Nova onda
por Greyci Casagrande fotos Walter Morgenthaler produção Marina Morgenthaler
Há algum tempo fui provar o barreado de um novo restaurante que acabara de abrir em Morretes, no litoral do Paraná. Tempero na medida certa, carne desmanchando, lugar agradável… Mas o que me chamou a atenção foi um filé de peixe servido junto com o prato paranaense. Ao questionar o garçom sobre a procedência do pescado, a surpresa: era do Vietnã.
O fato reflete uma realidade bastante atual: grande parte dos peixes que consumimos por aqui, na verdade, não são daqui. Em 2011, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) constatou que dos 11,7 kg de peixe consumidos por habitante ao ano no Brasil, 60% vinham de fora do país. Na peixaria de Paulo Mozer, no Mercado Municipal de Curitiba, os pescados paranaenses dividem espaço com vieira canadense, king crab e alabote do Alasca, pescados chilenos, polvo e mariscos da Espanha.
Para Ricardo Maranhão, coordenador do Centro de Pesquisas em Gastronomia Brasileira da Anhembi Morumbi e doutor em História da Alimentação, isso ocorre principalmente pela má distribuição dos pescados brasileiros. “Os peixes aqui no país estão relacionados a grandes redes de distribuição, por isso, chegam ao consumidor com o preço muito alto”, destaca. Além disso, quando a indústria se torna a principal fornecedora de pescados, restringe a oferta a poucas espécies, desencadeando o segundo fator responsável pelo baixo consumo de peixes nativos: o desconhecimento da população, condicionada a consumir apenas as espécies vendidas em supermercados. “É difícil para a população aceitar um peixe que não conhece”, explica Maranhão.
João Soto, chef do Bar Jacobina, também destaca os problemas de logística como um grande empecilho e admite que sem o incentivo da produção local os chefs e donos de restaurantes ficam à mercê de poucas espécies. Quando comandava a cozinha do Carmina Bistrô, ele tentou inserir algumas espécies de peixes nativos da água doce no cardápio, mas não encontrou fonte regular de distribuição em Curitiba.
E João não é o único que tenta trabalhar com espécies daqui. No Pier do Victor, a chef Eva dos Santos costuma usar Miraguaia (Piraúna), Olhete, Garoupa, Prejereba, Linguado, Pescada Amarela, Congrio e Dourado do Mar (na próxima página ela prepara com exclusividade uma receita com este peixe), todos encontrados no Paraná. Mas admite que não é fácil. “Conseguir quantidade com qualidade, no prazo de entrega e com preço acessível é a equação do desafio”, define.
TENDÊNCIA QUE ENGATINHA
Timidamente, Eva e João tentam utilizar em seus restaurantes peixes regionais e da estação – os chamados peixes sazonais – pregando uma tendência identificada pela coolhunter Paula Abbas como zero quilômetro food (ou “a comida que não viaja”). O conceito, adotado por restaurantes do mundo todo – inclusive pelo dinamarquês Noma, eleito em 2014 o melhor do mundo pela revista britânica Restaurant – prega a valorização dos ingredientes regionais e da sazonalidade. Ou seja, o chef trabalha com os ingredientes que a natureza dispõe no momento.
De acordo com a Superintendência Federal da Pesca e Aquicultura do Paraná, braço do MPA no Estado, o panorama do desenvolvimento da pesca e aquicultura por aqui é otimista. De 2011 até hoje, por exemplo, a produção anual de pescados cresceu três vezes mais – de 25 mil toneladas naquele ano para 75 mil. Ainda assim, João garante que, por aqui, o cenário está longe do ideal. A começar pelo próprio chef de cozinha que assume o papel de “predador”. “Os chefs precisam parar de cozinhar apenas para o cliente e voltar a cozinhar de forma consciente, respeitando os limites da natureza”, diz. Aí entra também a conscientização dos consumidores que, segundo ele, não respondem bem quando um determinado pescado sai do cardápio.
À frente do Mukeka Restaurante, o chef Ivan Lopes é outro fã de peixes e apreciador das espécies paranaenses. Ao preparar o prato que dá nome ao lugar, ele utiliza sempre um pescado diferente. Na hora de escolher, um dos critérios usados, sem dúvida, é a sazonalidade. “Também aproveito a espécie da época no Peixe do Dia, que oferecemos no restaurante.” Além de contar com um produto fresco, o fator sazonal tende a baratear o custo e a beneficiar a biodiversidade, já que contribui para a preservação das espécies.
O segredo, segundo ele, é trabalhar com flexibilidade e não ter um peixe fixo no cardápio. “Lidar com pescados é uma verdadeira dança das cadeiras. A gente tem que aprender a trabalhar de acordo com o mercado”, destaca Lopes. João Soto considera fundamental a busca de outros produtos, para desbravar novos sabores – como os peixes de água doce, pouco consumidos por aqui.
Em virtude da piracema – período em que ocorre a reprodução e desova de algumas espécies de rios e reservatórios, que vai de 1º de dezembro a 28 de fevereiro –, fica proibida a captura de peixes de água doce nativos neste momento. A ocasião, segundo João, limita ainda mais o chef ou dono de restaurante. “Se houvesse um incentivo maior na produção de peixes pouco conhecidos, seria bem melhor”, acredita.
RECEITA
Dourado do Mar na brasa com legumes orgânicos da época
por Eva dos santos
Tempo de preparo: entre 20 e 25 minutos
Rendimento: duas porções
Grau de dificuldade: fácil
Harmonização: Riesling ou Sauvignon Blanc.
Você vai precisar de:
• Panela de vapor
• Churrasqueira
• Duas grades para peixe com prensa
• 1 saco de carvão de 5 kg
Ingredientes:
• 400 gramas de Dourado do Mar fresco
(dividido em dois filés)
• 100 ml de azeite extravirgem português
• 1 colher de flor de sal
• Legumes à escolha (sugestão: brócolis, couve-flor,
vagem, abobrinha, ervilha torta, cogumelos,
tomate-cereja, cenoura, batata-pérola, cebola roxa)
• 1 kg de gelo para blanchear (parar o cozimento)
dos legumes
Modo de preparo:
Reserve os filés de Dourado do Mar besuntados em metade do azeite de oliva. Em uma panela de vapor (ou no forno a vapor, ou mesmo em água fervendo), comece a pré-cozer os legumes. Cozinhe primeiro a batata-pérola com casca e as cenouras por cerca de 20 minutos. Retire da panela e reserve. Em seguida, cozinhe o brócolis e a couve-flor por 10 minutos. Retire da panela e jogue em água com gelo até continuar verde e interromper o cozimento. Cozinhe a abobrinha, a ervilha torta e a vagem por sete minutos. Separe e coloque em água gelada para manter a cor viva. Corte a cebola roxa em nacos e reserve. Corte os cogumelos em quatro pedaços e reúna com os tomates-cereja inteiros. Reúna todos os vegetais e tempere com o restante do azeite e flor de sal. Reserve.
Pré-aqueça a churrasqueira. Quando o fogo já estiver baixo, só na brasa, disponha os filés besuntados com azeite na grade e deixe assar na brasa por 20 minutos. Vire sempre com muito cuidado. Quando o peixe estiver quase pronto, repita o mesmo processo com os legumes. Besuntados em azeite e flor de sal, coloque-os presos na grade e leve para assar na churrasqueira. Quando ambos estiverem prontos, sirva imediatamente. Polvilhe o peixe com flor de sal.