Uma nova arquitetura autoral em Curitiba
A arquitetura é o mais importante dos registros históricos deixados pelas civilizações. Por meio dela, temos acesso aos hábitos, costumes, rituais, crenças, desenvolvimento tecnológico e organização social e política das sociedades. Os arquitetos e seus contratantes são os promotores fundamentais desses registros e, para isso, devem, obrigatoriamente, responder a uma determinada época.
A arquitetura está inexoravelmente vinculada ao seu tempo. Não existe arquitetura desvinculada de seu contexto. A linguagem arquitetônica evolui continuamente e é compartilhada mundialmente, mas também assume características locais onde se apresenta. Em constante renovação, modifica-se, adapta-se e anuncia novos tempos. Tudo o que for adequado a uma época e sublimar o seu tempo será lembrado. O restante irá para o lixo da História.
Nos edifícios residenciais – excessivamente sujeitos aos humores do que se imagina ser o mercado –, as tentativas de um ilegítimo revisionismo histórico, por meio de prédios mal apelidados de neoclássicos ou equivalentes, aparecem hoje como meros pastiches e opções oportunistas para atrair incautos, já abandonadas pela maioria das incorporadoras. O perigo que se apresenta no momento é o da substituição desses projetos por algo pretensamente contemporâneo – melhor dito, “modernoso” –, mal importado ou mal criado, o que tampouco ajuda a melhorar esse cenário. Ambas as vertentes são igualmente danosas para a nossa cidade e o ambiente construído.
Uma nova paisagem para a cidade
O mercado de edifícios residenciais de Curitiba está se reinventando em um saudável e, há muito tempo desejado, movimento de maior qualificação arquitetônica dos empreendimentos oferecidos. O objetivo é atender a uma clientela mais educada e cosmopolita em uma sociedade que vai amadurecendo e se sofisticando. A percepção dessas mudanças é detectada por uma nova geração de empreendedores, preocupados em oferecer edifícios mais comprometidos com a cidade e adequados aos nossos tempos. Algo que começa a contaminar inclusive incorporadoras mais tradicionais.
O pioneiro entre esses jovens empreendedores é Alexandre Dely, filho do grande urbanista Rafael Dely, que, por meio da L’Espace Incorporadora, em 2010, solicitou-nos o projeto que viria a inaugurar esse novo período: o edifício Galerie, no Cabral, no qual fizemos os projetos arquitetônico, de interiores e paisagístico. A L’Espace vai lançar, nos próximos meses, mais dois empreendimentos com as mesmas características. O primeiro com
arquitetura da SPBR Arquitetos, além de interiores e paisagismo por Marcos Bertoldi Arquitetos, e o segundo,
na Alameda Júlia da Costa, ainda sem nome, com arquitetura, interiores e paisagismo também pelo nosso escritório.
Em 2012, André Nacli dá início a Idée Incorporadora e nos procura para o que poderia ter sido o seu primeiro empreendimento, o edifício Park, em um terreno no Champagnat. Determinado a incentivar a criação, a produção e o desenvolvimento da arquitetura curitibana investindo em talentos locais, designers e artistas plásticos incluídos, mostra-se sensível ao fato de que a cultura de uma sociedade tem que ser preferencialmente
gestada de dentro para fora, valorizando a continuidade do nosso rico patrimônio construído, um legado de gerações anteriores que nos deixou um importante acervo a ser mantido e valorizado.
Um compromisso que projeta a nossa história para as futuras gerações e evita, de saída, um certo encantamento – por vezes, provinciano – pelo que vem de fora, sem que tenhamos entendido exatamente o tanto que fizemos
por aqui. Agora, a Idée finaliza a sua primeira obra edificada, o edifício Dsenho, projetado pela Arquea Arquitetos, em uma exata tradução das propostas originalmente previstas.
Em 2015, a AG7 Realty, fundada em 2011, encomenda o seu primeiro projeto focado em arquitetura autoral ao Studio Arthur Casas, o condomínio Ícaro Jardins do Graciosa, que integra paisagismo e arquitetura de interiores e foi lançado em 2016, quando elabora-se mais a fundo o conceito que norteia seus empreendimentos, como boutique de investimentos focado em real state. Em 2018, começa a ser elaborado o projeto do edifício AGE 360. Encomendado ao escritório Triptyque Architecture, com seus mais de 130 metros de altura em 36 andares, fincado no espigão da Rua Paulo Gorski, redesenhará o skyline de Curitiba. Demonstra-se, até aqui, um maior apetite por edifícios nos quais os arquitetos possam se manifestar com menores amarras, coerentes com a sua política de criação de benchmarks para a cidade.
Já em 2016, a MDGP Incorporações, fundada em 2008, associa-se ao grupo Aurora Centennial e inaugura uma nova fase com o lançamento do edifício Arbo, projetado em 2017 e encomendado à Smolka Arquitetura, incorporando definitivamente o conceito “signature” aos seus empreendimentos. Em seguida, dois novos projetos, encomendados ao escritório Triptyque: o Edifício Átman, de 2019 – em obras no momento –, e seu mais recente projeto ao lado do Country Club, ainda em estudos, com paisagismo de Marcelo Faissal e arquitetura de interiores por Marcos Bertoldi Arquitetos.
Em 2017, é a vez de Maria Eugênia Fornea, fundadora da Weefor Incorporadora, procurar-nos, com um interessante conceito voltado mais para edifícios inclusivos do que exclusivos, também acreditando que uma boa arquitetura é um ingrediente fundamental para a nova cidade que se deseja construir. Acabou optando por lançar um concurso nacional no qual sagrou-se vencedor o Escritório Nachtergaele Navarro.
Nos últimos anos, uma série de edifícios criados por um grupo de arquitetos locais, não deixam dúvidas quanto às possibilidades de nossos escritórios estarem prontos para oferecer excelentes alternativas e atuarem criativamente nesse mercado. No entanto, chama a atenção a quantidade de propostas até aqui desperdiçadas. Sabemos que muitos prédios acabam não se viabilizando por questões alheias à vontade de construtores e incorporadoras. Outros, contudo, são substituídos por edifícios irrelevantes ou se deterioram quando excessivamente pautados por corretores, marqueteiros, fachadistas e toda sorte de “especialistas”, que pretendem atuar como coachs de arquitetos – ao meu ver, algo absolutamente desnecessário.
Os escritórios devem estabelecer um vínculo de confiança e compromisso com as necessidades dos seus clientes, construtores e incorporadoras – e, nesse caso, isso deveria ser suficiente. Cidades são construções coletivas e a responsabilidade deve ser compartilhada. Devemos fazer um esforço de aprendizado para que possamos entender e valorizar a nossa arquitetura. Valorizar e proteger o nosso patrimônio edificado, inclusive o mais recente, são ações que nos levarão a ter uma História. Construir de maneira comprometida com a sua época, respeitando o ambiente natural e construído e entendendo a importância coletiva de suas decisões, vai
nos deixar um importante legado. Contratantes, sejam do poder público ou da iniciativa privada, sensíveis a esses critérios, tornarão-se produtores e coautores do lado mais nobre da nossa História.
*Coluna originalmente publicada na edição #238 da revista TOPVIEW.