ESTILO

O chef de um dos restaurantes mais inovadores do país

Este o ano, Rodrigo Oliveira recebeu uma cobiçada estrela Michelin no Esquina Mocotó, localizados na Vila Medeiros, São Paulo

Chegar ao Mocotó e ao Esquina Mocotó, restaurantes do chef Rodrigo Oliveira, localizados na Vila Medeiros, Zona Norte de São Paulo, é dar de cara com a sua principal característica: conciliar ideias e conceitos só aparentemente incompatíveis.

Não fosse a fila na porta, quem passa pela Avenida Nossa Senhora do Loreto – distante do hype de outras regiões mais conhecidas da capital paulista –  talvez nem imagine que naquele prédio despojado, vizinho a pequenos estabelecimentos de bairro, como farmácias e lojinhas de roupa, funciona um dos poucos restaurantes que contam com uma estrela Michelin no Brasil – no caso, o Esquina Mocotó, que ganhou sua primeira estrela este ano.

A próxima surpresa é justamente entender que se a marca Mocotó chegou aonde está não foi apesar da Vila Medeiros, mas também por causa dela. A simplicidade, a modéstia e a legítima hospitalidade com que o restaurante original trata seus clientes são fruto de uma história feita de “coisas simples”, que começou há mais de 40 anos com o seu Zé Almeida, pai de Rodrigo, quando o chef ainda nem era nascido. “Nós não viemos de carro, nem de avião. Viemos até aqui de pés no chão, com nossas sandálias, a crença numa mão e o sonho na outra”, explica o chef, filho de pernambucanos.

Provavelmente, essa maneira de enxergar a natureza do negócio fez com que o reconhecimento do guia mais famoso do mundo, obtido pela primeira vez há quase três meses, tenha tido efeito mais no imaginário dos clientes do que na equipe do Mocotó, formada em grande parte por pessoas do bairro. “A estrela equilibra seu brilho com seu peso”, filosofa Rodrigo, com sabedoria de sertanejo. Nesta entrevista exclusiva, Rodrigo conta um pouco mais do seu trabalho.

Top View: Você, com o Mocotó, tornou-se referência da cozinha de origem, que valoriza fortemente as identidades regionais brasileiras. Como enxerga esse movimento hoje no Brasil?

Rodrigo Oliveira:  Devemos olhar para o nosso quintal sem dar as costas ao mundo. A nova cozinha brasileira hoje floresce junto com o novo entendimento da brasilidade, deixando de lado o folclore ou as caricaturas, e evoluindo. Parte da energia desse movimento vem de jovens chefs que correram o mundo e trouxeram na bagagem a experiência e o desejo de construir a nova gastronomia brasileira.

TV: Falando em cozinha regional, quanto você conhece da paranaense? Conhece os chefs de Curitiba? Destaca alguma experiência gastronômica na cidade ou no Estado?

RO: Tenho grandes amigos em Curitiba e pelos quais tenho enorme admiração. Para citar apenas alguns, Manu Buffara, Ivan Lopes, Junior Durski e Celso Freire. Das lembranças gastronômicas, a que me comove mais é do barreado em Morretes, viagem e prato inesquecíveis.

TV: Você é considerado um chef inovador. Qual é o peso da inovação na sua cozinha?

RO: Tradição é a inovação que deu certo, que se fixou. É um equívoco imaginar que inovar é criar algo do zero. Se você fizer um paralelo com a música, a poesia, a pintura, verá que os maiores inovadores foram artistas com forte laço com a tradição, basta conferir em Villa-Lobos, Tom Zé, Haroldo de Campos, Tarsila do Amaral. No Mocotó, por exemplo, pode parecer que a gente faz a mesma receita há 40 anos. Isso é verdade por um lado, por outro, estamos inovando dentro dela a cada dia, melhorando técnicas, produtos, processos, enfim, procurando fazer todos os dias melhor o que fizemos de bom ontem.

TV: Hoje, o Mocotó já tem “crias”: Esquina, Café e food truck. De que forma essa multiplicação impacta sua vida e sua cozinha?

RO: Para nós, abrir um novo negócio requer muito mais do que uma boa oportunidade comercial. Precisa ser algo que complemente as nossas operações, estimule nosso pessoal, desafie nossa imaginação. A gente recebe muitas propostas de novas oportunidades comerciais, mas penso que ainda estamos com o pé no chão na cozinha e a cabeça nas nuvens, e vamos respondendo aos estímulos que vão se apresentando de forma orgânica. O Esquina nasceu da necessidade de desenvolvermos uma cozinha que abrigasse os outros sotaques da nossa Pauliceia e da oportunidade do imóvel vizinho; o café, da amizade com Alex Atala e de seu necessário projeto do Instituto ATÁ (que busca rever a relação com a comida) – não tinha como ficar de fora de uma convocação dessas –; o food truck, de um projeto interno de nosso pessoal – eles nos convenceram da pertinência do negócio.

TV: Se os realities de culinária nos ensinaram uma coisa, foi que o ambiente nas cozinhas profissionais pode ser extremamente tenso. Mas você é conhecido por apostar bastante na humanização dessa relação e na valorização da equipe. Como lida com essa questão?

RO: Penso que com a exposição, a expansão da nossa indústria, dos cursos, a coisa tenha mudado um pouco; recebemos aproximadamente cinco pedidos de estágio por dia. Gente que vem de todo lugar, inclusive de nossa redondeza. Claro que não é possível absorver esse fluxo todo, mas o que a gente continua privilegiando é a identidade com nossos propósitos, a vontade de crescer, vencer e uma disposição inegociável de fazer bem feito. Com pessoas que tenham esses ingredientes, não é difícil manter um clima de equipe, de time. O Engenho (que fica no restaurante) funciona como um centro de aprimoramento de nossos meninos, mais do que de formação, onde eles têm acesso a cursos, palestras, biblioteca, enfim, um ambiente para continuar a crescer permanentemente.

TV: Faz pouco mais de uma década que você assumiu o Mocotó e o transformou em um dos restaurantes mais famosos do Brasil. Nesse meio tempo, você se tornou um chef conhecido nacional e internacionalmente. E agora? Quais são seus planos para daqui em diante? 

RO: Um pouco do que respondi acima, que tem virado um verdadeiro mantra aqui nos nossos restaurantes: fazer melhor hoje o que fizemos de bom ontem. No nosso negócio, manter-se é muito mais difícil do que atingir algum sucesso. Ao lado disso, aprendi com meu pai que é preciso não esquecer nunca aquelas pequenas coisas que nos trouxeram até aqui. Nós não viemos de carro, nem de avião. Viemos de pés no chão, com nossas sandálias, a crença numa mão e o sonho na outra. É dessas coisas simples que é feita nossa história. É isso que tento passar para as “minhas mulheres” (Ligia, a esposa, e as filhas Nina, Flor e Cora), para ver se, repetindo para elas, lembro a mim mesmo todos os dias.

TV: Quase três meses após a notícia de que o Esquina Mocotó foi estrelado no Michelin, já deu para fazer uma análise dessa conquista e o que ela representa para o restaurante? 

RO: Foi um reconhecimento que nos tocou profundamente. Sendo honesto com você, a gente trabalha duro, todos os dias, para nos superar, claro, para agradar as pessoas e isso inclui os especialistas, entre os quais o pessoal do Michelin, uma referência no mundo e no tempo. Ganhar esta estrela foi uma alegria para todo nosso pessoal, foi uma festa no primeiro dia, com reflexos inclusive no nosso movimento, mas, passada a festa, sentimos que esta estrela equilibra seu brilho com seu peso – temos que nos esforçar para merecê-la não só até aqui, mas, sobretudo, daqui para a frente, todos os dias.

*Matéria publicada originalmente por Marcelo Vieira na edição 189 da revista TOPVIEW. 

Deixe um comentário