Pandemia propicia mudanças significativas na arquitetura e no mobiliário
O isolamento social motivado pela pandemia de coronavírus transformou a relação que as pessoas têm com os espaços. É comum que, passando mais tempo em casa, todos comecem a desenvolver um olhar diferente sobre cada ambiente e reparem em detalhes que antes não eram percebidos. Além do trabalho em home office, o “novo normal” trouxe para dentro das residências o ensino à distância, reuniões virtuais, a academia, diferentes formas de entretenimento, o abastecimento on-line das despensas, o delivery de restaurantes por aplicativo, e diversas outras atividades intermediadas pela tecnologia.
“Antes da pandemia, a maioria das pessoas acordava, tomava o café da manhã, saia para trabalhar e só voltava para casa à noite. A maioria dos ambientes destinados ao convívio social eram utilizados somente nos finais de semana. Atualmente, isso mudou”, afirma Jorge Pessoa, professor de Design de Interiores da Panamericana Escola de Arte e Design. Para ele, as pessoas estão precisando se reinventar e o mesmo acontece com os espaços.
Não é à toa que, segundo a pesquisa mensal de comércio do IBGE, as vendas de móveis no varejo, no estado de São Paulo, cresceram 37,9% em agosto de 2020 se comparadas ao mesmo mês do ano anterior. Novo hábitos trazem novas necessidades. Outro bom exemplo disso é o aumento da procura pelos termos “home office”, “trabalhar de casa” e “trabalho em casa” nos mecanismos de busca na internet. Segundo o Google Trends, as pesquisas nesse sentido atingiram o nível mais alto na plataforma desde 2004.
“É claro que, hoje, as transformações são todas permeadas pelo digital e pela tecnologia”, analisa o professor. Porém essa não é a primeira vez na história da humanidade que uma epidemia é fator crucial para a reinvenção dos moldes de design para as residências. Boa parte do que se vê no design de interiores e no design de mobiliário contemporâneos surgiu em decorrência de outras grandes crises de saúde pública, como, por exemplo, a pandemia de gripe espanhola de 1918.
Até então, as pessoas estavam acostumadas a viver em casas escuras, com cômodos sem janelas, sem ventilação, sem entrada de luz natural e usavam móveis sem muita definição de função. Foi exatamente a preocupação com o fato da não circulação de ar facilitar a proliferação de doenças que gerou uma mudança de paradigma na esfera da arquitetura e urbanismo, e deu início à construção das casas com um maior número de janelas como as em que moramos nos dias atuais.
Outro exemplo é a invenção dos guarda-roupas. No século 18, por conta da falta de mobiliários adequados para tal propósito, a maioria das roupas e pertences das pessoas eram guardadas amontoadas em baús. Como a prática propiciava a proliferação de vírus e bactérias, a primordialidade de facilitar a limpeza, não apenas dos cômodos, mas também das roupas, desencadeou a criação dos móveis como conhecemos hoje. O fato é que, com a necessidade da evolução do modo de viver por questões de saúde, a arquitetura e o design precisaram exercer seu papel social e acabaram por se reinventar.
Assim como aconteceu no passado, o novo modo de vida imposto pela pandemia de Covid-19 também está gerando novos hábitos que possivelmente transformarão para sempre o design de mobiliário e de interiores. Entender e respeitar as necessidades e particularidades de cada indivíduo é a principal função dos designers responsáveis por projetar nossas casas e, com a quantidade enorme de mudanças que a sociedade vem sofrendo, os ambientes em que vivemos também serão obrigatoriamente transformados.
“É absolutamente natural que, durante a crise, os espaços residenciais sejam reavaliados. Além da maior atenção aos ambientes cuja falta de elementos para um melhor convívio e bem-estar foram evidenciados neste momento de pandemia, a preocupação com a higiene passou a ser primordial”, diz Pessoa. Assim como partir do século 19, os azulejos brancos tiveram seu uso em casas popularizado, por serem associados à limpeza, durante a pandemia de coronavírus, a criação de espaços para higienização nas entradas das residências e a forte tendência de separar a área externa da área interna parecem ter vindo para ficar. Cada vez mais pessoas passaram a adotar o hábito de tirar os sapatos antes de entrar em casa e a criação de sapateiras adequadas para deixá-los do lado de fora ou na entrada dos lares é uma forte tendência para o design de mobiliário.
Outro conceito que está se reinventando durante a pandemia é o do hall de entrada tanto de casas, quanto de prédios. Com o aumento vertiginoso das compras pela internet e pedidos de comida por aplicativos, as entradas dos condomínios e residências precisaram passar por mudanças e passaram a ser reformuladas como espaços pensados para melhorar a dinâmica das entregas, para que elas sejam mais práticas e seguras. O mesmo acontece com recepções e salas de espera de ambientes corporativos. Esses espaços foram repensados e redecorados, com mobiliário adequado para manter o distanciamento que o momento requer.
O foco no bem-estar e na sensação de aconchego dentro de casa também têm promovido mudanças tanto no design de interiores quanto no design de mobiliário. A criação de espaços verdes para conexão com a natureza dentro de apartamentos, o melhor aproveitamento da iluminação natural, a busca por humanizar os espaços e ter com eles uma relação mais próxima, e a valorização da sustentabilidade são algumas das muitas outras tendências que a pandemia antecipou. Todas essas mudanças são oportunidades de reinvenção para o mercado do design.
Profissionais com conhecimentos de neurociência aplicada ao design, capazes de focar na real necessidade do usuário e de contribuir para propósitos relevantes serão cada vez mais valorizados na busca por ambientes seguros, aconchegantes e funcionais. “É difícil prever com exatidão qual será o real impacto do coronavírus no design de mobiliário e de interiores a longo prazo. Mas é certo que as novas perspectivas e interesses vêm provocando transformações significativas e irreversíveis no modo de vida da sociedade”, avalia o professor da Panamericana. A necessidade sempre foi a grande mãe da maioria das invenções da humanidade e, diante da pandemia, o grande desafio do design passou a ser a capacidade de se antecipar às novas demandas e criar soluções individuais e coletivas para diminuir nossa vulnerabilidade em relação ao vírus da covid-19. Reinventar-se se tornou urgente para todos os setores da economia criativa.