ESTILO

Retorno à essência

O movimento de resgate das pizzas tradicionais napolitanas cresce em Curitiba, liderado por Jorge M ariano, do Madá Pizza e Vinho, e Daniel Mocellin, da Pizzaria da Mathilda

A pizza tradicional napolitana atravessou séculos, ganhou uma associação para manter seu legado e a arte de seu preparo é considerada um Patrimônio Imaterial pela Unesco desde 2017. Em Curitiba, o Madá Pizza e Vinho e a Pizzaria da Mathilda têm feito um movimento de valorização da tradição italiana, mostrando que o prato apresenta outras possibilidades além das que os curitibanos estão acostumados.

Come-se muita pizza no Brasil, mas ela virou sinônimo de recipiente para colocar um monte de recheio em cima”, analisa Jorge Mariano, chef do Madá. Foi a partir da percepção de que vários alimentos passavam por mais processos do que o necessário que ele começou a repensar a produção do pão, na Padaria Maçã, e, depois, da pizza, à frente do Madá. “Estávamos comendo coisas tão manipuladas e tão industrializadas que a gente não sabia mais qual era o sabor real das coisas. Com isso, a essência desses alimentos foi se perdendo. O pão e a pizza são farinha, água e sal”, ressalta.

O resultado de seus anos de estudo está (deliciosamente) concretizado nas pizzas que serve no estabelecimento – individuais, com uma base fina e as bordas altas, levemente queimadas, que trazem um contraste de amargor, assadas em um forno a 450°C e com massa feita a partir de um processo de 48 horas de fermentação natural. Suas características, diferentes das pizzas mais comuns, às vezes confundem os clientes. “Até abrir o Madá, pouca gente teve acesso a uma pizza que foi pensada para ser um alimento de alta cozinha”, observa. “A gente quer mostrar que estamos fazendo uma comida que acreditamos ser realmente muito boa e, por isso, queremos que as pessoas provem. É muito mais uma tentativa de trazer algo diferente, de quebrar um pouco os paradigmas.”

“Come-se muita pizza no Brasil, mas ela virou sinônimo de recipiente para colocar um monte de recheio em cima.” – Jorge Mariano

Jorge Mariano, do Madá Pizza e Vinho. (Foto: Guto Souza)

Mas voltar às tradições não significa deixar de lado a inovação. Por mais que a Associazone Verace Pizza Napoletana (“Associação da Verdadeira Pizza Napolitana”, em italiano) defina critérios do que seria uma verdadeira pizza napolitana, Jorge encontra espaço para criar. “Percebi que, se eu empregasse algumas técnicas um pouco mais modernas, eu poderia até obter um resultado mais interessante do que utilizando as técnicas pregadas pela Associação. Então, hoje, eu basicamente faço pizzas do estilo napolitano, só que de maneira mais moderna.”

Para conquistar o público, Jorge tem no cerne do atendimento o diálogo. Antes da pandemia, o espaço contava com lugares no balcão, que é aberto – quem come por lá pode ver sua comida sendo preparada. “Nós adoramos essa troca. Sempre mostramos os motivos e as explicações do por que estamos fazendo um produto que acreditamos ser tão gostoso. E, depois de um tempo, vimos que a aceitação foi muito grande, até hoje. Temos um público fiel”, conta.

Aí chegou a Mathilda

Em um domingo, ao voltar da praia, Jorge não sabia onde comer. Estava morrendo de fome e lembrou que tinha uma nova pizzaria aberta na cidade. Decidiu ir até lá. Era o primeiro fim de semana de atendimento da Pizzaria da Mathilda, que segue os moldes do Madá, com as pizzas tradicionais de fermentação natural. “Na época, o Madá já estava bombando. Cheguei lá, o Daniel [idealizador e pizzaiolo da Mathilda] me serviu e brincou: ‘não judia muito da gente’”, relembra. Foi o começo de uma amizade que só cresceu. “Ficamos amigos por causa da pizza, e justamente por essa necessidade de evolução. O cara nunca tinha feito pizza na vida. Eu me identifico muito com ele, porque eu aprendi do mesmo jeito. Eu aprendi a fazer pão e pizza na marra.”

Daniel Mocellin, pizzaiolo da Pizzaria da Mathilda, experimentou a pizza que mudou sua perspectiva sobre o prato, pela primeira vez, em uma viagem aos Estados Unidos. Foi amor à primeira mordida. Quando o ponto que tinha na Vicente Machado ficou vago, decidiu resgatar sua aspiração de infância e uni-la à recente paixão para investir nas pizzas tradicionais. De lá para cá, foram centenas de receitas testadas, mais de 30 mil pizzas vendidas – e, em janeiro, a inauguração de uma segunda unidade, no Juvevê. “Foi a coisa, de longe, que eu mais gastei tempo para fazer, para testar, em toda minha vida, sem dúvida alguma”, conta.

Eu não defendo o fim desse tipo de pizza, mas eu defendo, com certeza, que as pessoas saibam a origem primária da pizza, que é o que a gente trabalha.” – Daniel Mocellin

Daniel Mocellin, da Pizzaria da Mathilda. (Foto: Pablo Vaz)

O processo incluiu pesquisa, horas e horas de vídeos no YouTube e muita experimentação. Agora, depois de 11 meses de atendimento, chegou à sua receita ideal. Teve, também, a ajuda de Jorge. Nada de competição ou concorrência entre os negócios. Seguem a lógica de que, quanto mais um estabelecimento prospera, mais o mercado se movimenta para todos. “Já aconteceu, aqui no Madá, de estar lotado, com fila de espera de duas horas, e o cliente virar pra mim e falar: ‘onde eu consigo comer uma pizza boa igual a de vocês?’. Eu disse: ‘ali na Mathilda’”, conta Jorge. “É muito legal ver como esse movimento está crescendo, porque as pessoas estão indo atrás. E aí acaba criando um monte de pizza, mas cada uma com suas características.”

O segredo da pizza tradicional está na simplicidade. E é nisso, também, que reside o desafio de sua expansão em terras tupiniquins. Por aqui, a imagem da pizza é aquela de 12 fatias, com muito recheio e borda recheada. “A gente precisa de pizzarias como as nossas, para que cada vez mais as pessoas tirem da cabeça que pizza é só essa. Eu não defendo o fim desse tipo de pizza, mas eu defendo, com certeza, que as pessoas saibam a origem primária da pizza, que é o que a gente trabalha”, ressalta Mocellin.

*Matéria originalmente publicada na edição #245 da revista TOPVIEW.

Deixe um comentário