Do campo para o corpo
“Moda e campo, um não existe sem o outro.” De forma poética, a professora do curso superior de Design de Moda do SENAI Mariana Mariah retratou a influência do campo na moda. “Eles coexistem, um depende do outro”, reflete.
O campo é uma grande inspiração para o setor fashionista. Não é preciso ir longe para encontrar algum elemento do campo nas maiores passarelas de moda. Algumas labels se aprofundam tanto em suas inspirações que fazem do campo o plano de fundo de seus desfiles. A grife francesa Jacquemus explora isso de forma sensível e especial. Ao completar 10 anos de marca, em 2019, o estilista Simon Porte Jacquemus realizou um desfile de arrancar suspiros em Valensola, na Provence. Antes de Jacquemus, o estilista Raf Simons, ao entrar na direção criativa da Dior, em 2013, reproduziu os jardins de Versailles nas paredes do espaço em que foi seu primeiro desfile com a maison.
Mas, antes mesmo dessa inspiração artística que a moda tanto explora, o campo é, na verdade, o início de tudo. Afinal, o que é da moda sem a sua principal matéria-prima, o tecido? As fibras mais antigas de que se tem conhecimento são a lã, descoberta há 6 mil anos, e o linho, há 8 mil anos, ambos vindos do campo, da natureza.
“O homem tecia galhos e folhas como uma forma de se proteger. No entanto, ele passou a usar esse trabalho para proteger o seu corpo. Os vestígios apontam que os primeiros tecidos foram feitos de linho e, depois da domesticação do carneiro, passaram a ser feitos tecidos de lã para as pessoas se protegerem do frio”, conta a professora.
Atualmente, segundo o sócio-proprietário da empresa El Hajjar Representações, Claudio El Hajjar, os principais fios usados pela indústria da moda ainda são extraídos da natureza. Entre eles, estão o algodão, o linho e a viscose, que é um fio misto extraído da madeira. Representante de fios naturais e sintéticos, Claudio explica que, além dos fios vindos da natureza, é bem comum o uso de fios sintéticos, devido à tecnologia dos últimos anos. “A tecnologia avançou muito e há fios sintéticos com uma qualidade muito boa. Mas há, também, fios que são misturados – ou seja, fios da natureza, como o algodão – com o fio de linha sintética”, conclui.
Campo da cabeça aos pés
O campo não está somente presente nas mesas da população: está presente desde a cabeça até os pés. Isso é visivelmente notado na última semana de moda, que passou por Nova York, Londres, Milão e Paris. O couro, que vem diretamente do campo, foi um material que apareceu em quase todos os desfiles das grifes.
Marcas como Louis Vuitton, Balmain, Valentino, Versace, Saint Laurent e muitas outras usaram o couro de maneiras distintas. Foram luvas, jaquetas, vestidos, saias e botas. No entanto, quem leva o couro muito a sério em suas produções de moda é a diretora criativa Felícia Pretto. Em sua marca, fundada em 2017, Felícia trabalha principalmente com couro. Sua escolha é por couro de cordeiro, um material que, segundo ela, é nobre e resulta em uma peça única.
“Nosso couro vem de manejo, ou seja, é o resquício da agroindústria. O animal não é criado para fazer as nossas roupas. Nossa pele de cordeiro vem do Nordeste. Então, ele é usado e, com a pele que sobrou, a gente faz as nossas roupas”, relata a diretora criativa.
Por ter um contato muito próximo com o campo, Felícia destaca o quanto a relação entre moda e natureza é importante. “Minha família é do interior de Santa Catarina, então, eu nasci na natureza, com o pé no chão e contemplando o céu. Assim, para mim, toda inspiração vem do natural, não dá para fugir disso, é a minha base”, conclui Felícia.
Sustentabilidade e campo
A sustentabilidade no campo é algo muito discutido. As formas de manejo não responsáveis e incontroláveis deixam marcas na natureza que não podem ser retomadas.
A professora de design de moda explica que, hoje, há ótimas alternativas de tecidos que não causam tantos danos à natureza, já que a indústria da moda é responsável por 8% da emissão de gás carbônico na atmosfera, ficando atrás apenas do setor petrolífero, segundo dados da ONU Meio Ambiente. “Novos tecidos sustentáveis precisam de menos ferro, menos energia e menos lavagem durante a produção. Uma peça de algodão, por exemplo, precisa de uma lavagem com temperaturas mais altas e muito ferro. Não é porque ela é natural que ela usa menos recursos”, explica.
Em sua produção, Felícia também mantém as boas práticas de sustentabilidade. “Nossa empresa tem práticas que prezam pela responsabilidade social, pois entendemos que todos os processos são feitos essencialmente por pessoas – e estas devem ser constantemente desenvolvidas”, revela a empresária.
PARA COMPRAR
Jaqueta “FW21” de couro granulado, da Supreme
Vestido Lena em couro preto, da Felícia Pretto
Moletom de algodão, da Dion Lee
Blazer Slim de linho, da Alexander McQueen
*Matéria originalmente publicada na edição #260 da revista TOPVIEW.