Quando a comida é o espetáculo, por Jussara Voss
Quem não dá tanto valor para bens materiais busca experiências diferenciadas e inesquecíveis, seja porque já possui tudo o que deseja ou porque tem outros valores. Na Espanha, chefs geniais, expoentes da gastronomia contemporânea, como os catalães Ferran e Albert Adrià, do 41 Grados, e Joan, Josep e Jordi Roca, do El Celler de Can Roca, e o basco Andoni Luis Aduriz, do Mugaritz, apostam nisso. Eles têm um espírito de rebeldia próprio dos cozinheiros de vanguarda e estão revolucionando o jeito de comer.
Esses artistas gastronômicos conquistaram os principais prêmios, frequentam os rankings mais importantes da categoria e vão muito além da comida com qualidade e sabor excepcional. Cocção perfeita, ingredientes de primeira, formatos diferenciados e sabores indescritíveis são o mínimo: eles querem mais, querem surpreender o cliente, fazer com que ele tenha uma experiência única nos seus restaurantes. Muito além do que estamos acostumados.
Quase ao mesmo tempo em que os catalães providenciavam as novas mudanças, ao norte da Espanha, o consagrado chef Andoni Luis Aduriz, do restaurante Mugaritz, no País Basco – cuja refeição transcorria em silêncio até pouco tempo – foi atrás de sons que ajudassem o comensal a entrar numa viagem de sabores e sensações. Mas não pense em uma trilha sonora qualquer. O silêncio da refeição pode ser quebrado pelo som produzido pelas ranhuras do suribachi, o pilão japonês, com o qual é possível até meditar.
Todos os clientes recebem o pote de pedra para macerar eles mesmos algum ingrediente que será servido depois. Quem já ouviu sabe do que o som hipnotizante produzido é capaz. O som também pode vir de uma música peruana produzida por um instrumento feito de argila – material usado para cobrir as batatas de origem andina servidas na entrada. A música folclórica típica do norte da Suécia, usada no distante restaurante Fäviken Magasinet, do chef Magnus Nilsson, compõe, junto com a estrutura do local e a fazenda entre as montanhas geladas da região, o clima para viagem a uma cultura desconhecida para a maioria dos visitantes. Todos querem contar a sua história pela comida.
Experiências
Outro exemplo da tendência é o restaurante 41 Grados, em Barcelona, comandado pelo catalão Ferran Adrià e seu irmão Albert. O restaurante produz um grande espetáculo ao mostrar imagens projetadas em lâminas de cristal sincronizadas com música, que variam de acordo com o que está sendo servido e traduzem a complexidade do conceito do chef e de sua gastronomia. A proposta de colocar simultaneamente música, imagem e comida parece, à primeira vista, um apelo de marketing para atrair clientes. Mas é na verdade uma experiência emocionante, que te transporta para outro mundo. Fui guiada por mãos experientes para uma experiência inesquecível. Um lugar no qual a emoção foi protagonista ao lado da comida.
A refeição tem 41 serviços; são pequenas porções divididas em coquetéis-comida, snacks e coquetéis-sobremesa, todas com muito sabor. A vivência é para poucos. O restaurante tem apenas 16 lugares e está aberto há pouco mais de um ano. Eu não tinha visto nada igual.
GASTRONOMIA PERFORMÁTICA
Comer já é um dos maiores prazeres da vida. Mas no restaurante 41 Grados, comandado pelos catalães Ferran e Albert Adrià, degustar uma de suas criações é uma diversão multisensorial. O menu-degustação é um percurso cheio de surpresas e encantamento. As imagens projetadas em lâminas de cristal e a trilha sonora são combinadas de tal maneira a traduzir um pouco da complexidade do conceito de sua gastronomia.
SURPREENDER É O ESSENCIAL
O que pensa o catalão Joan Roca, do restaurante El Celler de Can Roca, considerado o sucessor do genial chef Ferran Adrià
TOP VIEW – Como você define a cozinha do El Celler de Can Roca?
Joan Roca – É difícil definir a nossa cozinha. Podemos dizer que é sentimental, porque reflete o que pensamos e o que sabemos. Temos uma história que começou com o restaurante dos nossos pais. E nós acompanhamos as mudanças que acontecem no mundo. Temos a sorte de estarmos juntos, há uma sinergia entre nós, uma relação fraternal, cada um na sua área de atuação, trabalhando com muita responsabilidade.
TV – Como definem um cardápio?
JR – As nossas origens sempre indicam um rumo, assim como os produtos da estação. As viagens também nos influenciam muito. Estamos abertos para as mudanças. É uma cozinha de equipe porque todos participam do processo criativo e respeitamos as tradições.
TV – O que querem oferecer aos clientes?
JR – Queremos arrancar um sorriso, evocar lembranças. Somos três irmãos e cada um leva o seu trabalho muito a sério. São 26 anos trabalhando. Fomos progredindo pouco a pouco e oferecemos o que sabemos e gostamos de fazer.
TV – Como é estar entre os melhores restaurantes do mundo?
JR – É uma honra. Ter o trabalho reconhecido é um luxo para nós que somos cozinheiros, mas é preciso manter uma distância disso tudo porque é o dia-a-dia que importa. Satisfazer o cliente e surpreendê-lo é o essencial. Podemos subir e descer de posição nas listas; a votação é subjetiva. Por isso, ficamos tranquilos porque estamos tentando fazer o melhor. Pensamos primeiro nos clientes.
TV – O que é mais difícil na hora de fazer uma boa comida?
JR – Ter um bom produto. É preciso ter uma cumplicidade com o produtor, melhorar a plantação. Dialogar muito com todos os envolvidos na cadeia produtiva.
TV Como estará a cozinha dentro de dez anos?
JR – Os cozinheiros estão cada vez mais conscientes com a responsabilidade em relação ao planeta. Precisamos incentivar o cultivo, valorizar os produtores e produtos. O cozinheiro deve estar mais presente na cozinha, ser autêntico. Acho que teremos poucos restaurantes grandes porque são difíceis de manter. Talvez o formato de bistrô ganhe terreno, comida boa, preço justo, poucas pessoas na cozinha e o chef sempre presente.
*Matéria escrita por Jussara Voss e publicada originalmente na edição 150 da revista TOPVIEW.