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Origines du parfum

Raridade no Brasil, perfumistas e especialistas em aromas contam o que há por trás das fragrâncias

Pergunte a uma criança o que ela quer ser quando crescer. Certamente, ela não dirá que quer ser perfumista. Isso porque, em uma profissão rodeada de mistérios, uma afirmação é unânime entre quem trabalha no ramo: há mais astronautas no mundo do que perfumistas.

A profissão, além de ser pouco conhecida, ainda não possui formação acadêmica específica no Brasil. Para estudar nas grandes escolas de perfumaria, é preciso ir para a Europa ou os Estados Unidos. Além disso, é necessário anos de treinamento, graduação em Química ou em  Farmácia e ter em mente aproximadamente 2.000 elementos que integrarão as futuras essências. O mundo da perfumaria também exige um olfato apurado, uma vez que pode ser necessário o uso de pelo menos 300 ingredientes em um único perfume.

Apesar dos poucos — e especializados — profissionais, o mercado de perfumaria brasileiro é o segundo maior do mundo. De acordo com a Euromonitor International, empresa global de pesquisa mercadológica, o Brasil foi responsável por 12,26% do faturamento do mercado de perfumaria no mundo em 2020, o qual somou mais de US$ 44 bilhões.

Um dos poucos nomes do ramo no país é Cesar Veiga, que trabalha na Avaliação de Fragrâncias do Núcleo de Inteligência Olfativa do Grupo Boticário. Farmacêutico por formação, Veiga conta que, desde pequeno, se interessava por aromas, por meio das barraquinhas e feiras da cidade. Com cursos na França e nos Estados Unidos, ele é um entre os menos de 100 perfumistas do Brasil e, estando há 25 anos no Grupo Boticário, viu nascer — e deu vida — a perfumes que se tornaram ícones nacionais, como o Egeo e o Malbec

O perfumista também revela que as fragrâncias seguem tendências do mercado. Para os próximos anos, “após um longo período de reclusão e isolamento, as fragrâncias tornam-se uma forma de socialização e compartilhamento, com o intuito de aproximar as pessoas. A ideia é ter uma brisa refrescante depois de tudo o que passamos, tons coloridos e energia boa de aproximação”, comenta.

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Fundo, corpo, saída e alma

Assim como para muitos, o mundo da perfumaria era completamente desconhecido para Angélica Flores. Formada em Direito e trabalhando com marketing, ela cruzou com o caminho das fragrâncias ao realizar um trabalho voltado para comunicação de uma marca de perfumaria — e acabou se apaixonando.

Flores — sobrenome mais a ver com a profissão não há — tem hoje sua própria marca de perfumaria 100% natural e reside em Lyon, na França. Todavia, ela conta que o processo de mudança de carreira exige tempo. “O perfumista tem que treinar o nariz e há necessidade de fazer um estágio com alguém com experiência na área. Gosto de dizer que é como um chef de cozinha: o perfumista tem que conhecer as essências como o cozinheiro conhece os ingredientes”, explica ela.

De fato, a construção de uma fragrância requer a maestria de um chef. Mas a paciência tem de ser como a de um monge. Isso porque, segundo Veiga, um perfume leva, em média, 18 a 24 meses para entrar nas prateleiras das lojas do Grupo Boticário, por exemplo — um em específico chegou a levar quatro anos para entrar no mercado.

Além da construção de briefing, marketing e estudo de público, há o processo de criação da pirâmide olfativa, que arquiteta as camadas do aroma em três partes: fundo, corpo e saída. “As notas de corpo são constituídas normalmente de flores e dão personalidade ao perfume. São elas que vão guiar as notas de saída e de fundo”, completa Flores.

Razão e emoção

Desde que o ser humano dominou as essências, os cheiros passaram a ser uma forma de comunicação — e estão diretamente ligados ao bem-estar e às emoções.

“Antes de respondermos se um cheiro é de banana ou maçã, vem as memórias, que são carregadas de sentimentos e vivências únicas. Quando você cheira um perfume, você embarca em uma viagem. As fragrâncias permitem muito essa conexão com a imaginação e as experiências anteriores de cada um”, diz Veiga.

É justamente a partir da combinação de aromas e psicologia que surgiu a área da aromaterapia, que tem como base a utilização de óleos essenciais e outros tipos de fragrâncias para melhorar o bem-estar físico e psicológico. Ana Volpe, psicóloga com especialização em Psicanálise pela Universidade de São Paulo (USP) e farmacêutica industrial com especialização em Cosmetologia e Perfumaria, comenta que o sistema límbico (conhecido como “cérebro emocional”) é amplamente afetado pelo olfato.

“As grandes casas de perfumaria pensam suas fragrâncias a partir do conceito mood perfume. Isso começou com a Shiseido, que usou exames de  ressonância magnética para ver quais óleos essenciais provocam certas partes do cérebro. Aromaterapia é isso: o estímulo pelos aromas de sentimentos como acolhimento, conforto, prazer. É uma linguagem universal”, comenta a psicóloga.

Porém, Volpe frisa que nada substitui um médico e que a aromaterapia serve como um complemento para cuidar da saúde mental. “Os aromas trazem sentimentos de autoestima, mais valia… Sentir o cheiro no corpo pode ser um forte aliado do tratamento pessoal, assim como o uso de velas, incensos e difusores no ambiente”, finaliza.

LINHA DO TEMPO

A origem do perfume tem raízes em um passado que remonta a séculos antes de Cristo.

Egito Antigo
Madeiras, especiarias e ervas eram queimadas em rituais religiosos, que deu origem a uma espécie de incenso.

(Foto: reprodução)

Grécia Antiga
Os gregos começaram a criar fórmulas para extrair óleos essenciais. Assim, nasceram fragrâncias, pomadas, pastas e unguentos.

(Foto: reprodução)

Idade Média
Por volta de 1330, o álcool começou a ser incluído nas formulações de perfume. Isso possibilitou uma versatilidade ainda maior em seu uso.

(Foto: reprodução)

Iluminismo
Surgimento da expressão eau de toilette. As pessoas passavam o perfume em seu corpo para se verem livres de odores mal cheirosos e do suor.

(Foto: reprodução)

Século XIX
Os óleos naturais começam a ser substituídos por substâncias químicas isoladas.

(Foto: reprodução)

Século XX
O perfume passa a se popularizar entre os homens e foi incorporado ao cotidiano da vida moderna.

(Foto: reprodução)

2019
O Boticário desenvolve a primeira fragrância do mundo feita com ajuda de inteligência artificial, o perfume Egeo.

(Foto: reprodução)

*Matéria originalmente publicada na edição #261 da revista TOPVIEW.

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