West Coast e responsável por figurinos do Balé da Cidade de São Paulo, do rapper Emicida e de peças de Roberto Alvim – conversou com a TOPVIEW sobre essas mudanças no vestuário e no comportamento masculino.
TOPVIEW: O que motivou sua transição da moda feminina para a masculina?
João Pimenta: É um processo que a gente vê na moda hoje: o olhar voltado para o masculino. Sempre pensei que se a moda tivesse lugar para crescer, para evoluir, seria no masculino, por ser mais carente de inovações. Percebi que, nesse mercado, teria mais visibilidade.
TV: Suas peças se destacam pelas estampas, cores vibrantes, materiais diferentes, shapes ousados.
JP: Eu sempre tive muita afinidade com o conceitual, e a marca foi um laboratório para achar novos caminhos. Durante um grande período, as pessoas se incomodavam com isso, esperavam uma roupa mais pronta para vestir, que criasse um desejo de consumo imediato. Mas eu sempre acreditei em moda mais como linguagem do que como produto. Agora, com a crise, as pessoas já não têm olhado para o fast fashion como antes, estão valorizando a roupa feita à mão.
TV: Os homens estão mais abertos a propostas que fogem do padrão?
JP: Esse público que não tinha desejo por um diferencial está mudando. Hoje, há mais pessoas querendo uma roupa exclusiva. Elas estão ficando mais individuais, amadurecendo – no sentido de perceber que você pode ser original, não precisa vestir o que o outro está vestindo.
TV: Você percebe isso mesmo no ateliê, com roupa sob medida?
JP: Tem uma diferença gigante entre a roupa do desfile e a do cliente sob medida, nos ternos para executivos, para casamento. Nesse caso, o que a gente faz é deixar alguma característica – pedem para bordar o nome dentro da roupa, à mão, usar um tecido especial… O cliente ainda está com a visão do homem italiano na cabeça. Mas os homens querem mais do que uma camisa polo, uma camisa listrada. E eles não seguem tendência, modismo – querem qualidade, durabilidade.
TV: O que acha que provocou esse novo comportamento?
JP: No Brasil, acho que é por causa do momento de crise. Às vezes, achamos ruim, mas esse momento altera muito a nossa vida de forma positiva. O fato de não ter dinheiro, por exemplo, nos faz gastar com mais responsabilidade. Não adianta comprar uma camisa que você vai lavar poucas vezes e jogar fora. Além disso, as pessoas querem que você conte uma história no produto, querem saber de onde vem.
TV: Qual você acredita ser o seu papel enquanto designer de moda?
JP: A gente joga nas roupas uma missão muito difícil: definir quem você é, definir seu estado de espírito. A moda é uma linguagem muito forte. Ela pode ser um reflexo seu, de acordo com o dia. No dia seguinte, já é outro.
TV: E você comunica sua identidade mais pelas roupas que cria ou pelo que veste?
JP: Pelas que crio. Até aqui, sempre fui muito relaxado. Não estava muito feliz com o meu corpo… E nos últimos meses, consegui emagrecer um pouco, estou me sentindo melhor e comecei a me preocupar um pouco mais com a forma de me vestir. Faz diferença: ao receber um cliente você se sente mais seguro. Estou mais feliz.
TV: E como aprender essa “linguagem”, que é como você de ne a moda?
JP: Os homens têm que saber primeiro para quem estão se vestindo. Se é para a mulher, elas esperam um homem sensível, delicado. Mas o homem age de forma diversa, como quem não liga para roupa, não está aberto a cores… Desperta atenção quem se veste com diferencial, se preocupa com o perfume, com o cabelo. Porque a roupa não define sexualidade.
TV: Que conselhos daria para quem deseja prestar mais atenção ao que veste?
JP: Acho que parte do corpo, da forma física. O principal é saber que cada um é um, e como o seu corpo responde às modelagens das roupas; se olhar no espelho e ver que tipo de roupa fica bem, prestar atenção à proporção é bacana.
TV: E qual a sua intenção ao se apropriar de elementos tipicamente femininos?
JP: Eu sempre usei esses signos para colocar a questão do masculino em discussão. Quando levei um quadril gigante à passarela, sabia que isso não ia para a rua. A ideia é abrir espaço para discussão. Se o neogênero [quando não se distingue feminino e masculino] vingar, vai ser apenas mais um dos estilos, e tem mais facilidade de vir da roupa do homem do que da mulher, porque ela já usa coisas “masculinas”.
TV: Justamente por isso, você é considerado o nome mais radical da moda masculina brasileira. Concorda? É sua intenção ser radical?
JP: Não. No Brasil, há pouca gente mostrando isso, mas o que os meninos fazem na Casa dos Criadores [evento conhecido por revelar novos talentos da moda em São Paulo] é incrível, super-radical. Já fiz muito trabalho conceitual, e nadado que eu fiz para desfile não achou um dono. Se tivesse seguido pelo caminho “correto”, com certeza não teria conseguido o espaço que tenho hoje. Talvez o radical esteja na minha perseverança. Talvez até tivesse o desejo de ser radical, mas hoje, depois de ver o quanto que é difícil… É um amadurecimento.
TV: Você é avesso às tendências de moda, à definição estanque de gênero e ao consumo desenfreado. Consegue de fato se manter fiel a essas crenças?
JP: Consigo, porque já houve momentos mais difíceis do que este. A alfaiataria sob medida dá um bom retorno. E o meu diferencial leva a outros trabalhos – figurino para balé, teatro, músicos… Eu nem acredito que a gente pode fazer a coisa do jeito que quer. A gente insistiu muito, e agora as pessoas começam a enxergar um caminho.