Donos de nossas próprias coleções
2 000 caracteres. Planejei parágrafos, tópico frasal. Suprimi excessos para estar presente na escrita. Me apresento no significado de cada palavra e principalmente no vão que forma-se entre elas. Não sei se meu tom cheio de hiperlinks será mantido, muito menos o não uso de maiúsculas – que entrega minha admiração pela escola alemã Bauhaus. Mas antecipo que sou grata por sua leitura quando o Zeitgeist de 2021 aponta que a moeda mais cara do mercado, rumo a nova era, será a sua atenção. Há picotes na página que você não verá. Acredite no invisível, retire a página com cuidado e guarde a 01. Vamos iniciar uma coleção!
Para abrir os trabalhos, antes de estatísticas pandêmicas, atualizações de desfiles e palpites para a moda pós-Covid-19, quero escrever sobre quem sustenta a roupa: você. Fico curiosa para saber como está sendo sua relação com as roupas. O que manteve? Quais novas surgiram? E aquele desapego doloroso na porta do armário? Como se deu?
Na relação com as roupas, buscamos o reconhecimento da nossa identidade e desejamos uma marca pessoal permanente. A corrida da atual era de peixes, freada por 2020, nos encaixou em identidades de prateleiras já prontas, não havendo espaço ou tempo lento necessário para libertar um estilo próprio, construído a partir das nossas “INTERESSÊNCIAS” individuais.
Sua vida cotidiana, seu olhar para os detalhes e os pormenores de gostos triviais, contêm elementos interessantes que formatam seu repertório. Tomar posse disso e transferir para a escolha das roupas é ser genuíno e, na sequência, ao comunicar, obter autenticidade. É preciso de muita personalidade para escolher elementos da moda para si e ainda assim, preservar uma essência bem maior que os elementos adquiridos.
Foi o que senti ao conhecer a Fany. Maestra e curadora das suas roupas, deixa de apenas representar a estética da moda dos anos 1920, 1950, 1970 e 1980 para colocar em primeiro plano a trajetória da mulher Fany e suas “interessâncias”, abrindo caminho, inclusive, na construção da sua carreira. Ao olhar suas roupas, eu me projeto para tentar viver parte de sua rica história. Isso é fazer a luz, dar à luz, um luxo. Luxo é, tam- bém, ao longo de toda uma vida de experiências, ter consciência das suas “interessâncias” e manifestá-las na escolha do que vestir. Isso nos fará abrir nosso próprio caminho em um mundo em crise, mudar a lógica da moda, sermos curadores das nossas [saudáveis-cons- cientes] coleções de roupa. Pense nisso. Se você é o criador das narrativas da sua vida, pode e deve montar sua própria coleção de produtos de moda. Quais são as suas “interessâncias”?
*Coluna originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.