FASHION BELEZA

Beauty Gourmand: a estética do sabor

Tendência no mercado da beleza revela o cheiro, a textura e a cor do desejo

Há uma tendência crescente nas prateleiras de beleza. Os produtos não se limitam mais à cor ou à hidratação. As marcas buscam oferecer experiências sensoriais que envolvam cheiro, toque e aparência. Esse movimento é conhecido como beauty gourmand, que transfere para cosméticos e campanhas o vocabulário da gastronomia, com aromas adocicados, texturas cremosas, nomes inspirados em sobremesas ou pratos e uma comunicação que valoriza a experiência tátil e olfativa.

O termo “gourmand” vem da perfumaria. Foi com fragrâncias “comestíveis” que o mercado criou uma categoria de essências que lembram baunilha, caramelo, chocolate e outros aromas de comida Uma das primeiras referências desse tipo de perfume foi Angel, de Thierry Mugler, lançado em 1992. Desde então, a categoria evoluiu e, hoje, dialoga com identidades de gênero, nostalgia e conforto emocional.

O beauty gourmand não se limita aos perfumes. Marcas de skincare e maquiagem adotam fragrâncias comestíveis, texturas que lembram molhos ou cremes, e nomes que evocam sabores. Em um contexto de ansiedade e busca por conforto, aromas e sabores funcionam como atalhos emocionais, remetendo a memórias e oferecendo sensação de prazer imediato.

Recentes colaborações entre marcas de beleza e universo alimentar mostram que essa linguagem é um recurso deliberado de branding. Campanhas, editoriais e colaborações exploram imagens, fragrâncias e narrativas relacionadas à gastronomia para criar experiências sensoriais e desejo.

Na beleza, a Rhode Skin, de Hailey Bieber, tornou-se referência ao incorporar imagens de café, sorvete e frutas em seu repertório visual. Já campanhas da influenciadora Malu Borges geraram
repercussão ao usar alimentos como cenário de luxo, provocando críticas sobre desperdício e ostentação.

O beauty gourmand não se limita à beleza; a moda também tem explorado a gastronomia como fonte de inspiração estética. A Moschino, por exemplo, começou a incorporar alimentos e referências culinárias de forma irônica ainda com seu fundador, Franco Moschino, que criou um “dinner jacket” com botões em formato de talheres. Desde então, bolsas em formato de baguete, clutches de aipo e outros acessórios comestíveis continuam a aparecer nas coleções, mesclando luxo e estética comestível.

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No universo de Simon Porte Jacquemus, a gastronomia também é central para a experiência da marca. Desde sua segunda coleção, apresentada em um desfile com café da manhã estilizado, passando por instalações artísticas, cerâmicas temáticas e experiências em restaurantes como Café Citron e Oursin, o designer transforma alimentos em elementos visuais e sensoriais que dialogam com moda, arte e cultura mediterrânea. Nessa iniciativas, comida e moda se tornam linguagem estética, reforçando a conexão entre corpo, prazer e experiência visual que caracteriza o movimento gourmand.

Um olhar antropológico

Sob uma perspectiva antropológica, a estética comestível revela mais do que moda: fala de pertencimento, memória e identidade cultural. Rui Martins Jr., historiador, antropólogo e pesquisador multiculturalista, explica que, no contexto brasileiro, especialmente no Norte, o alimento é expressão de mundo e não apenas de nutrição. “Perfumes, batons ou cremes com cheiro de açaí, cupuaçu ou tucupi não são apenas produtos estéticos, mas fragmentos de histórias e afetos compartilhados que dialogam com a diversidade cultural do país. O corpo brasileiro se torna um território do sensível, em que cada aroma, textura ou cor carrega uma memória coletiva e um pertencimento regional.”

No Pará, o beauty gourmand adquire ainda mais significado. Belém, com sua cozinha afetiva e ritualística, transforma o cotidiano em experiência sensorial. O aroma do tucupi, o gosto do açaí, e a cor do cupuaçu se inscrevem na experiência do corpo como saberes da terra. “Essa estética comestível pode ser lida como uma antropofagia sensorial contemporânea, um gesto de devorar símbolos culturais e afetivos para transformá-los em ornamento, perfume e moda”, afirma Rui Martins Jr.

A tendência também revela um paradoxo: enquanto produtos evocam fartura e prazer, há críticas sobre desperdício e ostentação. “Transformar ingredientes em ornamentos de luxo pode gerar desconforto em contextos de desigualdade, mas é possível articular beleza e responsabilidade, como acontece em iniciativas amazônicas que valorizam biodiversidade e saberes tradicionais. O luxo, então, torna-se ético, cultural e sensorial.”

Exemplo no mercado

Em outubro, a Maybelline New York lançou a coleção Vinyl Ink Sauce, com seis tonalidades inspiradas em molhos. A linha combina durabilidade, acabamento vinílico e experiência sensorial, propondo uma maquiagem que conecta estilo e gastronomia.

“Com Vinyl Ink Sauce, fomos além da maquiagem para criar uma experiência que conecta estilo e gastronomia de forma divertida, ousada e totalmente única”, destaca Daniel Martins, diretor da Maybelline NY no Brasil.

O beauty gourmand, portanto, não é apenas estética ou marketing. Ele mostra como é possível unir prazer, memória e identidade cultural em um só gesto, transformando o sensível em linguagem e conectando a experiência do corpo à experiência do mundo.

L’occitane au  Brésil – Brigadeiro

(Foto: divulgação)

A fragrância inspirada no doce brasileiro integra spray perfumado, hidratante e sabonete esfoliante. Com notas de cacau, leite condensado e baunilha, a linha transforma o cuidado corporal em um momento indulgente, evocando memórias afetivas e sensoriais.

Maybelline New York – Vinyl Ink Sauce

(Foto: divulgação)

A linha limitada de batons traz seis tons inspirados em molhos icônicos, com acabamento vinílico e longa duração. Cada cor é pensada para despertar sensações de sabor, unindo maquiagem, emoção e experiência sensorial.

Moschino

(Foto: reprodução)

A marca explora humor e irreverência com coleções inspiradas em alimentos. Bolsas em forma de baguetes, clutches de aipo e referências a fast-food transformam acessórios de luxo em objetos lúdicos, conectando moda e gastronomia.

Rhode

(Foto: divulgação)

A marca da modelo Hailey Bieber utiliza imagens de doces, café e frutas para criar uma experiência sensorial completa. Produtos de skincare são apresentados como pequenas indulgências, transformando a rotina de beleza em momentos lúdicos e afetivos.

Jacquemus

(Foto: reprodução)

O universo de Simon Porte Jacquemus integra gastronomia e moda. Desfiles com café da manhã estilizado e instalações com alimentos e objetos decorativos inspirados em comida transformam coleções em experiências imersivas que unem estilo, memória e prazer sensorial.

*Matéria originalmente publicada na edição #306 da TOPVIEW.

*Matéria feita sob supervisão das jornalistas Brenda Iung e Mellanie Anversa.