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Na mesa com estranhos: entenda a tendência das mesas compartilhadas

Item comum em cafés e restaurantes europeus, as mesas compartilhadas ganham destaque na capital curitibana — entre a desconfiança e a adesão com boas experiências

Ao entrar no Oidē, você pode escolher sentar no balcão em frente do bar ou naquele de frente para a janela, na mesa grande, que acomoda até quinze pessoas, ou na mesa redonda para até sete clientes. Só não é possível optar pela privacidade: mesas compartilhadas comandam o lugar. Na padaria Pão Prosa, até é possível sentar em casal ou sozinho nas mesas externas, mas a maior atração do espaço é uma mesa imensa, com 24 lugares.

“Nosso objetivo é incentivar essa ideia de coletivo. Ao sentar juntos, acaba-se criando uma química, esse clima legal na mesa, e as pessoas conversam entre si”, conta Fabio Guerra, proprietário da padaria, que mantém a mesa compartilhada há sete anos. O móvel representa, também, o slogan — “coletive-se” — e a vibe de aconchego da Pão Prosa — bem casa de vó em um domingo de almoço em família.

As mesas compartilhadas, em que você pode sentar ao lado de desconhecidos, já são comuns em vários países. Em 2009, o jornal inglês The Guardian publicou um texto sobre a recém-chegada tendência com o questionamento: “nós, britânicos, temos um problema em compartilhar?” Se a mesma pergunta fosse feita aqui, na Curitiba de 2019, a resposta para vários locais seria… não!

Karla Keiko, proprietária do Oidē, que se baseia inteiramente no compartilhamento, conta que em apenas três meses de existência do restaurante-bar-café, ela já presenciou muitas histórias de encontros. “Além de dividirem a mesa, as pessoas saem de lá amigas”, resume. Na contramão da individualidade física mediada pelo compartilhamento virtual, os mesões resgatam, também, a noção de refeição como um ritual coletivo.

Há, ainda, é claro, aqueles que defendem o estereótipo antigo de um curitibano fechado e introvertido. Keiko não apenas discorda dessa fama de antipatia, como questiona se algum dia ela já representou a realidade. “Quando estávamos na parte de idealização do conceito do projeto, escutamos de muita gente ‘vocês estão loucos, isso nunca vai dar certo’.”, relembra. “Mas nunca concordei com a generalização. Sou curitibana e vejo que funciona muito.”

Meu primeiro contato dividindo a mesa com estranhos foi em um café na Bélgica. Ao entrar, atrás de dois belgas que haviam nos levado até lá, fui me aproximando lentamente da mesa comprida que ocupava todo o espaço. Pedi licença ao casal que já estava ao lado, meio constrangida, e sentamos. Não compartilhávamos o idioma — todos apenas no francês, eu apenas no inglês —, mas compartilhamos a mesa e um delicioso cappuccino.

Mas não se trata só de simpatia e conexões. “No Brasil, existe essa mania de gostar de espaços grandiosos, já na Europa os espaços são menores e, para otimizá-los, nada melhor que uma mesa coletiva”, analisa Fabio. A arquiteta Alessandra Gondolfi também recorreu à alternativa para o projeto arquitetônico da Gabo Livros & Vinhos. “Se você faz um monte de mesas pequenas, ocupa espaço de circulação. Como o local era pequeno, a ideia foi deixar tudo integrado”, explica. O estabelecimento conta com uma bancada com vista para a rua, poltronas e pufes para aqueles que preferem sentar sozinhos e, na parte de cima, uma grande mesa coletiva.

Outros espaços gastronômicos aderiram à ousadia — Café do MON, Tasty Salad Shop e Tuk-Tuk estão na lista. A mitológica frieza do curitibano não se põe na mesa e o compartilhamento real, para além dos posts em redes sociais, ainda está em alta.

*Matéria originalmente publicada na edição 227 da revista TOPVIEW.

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