ESTILO

Os empreendedores com trabalho pioneiro em Curitiba

Apresentamos cinco desses que mostram como viabilidade financeira, ideais e valores pessoais podem caminhar juntos

Longe do radar tradicional, surge uma geração que está dando outra cara à cidade. Apresentamos cinco desses empreendedores, que mostram como viabilidade financeira, ideais e valores pessoais podem caminhar juntos

Patricia Bandeira, 41 anos, empresária

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Num domingo, no meio de uma multidão que tomava a Rua São Francisco, Patricia Bandeira acompanhava as batidas de hip-hop ao ar livre. A proprietária do Negrita, bar inaugurado em 2014 na mesma rua, é assim: entusiasta da diversidade cultural e engajada com o seu entorno, sobretudo a São Francisco, símbolo de uma tendência atual: a ocupação do espaço público.

Tomada de ação

Enquanto o assunto é debatido – não somente em Curitiba, mas em cidades como São Paulo e Nova York –, Patricia vivencia essa transformação diariamente. Mais do que com a crise, ela, que retornou à cidade natal depois de 15 anos na Europa, se preocupa com segurança, drogas, preconceito e segmentação, sobretudo na região entre as ruas Riachuelo e Presidente Faria. “Todo mundo fica batendo na tecla, ‘vamos ocupar o espaço público’, mas não quer se misturar.” Ao tomar posicionamento, se associar a comerciantes e promover eventos culturais, busca contribuir nessas questões.

União pelo samba

“Quando a gente começou a fazer eventos grandes na rua, escolhia sempre o samba como temática, porque pessoas de todos os tipos gostam. Vinham famílias, gente mais velha, os próprios adolescentes que frequentam a rua, branco, preto, colorido… E nunca teve uma briga, um desentendimento, nunca a polícia foi chamada. Fizemos evento para 1 mil, 1,5 mil pessoas.”

Para toda la gente

Não por acaso, esse é o slogan do Negrita, e se refere a uma relação da qual Patricia sente falta no Brasil: a coexistência respeitosa entre diversos grupos, de idades, perfis e classes sociais diferentes. Para ela, essa mistura contribui para o uso do espaço público. “Existe uma aceitação maior do comportamento dos outros, uma adequação quando as pessoas estão mais misturadas”, explica. Com novos edifícios (comerciais e residenciais) sendo construídos no entorno, e se mais imóveis forem ocupados, a empresária espera maior fluxo e diversidade de pessoas na região.

Léo Moço, 36 anos, empreendedor

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O sotaque e a pontualidade têm resquícios cariocas, mas a terra que Léo Moço adotou é paranaense. Em Curitiba, o barista abriu sua loja há dois anos, servindo exclusivamente café – e do Paraná –, e criou o Café Urbano, que produz a bebida a partir de pés plantados na capital. No segmento de cafés especiais, já era considerado um dos primeiros e melhores, como atesta o título de bicampeão brasileiro de barista.

Agora, Léo se coloca o desafio de produzir café no estado e questionar o que era consenso no meio: a ideia de que o terroir determina a qualidade.

De onde vem o sabor

Em 2007, ao notar semelhanças entre os cafés de uma fazenda no Espírito Santo e da Etiópia, começou a se perguntar o porquê disso, já que terroirs diferentes deveriam resultar em sabores diferentes. Procurando similaridades, Léo reparou que ambos tinham colheita selecionada, à mão, de frutos maduros, além de atenção à secagem e à fermentação do grão.

O Café Urbano comprovou sua teoria de que uma boa bebida não depende do terroir, mas que o sabor pode ser determinado pelo processamento. No caso, surgiram notas mais complexas, frutadas e florais, mesmo vindo de ruas e quintais da cidade – o contrário do café amargo e menos complexo que se atribuía ao Paraná.

Estudo e resultado

Ao contrário do vinho, Léo considera o entendimento do café e do seu processo até a xícara muito básico, até por ser um interesse recente. O que muda durante a torra? Quais componentes há dentro de um grão? Formado em análise de sistema e nutrição, Léo era especialista em microbiologia e trabalhava com fermentações, o que pode ter contribuído para seu atual interesse.

“É uma forma de aprender mais, porque trabalho com os produtores uma melhora de qualidade, enquanto que se compro de uma fazenda reconhecida, nunca vou entender por que ele chega nesse sabor.” E entendendo melhor a torrefação, por exemplo, Léo acredita que ela possa atingir um potencial que hoje é limitado.

Red foot

Expandindo o projeto, Léo passou a abordar pequenos produtores do Centro-Norte do estado para compartilhar seu conhecimento e substituir quantidade por qualidade. “Realmente, você tem resultados que não deixam a desejar a nenhuma região brasileira”, conta o empreendedor, que recentemente levou seu Red Foot a uma prova na Espanha, onde foi confundido com o produto da América Central.

O café foi ainda vencedor do último campeonato brasileiro de barista e teve uma valorização de cinco vezes no preço. A próxima colheita, fruto de parceria com um produtor local, será testada na etapa mundial do campeonato, em junho, na Irlanda.

Bruna de Camargo, 25 anos, idealizadora do Das Nuvens

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A rotina no Das Nuvens é marcada por – além de uma vista incrível – uma constante troca de ideias, fluxo de gente criativa e projetos colaborativos. Criado em 2015 por Bruna de Camargo, Karla Keiko e Anni Hirami, o espaço no topo da Galeria Tijucas realizou dezenas de eventos culturais, recebeu pessoas dos mais variados perfis e despertou em tantas outras a vontade de fazer. Fazer o quê? Pois o que quiserem. Não é fácil definir o Das Nuvens, mas talvez não importe. Interessa como as coisas acontecem.

Organismo vivo

Inicialmente pensado como um espaço de coworking, o “Das” foi se transformando de acordo com o perfil de suas idealizadoras e dos residentes, como é chamado quem aluga espaços de trabalho na casa. Tornou-se um ambiente muito mais livre, acolhedor e marcado pelo afeto, em que não raro amigos, conhecidos ou desconhecidos aparecem para tomar café e conversar.

Hoje, a designer nascida em Joinville, que demorava 10 minutos para explicar o conceito, o resume como um “espaço colaborativo e criativo com residência artística”.

Nutrir sementes

O público principal parece compartilhar os ideais do projeto – consumo consciente, mercado autossustentável, cocriação, foco mais no ser humano e menos no dinheiro –, mas o trio os tem passado adiante. A programação diversificada atrai gente diversa, de todas as idades, formações e credos – o que por si só amplia visões de mundo, de ambos os lados. “A gente quer despertar sonhos e fazer com que as pessoas vejam outras possibilidades”, explica Bruna.

“Que cheguem aqui e falem ‘acho que consigo fazer realmente o que eu quero’, podendo não depender tanto de um mercado que é brutal.” Daí a importância do ambiente da casa que, por mais utópico que soe, é inspirador ou, no mínimo, contagiante.

Viabilidade financeira

“A gente vive esse sonho e tem que ganhar a vida com ele”, resume a designer. Residências, produção de eventos, curadorias e cursos geram a maior parte da verba. Se ela é indispensável, sua falta é contornável. O Das Nuvens tem uma rede de colaboradores que lhe permite realizar projetos como o Tijucão Cultural, evento que ocupa o Edifício Tijucas com produtores locais e que na segunda edição levantou R$ 40 mil em mão de obra e equipamento por meio de apoiadores. “É um mercado em que não circula só dinheiro, mas o lado humano e trocas significativas”, ressalta.

Modelo de exportação

Num fim de tarde de março, Bruna, com seu jeito tranquilo, ponderava que hoje ainda seria utópico aplicar um sistema similar ao Das Nuvens, baseado em valores que não podem ser calculados, a uma cidade. “Mas são modelos que estão quebrando aos poucos certas barreiras de entendimento”, ela conclui. “É um mar de gente se tornando cada vez mais adepta do modelo de não ver o dinheiro como a única solução.”

André Marim, 30 anos, CEO do Fleety

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Economia de compartilhamento e mobilidade, mudança cultural e racionalidade. Essas são as bases do Fleety, empresa de car sharing lançada em Curitiba no final de 2014, pelo trio de engenheiros Israel Lote, Clayton Guimarães e André Marim. Eles sabem que alugar um carro para outra pessoa pela internet pode soar estranho num primeiro momento – o empreendimento foi pioneiro na América Latina –, mas a iniciativa vem se mostrando em plena sintonia com seu tempo. Depois da capital paranaense, São Paulo e Florianópolis, o Fleety chega ao Rio de Janeiro – e já mira Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília.

Uso inteligente

O clima do QG, no Jardim Botânico, soa descontraído – logo se vê anotações para um bolão entre os 12 funcionários, uma bicicleta elétrica estacionada e um Playstation, por ora desligado. Esse clichê, no entanto, é superado logo que André começa a falar sobre o negócio, do qual é CEO. A proposta é o “uso inteligente” do carro. Ao invés de deixá-lo na garagem por 22 horas do dia, como acontece, você pode alugá-lo a quem não possui, mas eventualmente precisa de um carro, seja por uma hora ou vários dias.

Benefícios e atrativos

Entre os elencados por André estão a retirada de veículos da rua, ajuda com o custeio do carro e melhor utilização de recursos. O valor da diária pode variar entre R$ 50 e 
R$ 500, dependendo do modelo do carro. No caso de básicos, a empresa calcula que pode chegar a 70% do cobrado por uma locadora.

O faturamento dos usuários varia. Um deles chegou a faturar R$ 14 mil em um ano. Outro atrativo é a pessoalidade: quem aluga um carro em Curitiba geralmente encontra um guarda-chuva à sua disposição (os mais sortudos, chocolate). No período de locação, os carros estão assegurados pela própria companhia.

Quem usa

O usuário costuma ter entre 25 e 35 anos, sendo a proporção de homens e mulheres bem equilibrada. Adere-se ao serviço por dois motivos principais, que acabam convergindo: pela mudança cultural, porque acredita no valor do compartilhamento ou por benefícios mais imediatos, como preço e comodidade. A empresa, em processo de levantar capital, não revela o número total de usuários.

Filosofia de compartilhamento

O CEO argumenta que, no atual momento da sociedade, marcada pela conscientização de que os recursos naturais não são infinitos e por reflexões pós-crises econômicas, começa-se a repensar o modelo de consumo. “Na maioria das vezes, a gente já tem tudo o que precisa instalado na sociedade”, explica. “A grande questão é que ainda utilizamos as coisas de forma pouco racional. A gente volta, então, a uma mentalidade de ‘escambo digital’: volta aos tempos em que se trocava as coisas, mas de uma forma digital e mais eficiente.”

Julie Fank, 28 anos, escritora e professora

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A professora jovem e tímida vem fomentando um burburinho na literatura curitibana (e superando esses clichês). Julie Fank, mestre em Letras e doutoranda em Escrita Criativa, arriscou um empreendimento próprio na área de seu doutorado, que apenas começa a se popularizar no Brasil. Desde 2015, sua Escola de Escrita oferece cursos de literatura e escrita criativa com profissionais respeitados do meio, e já tem demanda em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Goiás, além do interior do Paraná.

Assunto em alta

Dois andares de um antigo casarão na Rua Riachuelo, no Centro de Curitiba, abrigam os cursos e eventos da Escola. Em destaque, as aulas de escrita criativa abordam a produção de conteúdo escrito em diversas plataformas – não apenas o texto tradicional, mas ligado às artes visuais ou pensado para a web, como folhetins virtuais –, por meio de exercícios de criatividade e técnicas de redação.

O tema rendeu até mesmo um curso de graduação na PUC gaúcha, que forma criativos para diversas áreas do mercado de trabalho ou mesmo escritores.

Novas metodologias

Um diferencial importante da Escola é a metodologia aplicada, e esta se relaciona à história pessoal de Julie. Filha de uma professora de educação artística, ela cresceu em escolas de arte, que moldaram seu olhar.

A perspectiva criativa, no entanto, se frustrou na graduação de Letras e enquanto professora de cursos preparatórios de vestibular ou de redação comercial. “A escola é castradora e se atém a metodologias prontas de muitos anos atrás, sem pensar num olhar um pouco mais novo para a escrita”, avalia.

Todos os públicos

Num momento em que se escreve e lê muito mais – não necessariamente com qualidade, observa a empreendedora – por causa da internet e das redes sociais, cresce a preocupação com o texto. Os alunos são desde jovens e aposentados, interessados no currículo ou no crescimento pessoal, ou jornalistas e aqueles que almejam tirar o manuscrito da gaveta e finalmente publicá-lo.

Pretensões literárias

Entre 70% e 80% dos alunos desejam se profissionalizar como escritores, calcula Julie. Os números acompanham o que aparenta ser uma tendência nacional, intensificada por blogs e vlogs, e uma potência local. Nesse caso, além de cursos voltados a gêneros específicos, os alunos adquirem entendimento consciente do que é a escrita. “Ela faz parte de uma junção de repertório, de leitura, de técnica de texto, de uma marca autoral”, resume a professora e escritora.

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