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Prêmio Presidente do Júri: A Vanguarda do Pão

A panificação de fermentação natural consolida-se em Curitiba, formando uma cadeia que desafia a hegemonia da panificação industrial e traz mais sabor e qualidade ao nosso cotidiano

Após décadas de hegemonia da panificação industrial, uma onda de novos padeiros resgata antigos métodos de produção e dá origem a dezenas de padarias que começam a espalhar um tipo rústico de pão pela cidade. Eles têm uma crosta mais escura e crocante – algumas com saliências pronunciadas. O miolo é irregular e o sabor, levemente mais ácido e complexo – resultado do tempo de fermentação, dizem os padeiros, que advogam por atributos como “lentidão”. Há quem chame o movimento de “revolução”.

O cenário é San Francisco (EUA), onde a tendência do pão artesanal vive, nesta década, uma terceira onda desde os anos 1980, quando técnicas europeias tradicionais de panificação ganharam força.

Algo parecido pode estar acontecendo em Curitiba, onde padeiros vêm aderindo à chamada fermentação natural (ou lenta) nos últimos três anos.

Há por aqui uma espécie de vanguarda do pão que cresceu rapidamente e tem verdadeiros agitadores – alguns, diretamente influenciados pela onda californiana, como Eduardo Freire Feliz, do Lucca Cafés Especiais; outros, entusiastas da ideia de que o Paraná herdou a vocação de seus povos formadores, como Oscar Luzardo, da La Panoteca Slow Bakery. “O pessoal está falando que é a Califórnia brasileira”, brinca Feliz. “É difícil encontrar pão melhor em outra cidade”, defende.

Fermentação natural
Eduardo Freire e Eduardo José Feliz levam adiante a herança familiar de panificação na Padaria do Lucca. Na pág. ao lado, Oscar Luzardo, da La Panoteca Slow Bakery.

Luzardo, que desde 2012 toca a Panoteca com a esposa e sócia, Claudine de Sá Botelho, diz que algo realmente aconteceu nos últimos anos em Curitiba. Há mais gente interessada em comer o pão de fermentação natural – o que pode ser atribuído à gourmetização e à tendência da alimentação saudável. Mas cresceu também a vontade de fazer. Isso o uruguaio radicado no Brasil coloca na conta dos nossos avós. 

“A diversidade cultural – italiana, alemã, ucraniana, polonesa –, somada à informação que vem dos EUA, está contribuindo para um balanço interessante entre tradição e inovação, de maneira a consolidar um grupo de produtores de pão e de consumidores que, de alguma maneira, estão iniciando uma mudança – espero, radical”, diz Luzardo.

É o contrário do pão de fôrma, símbolo da industrialização, que, conforme denunciam, fez a qualidade da panificação cair drasticamente.

Outro rebelde, Rene Seifert, do Pão da Casa, diz que a onda tem a ver com o “resgate do trabalho artífice” e com a “falência de um modo de produção”. Boa parte dos novos nomes da panificação passaram pelas aulas que ele dá na Colônia Witmarsum, em Palmeira.

Para citar outras, há Chicago Bakery, Maçã, Fábrika, BeeBread, Sphair e Forneiro – e, ainda, o Pedro, da Casa Robell, que introduziu a escola californiana já em 2005.

O volume segue sendo de nicho e os novos negócios são, em sua maioria, pequenos. Mas eles já começam a mover outras estruturas. Um dos radares que captaram o movimento foi o da Moageira Irati, que está à frente de um projeto de originação e rastreabilidade do trigo paranaense produzido especificamente para os padeiros artesanais. A quantidade de padeiros artesanais ouvida pelo projeto Trigo de Origem, que deve lançar o produto em setembro, é um bom termômetro do tamanho da cena: foram mais de duas dezenas.

Divanildo Carvalho Junior, consultor da empresa Trilhas do Trigo e gerente do projeto, explica que o desenvolvimento de uma farinha especial, nesse caso, é um investimento estratégico, “institucional”. Mas é também uma sinalização de que o movimento não está sendo visto como “modismo”.

“A panificação artesanal é um nicho de mercado, mas as pessoas entendem que ela tem similaridades com o que aconteceu com o vinho, o café e a cerveja artesanal”, conta.

O fato de o Paraná concentrar mais da metade da produção do trigo brasileiro, aliás, poderia ser um fator-chave para estabelecer Curitiba como uma potência do pão.

Eduardo Feliz, que ajudou nesse desenvolvimento, diz que o envolvimento de mais produtores de trigo locais no futuro poderia completar uma cadeia. “Aí, vai se consolidar como onda. Como aconteceu com o café”, prevê.

Fermentação natural

Casca e miolo
A crosta crocante e escura, que pode dar a impressão de que o pão está queimado, ocorre devido à caramelização do açúcar produzido no processo de fermentação. A receita, contudo, leva apenas água, farinha e um pouco de sal. Os miolos são macios e têm mais “resiliência”.

Sabor
Durante a fermentação longa, leveduras e lactobacilos liberam gases que formam sabor e aromas mais complexos.

Digestão
Os adeptos da fermentação longa dizem que o método resulta em um pão de digestão mais fácil, evitando a sensação de estufamento causada por pães de fermentação rápida, que utilizam fermento industrializado.

Aspectos nutricionais
Segundo Luzardo, o aumento do tempo de fermentação reduz o índice glicêmico do pão. A falta de fermentação pode ser compensada pela adição de outros ingredientes, como açúcar, gordura, ovos, leite ou mesmo sal em excesso.

*Matéria publicada originalmente na edição 226 especial Gastronomia.

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