The show must be paused
O burburinho da plateia tomando os acentos no teatro foi substituído pelo silêncio. As obras expostas no museu não recebem visitas. As galerias de arte tiveram de fechar as portas. Assim vive o cenário artístico de Curitiba desde meados de março, por conta das recomendações da Secretaria Estadual de Saúde, que visam evitar aglomerações, auxiliando no combate ao coronavírus. Diante das restrições e da vivência diferente, ambientes
culturais da capital paranaense aprenderam a ressignificar seus serviços e encontraram na internet uma forma de adaptar os palcos, as salas de exposições e as aulas de arte durante a pandemia da Covid-19.
“A arte, em um momento de crise, pode proporcionar refúgio, dando espaço para nós podermos viajar por meio dela e encontrarmos reflexão.” — Daniele Saucedo
Esse fenômeno não é apenas curitibano. Museus, teatros e galerias ao redor do mundo tiveram de suspender suas atividades e migrar para o online. O Google Arts & Culture, responsável por expor na internet mostras de diversos centros culturais do mundo, serviu como um dos suportes para essa migração. As visualizações da página mais que dobraram desde o início da pandemia, afirma Amit Sood, diretor da plataforma, em entrevista à Folhapress em junho deste ano. Entre as 2.000 instituições presentes no portal, encontra-se o curitibano Museu Oscar Niemeyer (MON).
Atualmente, 12 exposições do MON estão disponíveis. Além de disponibilizar as mostras online, de acordo com Juliana Vosnika, diretora do museu, a equipe do local buscou fortalecer conteúdos digitais e inspiradores enquanto o espaço permanece fechado.“Nós iniciamos criando alguns conteúdos para as redes sociais, mostrando um pouco mais do ateliê dos artistas. Escolhemos artistas que possuem obras no acervo do museu. Nós tentamos retratar um pouco a realidade deles”, afirma.
Além das exposições, o museu também reforçou a presença digital na área educativa. De acordo com Juliana,
as oficinas, que eram realizadas para o público às quartas e aos domingos no ambiente do museu, estão, atualmente, disponíveis não só nas redes sociais como na plataforma do YouTube. “Hoje, é um instrumento interessante para as pessoas que estão em família ou com as crianças em casa”, complementa.
As ações educativas do Centro Cultural Teatro Guaíra também migraram para o online. O Centro, representado pelo icônico teatro no bairro central de Curitiba, oferece aulas de música e de dança. “Os músicos têm que estudar e os bailarinos têm que fazer aula, senão, eles perdem a condição. A partir disso, a gente começou a conversar sobre o que poderíamos fazer na web, que é o que temos agora. O ballet já fez um trabalho na internet, a orquestra está no terceiro trabalho. Então, agora estamos indo direitinho”, afirma a diretora-presidente do Centro, Monica Rischbieter.
Além de atividades educativas e exposições, outras formas de estímulo artístico surgiram na internet durante a pandemia. O Ave Lola Espaço de Criação, nascido na capital paranaense, lançou a websérie Sobre VIVER no teatro em tempos de RECLUSÃO, que documenta memórias da companhia de teatro do espaço nesse tempo. Ana Rosa Tezza, diretora do Teatro Ave Lola, pontua que as atividades presenciais do espaço foram suspensas no início da pandemia, por conta da proximidade que o teatro requer: “Não dava para ensaiar. O teatro requer que você tenha confiança no outro, falar de perto, abraçar. É tudo muito físico. Aí a gente parou [as atividades]”, explica.
A Ponto de Fuga, galeria curitibana com foco na fotografia, também passou por uma ativação no online por conta do coronavírus. De acordo com Milena Costa, idealizadora e curadora da galeria, devido às atividades online, o público do espaço foi ampliado. Atualmente, a galeria assiste projetos de artistas que são de outras cidades. “É bem interessante a gente pensar como teve essa expansão de alcance nesse momento, que é muito duro, mas que nos permitiu alcançar novas pessoas”, afirma Milena.
Refúgio, curiosidade e importância
Pela primeira vez na história da humanidade, passamos por uma pandemia tendo acesso à internet. A migração da arte para o digital nesse momento de crise significa a criação de um refúgio. É como entende Daniele Saucedo, professora das disciplinas relacionadas à arte e ao patrimônio do curso de História da PUCPR. “A arte, em um momento de crise, pode proporcionar refúgio, dando espaço para nós podermos viajar por meio dela e encontrarmos reflexão”, reflete.
Esse processo de digitalização também auxilia no despertar do interesse pela arte. “As pessoas estão vendo isso como uma oportunidade. Talvez isso dê oportunidade a pessoas que talvez não tenham uma ligação tão forte com a arte de conhecer espaços [culturais]”, afirma Daniele. Esse interesse por parte de algumas pessoas não
existia antes por conta da falta de tempo, segundo a professora. “Agora, com a necessidade de ficar em casa, elas estão tendo, inclusive, a oportunidade de prestar atenção a esse setor tão importante da vida, que, muitas vezes, passa despercebido”, opina.
Futuro
“Eu acho que o teatro deve abrir no ano que vem, eles hão de achar uma vacina. Onde está abrindo, as
pessoas têm medo de ir. Ir ao cinema, ir ao teatro… acho que essas coisas vão demorar. A arte existe porque a vida não basta, a gente tem que emocionar as pessoas”, afirma Monica Rischbieter.
A data de reabertura dos espaços culturais é incerta. Apesar do show digital fluir a todo vapor, o presencial ainda está em pausa. O que nos resta é esperar que, em um futuro breve, seja seguro voltar a dizer: “the show must go on”.
*Matéria originalmente publicada na edição #237 da revista TOPVIEW