FASHION MODA

A moda está on

O metaverso, termo muito utilizado atualmente, é uma porta de entrada para a moda digital

Em um mundo não tão distante assim, o metaverso é um dos assuntos mais comentados dos últimos tempos. A  terminologia se refere a um mundo virtual, que tenta replicar a realidade por meio de dispositivos digitais. A evolução tecnológica é tão promissora que o empresário Mark Zuckerberg criou o Meta, apostando na popularização do metaverso.

No metaverso, é possível comunicar, divertir e, inclusive, fechar negócios. É uma espécie de Internet 3D em que você — e seu avatar — poderá viver experiências como no mundo real, só que dentro da própria casa. “O meta- verso é um espaço normal, só que em um mundo virtual, que tenta replicar e reproduzir a realidade do mundo físico por meio da tecnologia”, explica o especialista em Marketing Digital e Inovação e professor da pós-graduação da Universidade Positivo Ney Queiroz de Azevedo.

É preciso entender, portanto, que estamos no final da Web 2.0, que conecta pessoas, e caminhando para a Web 3.0, que conecta pessoas, lugares e coisas. No futuro, será natural não apenas olhar as redes sociais, mas estar, literalmente, dentro dela. Se, hoje, uma reunião online é feita pela tela do computador, no metaverso, essas reuniões serão feitas por meio de avatares, imersos no ambiente virtual.

Moda e metaverso

Vendo esse setor em ascensão, a indústria da moda não esperou para experimentar as novidades que o metaverso pode trazer. Sempre muito disruptiva e aberta às novidades digitais, a moda abraçou o metaverso e tem sido um dos setores mais inovadores desse mundo ainda pouco explorado.

O metaverso pode se estender para moda digital, rede social, realidade aumentada, videogames e tokens não fungíveis (NFTs). Por isso, a moda, como base e início, começou explorando o metaverso por meio dos games, com NFTs de roupas digitais que podiam ser usadas pelos avatares dentro dos jogos de videogame. Louis Vuitton, Burberry e Balenciaga foram algumas marcas de luxo que venderam NFTs dentro dos games.

Porém, quem pensa que moda e metaverso significam apenas isso, não está olhando da maneira correta para a evolução do mercado. Outras marcas de luxo investiram também em outras for- mas de entrar no metaverso. A Gucci, a Prada e a Farfetch fizeram experiências com provadores de realidade virtual. Já a Gucci e a Ralph Lauren criaram mundos virtuais, com direito a vendas virtuais de roupas.

Mas não é apenas o mercado internacional que está sendo inovador em relação ao metaverso. As marcas brasileiras, antenadas nas tendências, começaram a entrar no metaverso e a usar isso em suas comunicações. A Brazil Immersive Fashion Week, plataforma online multicanal, é um local em que marcas, designers independentes, artistas e consumidores podem cooperar criativamente por meio de uma narrativa imersiva 100% digital.

A primeira supermodelo digital do mundo Shudu Gram, em um projeto entre a The Diigitals Agency e o Studio Acci.

O espaço é aberto à experimentação entre moda e tecnologia e, com isso, várias marcas e designers brasileiros ganharam visibilidade pela sua inovação tecnológica. O designer brasileiro Lucas Leão, inclusive, realizou um desfile de moda no SPFW dentro do metaverso em 2020. E, em 2021, ele realizou um desfile híbrido, no qual as peças físicas poderiam ser vistas em realidade aumentada quando a plateia apontava o celular para as modelos da passarela.

Assim como Leão, outra designer que tem se destacado no metaverso é a Mariana Moxotó Falcão, 3D/XR creator. Estudante de design, Mariana começou a produzir moda digital durante a pandemia. Ela chegou a comprar uma máquina de costura no mesmo período, mas os desafios da moda física — costura, modelagem, compra de tecidos e pilotagem — deixaram o projeto físico incompleto.

Foi o momento em que Mariana começou a conhecer mais sobre metaverso e NFTs. “Sempre tive facilidade com computador — e meu namorado trabalhava com realidade aumentada. Nisso, comecei a pesquisar sobre moda digital e gostei. Eu pude juntar o 3D com a moda”, conta.

Em seu primeiro projeto, ainda para a faculdade, ela criou um holograma de uma revista. “Peguei uma foto de um editorial de moda e criei um 3D da roupa da modelo. Quando postei nas redes sociais, as pessoas amaram”, afirma Mariana. Hoje, ela cria NFTs em diversos formatos, aplicáveis ou não. Segundo ela, isso quer dizer que alguns NFTs que cria são códigos de imagens e não são aplicáveis ao corpo, por exemplo. No entanto, ela também cria coleções de roupas digitais que podem ser aplicadas no corpo humano por meio de um smartphone, assim como filtros do Instagram.

Sobre o mercado, ela vê com perspectiva positiva a liberdade criativa que o ambiente digital dá. “Acho que a moda digital é mais acessível de várias ma- neiras. É liberdade demais: você cria o avatar, o ângulo e a iluminação da foto, a peça de roupa. Você é dono de tudo e é livre para fazer o que quiser. Tudo é possível”, conclui.

Outra marca que está conectada com o ambiente virtual e adora a liberdade criativa é a HIST. Com apenas nove meses de criação, a marca brasileira não comercializa NFTs, mas fez seu primeiro editorial em um cenário 3D. “Nós começamos com uma relação 100% digital. O futuro, realmente, é híbrido. Acho que é preciso estar em todos os canais, físicos — e digital —, mas nosso foco é e sempre será no digital. A gente investe muito em soluções imagéticas — e acho que, quando você usa essa tecnologia, você consegue sempre evoluir e agregar ainda mais”, conta a fundadora e diretora criativa da HIST, Giuliana Braide.

Cenário em 3D para o segundo editorial da marca HIST.

Em relação aos NFTs, a fundadora diz que a posição da marca é observar como as grandes marcas estão investindo nesse mercado. “Acho que os grandes players vão nos mostrar como se usa o NFT e nós, meros mortais que ainda estão aprendendo, vamos tentando entender. A HIST está fazendo um estudo. Acredito que estamos entrando nesse mundo, mas nosso ritmo é mais lento, porque estamos ainda observando”, relata Giuliana.

A moda, no entanto, é capaz de unir diversos segmentos: moda, metaverso e arte. Esse é o caso da Pantys, marca de calcinhas absorventes brasileira que foi a primeira marca de lingerie do mundo a entrar no metaverso. Acostumada a entregar novidades aos seus clientes, a Pantys criou 33 NFTs exclusivos disponíveis para venda.

No entanto, as roupas de NFT, dentro do metaverso, têm um papel de status, algo a ser exibido. Uma calcinha, porém, não teria nenhum papel nisso, já que é uma peça íntima. As criadoras da marca, Emily Ewell e Maria Eduarda Camargo foram mais longe e decidiram unir moda e arte. “Nós fomos pelo caminho da arte pelo NFT. Temos identidade visual muito forte, então chamamos artistas para capturar imagens com a nossa identidade e vendermos como NFTs”, afirmam as sócias.

Mas, além de toda a inovação que a marca está fazendo, em seu DNA, está sempre a preocupação com a comunidade. Por isso, a Pantys doará uma peça para mulheres em situação de vulnerabilidade social a cada transação de NFT realizada. O objetivo da marca é promover o empoderamento feminino e ampliar os diálogos sobre a pobreza menstrual.

A arte digital da Pantys, marca de calcinhas absorventes.

Mas quem é capaz de construir esse mundo digital?

Para que essa rica comunicação digital seja realizada, é preciso muito estudo e imersão, literalmente. O Studio Acci, especialista em moda digital, cria projetos em 3D em diversas escalas — roupas digitais, espaços digitais, avatares digitais e também estratégias nesse meio — para outras marcas.

Entre seus projetos, o Studio Acci já fez editoriais de moda para a Revista Vogue, em que aplicou roupas digitais em uma modelo real. Sobre o mercado, os criadores Henrique Assis e Leticia Motta afirmam que seus compradores são as marcas de pequeno e grande porte. “Há marcas que têm um tecido diferente e precisam de tecnologia na comunicação para mostrar isso. Há toda uma história digital que ajuda a mostrar a coleção”, conta Henrique. Por isso, segundo eles, a moda tem muito a ganhar com o metaverso.

Projeto em 3D da Zebra 3D Fashion Studio.
Projeto da Zebra 3D.

Então vale a pena a moda investir no metaverso?

A moda digital parece, realmente, muito atraente. Mas o que de fato faz marcas de luxo, que possuem produtos extremamente caros e exclusivos, venderem peças digitais por US$ 12, como a Gucci fez em um tênis em NFT?

Especialistas da área de marketing explicam que marcas de luxo sempre olharam para o digital. Porém, o que de fato
viabilizou isso foi o certificado digital que os NFTs garantem. “Antes, a marca criava uma skin para o digital que poderia ser copiada. Agora, você pode fazer uma peça única com a certeza de que sua criação estará protegida”, afirma Marvin Wanderlust, especialista em marketing digital.

Mas não apenas isso torna o metaverso relevante para as marcas de luxo. “Para muitas marcas, o metaverso é um
teste do que produzir na vida real, mas sem o custo de uma produção real gigantesca. É o que aconteceu com a coleção virtual da Adidas: os sneakers que fizeram sucesso vão para a produção física. É um laboratório de experiência”, completa Beto Cesar, publicitário e sócio-diretor da OAK Marketing.

Projeto ÌNIS, do Studio Acci.
Projeto de moda digital da Studio Acci.

Velhas ideais, novas interfaces

No entanto, apesar de muito falado — e criticado —, o metaverso ainda é um mundo em construção. “Sem dúvidas, ainda estamos no início. Em 2021, começamos a falar sobre o termo e, em pouco tempo, as coisas evoluí- ram e muitas empresas aderiram a essa digitalização”, conta o professor.

Porém, Ney ainda indica que o metaverso, na verdade, não é uma grande revolução digital. Segundo ele, o jogo Second Life — ambiente virtual e tridimensional que simula a vida real e social do ser humano por meio da interação entre avatares — já vinha com a mesma proposta. “Por isso, vejo que o metaverso não é uma novidade, é uma evolução. Talvez, o Second Life não prosperou por questão de time, porque o mercado não estava preparado e, talvez, neste momento, ele esteja”, revela Ney.

Portanto, o especialista sinaliza às marcas que estão interessadas no mercado: “É importante conhecer e sair na frente dos concorrentes. Porém, eu aconselho não apostar todas as fichas. É legal colocar um pé lá, sentir e analisar”, conclui.

Não é, porém, somente o especialista que vê o metaverso com cautela. Gamers, que estão acostumados ao universo de jogos e a diversas novidades digitais, veem o NFT como uma promessa furada. “O NFT é igual criptomoeda: muita gente está investindo dinheiro porque dizem que esse é o futuro. Nos games, o NFT vem como uma promessa de escassez digital — você compra uma skin de um jogo e depois a revende. Mas o público dos games tradicionais está resistente, porque, em vez de darem dinheiro à produtora, eles estão se associando à blockchain”, conta o jornalista de tecnologia e games Felipe Gugelmin Valente.

Em oposição ao argumento do gamer Felipe, Beto Cesar afirma que o NFT e o metaverso são muito mais democráticos e pretendem atingir um grupo muito maior do que o dos gamers. “Eu diria que, nos games, o metaverso é limitado e está sendo criado para que todos estejam lá. Com essa entrada de marcas, o metaverso mostra que precisa de atenção, pois ele já gira a economia. Não dá para fechar os olhos, é um novo meio com o qual vamos ter de lidar”, conclui o publicitário.

Desfile de Lucas Leão no metaverso durante a SPFW de 2020:

*Matéria originalmente publicada na edição #259 da revista TOPVIEW.

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