ESTILO

O maior museu é a rua

Em entrevista exclusiva à TOPVIEW, o muralista Eduardo Kobra fala sobre a importância da expressão artística e o que deseja para o futuro

Marginalizada por muito tempo, a arte de rua voltou a florescer não apenas com a música e a dança, mas, sobretudo, por meio dos grafites que estampam prédios, fachadas e arranha-céus das grandes cidades. Entre os expoentes desse processo de acessibilizar a arte, está Eduardo Kobra. Paulistano e autodidata, Kobra começou na clandestinidade, como pichador, durante a adolescência.

Nos anos 2000, o muralista teve destaque na mídia e sua arte ganhou as ruas de Nova York, do Rio de Janeiro e de Amsterdã. Hoje, ele detém o recorde de maior mural grafitado do mundo (o Etnias), uma homenagem aos Jogos Olímpicos do Rio. Somando histórias, o artista utiliza sobretudo imagens históricas e degrandes personalidades, de Einstein ao Mestre Yoda, para falar de meio ambiente, paz e união entre os povos. Infelizmente, grande parte de seus projetos já foram apagados por prefeituras e empresas privadas. Uma de suas obras mais famosas, O Beijo, executada em 2012 em Nova York, foi apagada em 2016. Sua homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer, na cidade de São Paulo, também dá sinais de que vai ser apagada em breve.

Nos próximos anos, Kobra irá pintar parte do edifício Croma, da Construtora Piemonte. Será sua primeira grande intervenção na cidade de Curitiba. Em visita ao empreendimento, conversei com ele para entender suas razões, motivações e o legado que pretende deixar para o mundo — não só o das artes.

“Eu acho que meu sonho é dar vida ao sonho de tantas outras crianças por meio do meu trabalho”, diz o artista.

Malu Rogers e Eduardo Kobra. (Foto: Marcelo Elias)

Quais são suas principais referências no mundo da arte?

Minhas principais inspirações estão relacionadas ao meu dia a dia, o que eu vivo no mundo da arte, as pessoas com as quais eu me relaciono, os países por onde passo, as conexões com a fé e os povos. Não há muita diferença entre quem eu sou e o que eu transmito no meu trabalho.

Se uma criança chegasse para você e falasse que gostaria de ser artista, o que você falaria para ela?

Se você é artista, você sempre vai ser artista. A questão é seguir em frente, acreditar e não abandonar. A arte não é diferente de qualquer outra profissão. É necessário talento, dom, intuição? Sim. Mas também é preciso dedicação, pesquisa, esforço e estudo. Só dessa forma é possível encontrar um caminho e poder se desenvolver por meio da sua própria história.

Em que momento você decidiu que era isso que você queria para o resto da sua vida?

Acho que não é uma questão de opção. Eu pensei em desistir das outras profissões que tive. Mas, em relação à arte, isso nunca passou pela minha cabeça. Eu ia pintar, independentemente das pessoas gostarem ou não, de vender ou não. Assim como eu tinha aos 9 anos, eu tenho hoje, aos 46, a mesma emoção de pintar, de subir as escadas, de criar.

Muitas das suas obras já foram apagadas. O que você acha disso?

Faz parte do processo de pintar na rua. Porém, acho que isso deve ser mudado. A gente entra no museu e vê obras de 500 anos e elas estão lá até hoje porque alguém está cuidando. Por que não fazer isso com obras de street art? Inclusive com leis de pro- teção para que as próximas gerações possam ter acesso a esses trabalhos.

Qual é o seu maior sonho enquanto muralista?

O meu maior sonho está ligado ao legado que eu pretendo deixar. A arte é infinita, a gente sempre tem algo a aprender. Eu acho que o meu sonho é dar vida ao sonho de tantas outras crianças por meio do meu trabalho.

Você tem alguma galeria que o represente? Ou optou por seguir um caminho independente?

Eu tenho um time super-reduzido que cuida da maior parte das obras, convites e contatos. Mas, em relação aos trabalhos em tela, eu tenho, sim, uma parceria com uma galeria de Israel.

Desmistificar a arte, você acha que é aí a sua praia?

O brilho do meu trabalho é estar na rua, em conexão com as pessoas, poder receber diretamente esse retorno — desde de pessoas instruídas até as mais simples. O interessante da arte são as portas que se abrem, é um grande privilégio ser artista. E ser artista no Brasil é superimportante, pois as dificuldades que eu tive na periferia me fortaleceram e me fizeram investir mais no que eu acreditava.

Novo mural de Eduardo Kobra, o primeiro na região do Minhocão, em São Paulo. (Foto: Drone Cyrillo)

*Matéria originalmente publicada na edição #249 da revista TOPVIEW. 

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