Mentiras curitibanas
No dia 6 de janeiro de 2010, fui até o bar Mafalda, na Rua Tibagi, 75, com Thaís M. – um flerte que nunca mais voltei a ver. Naquele único encontro, Thaís revelou-se através de extrema e assustadora franqueza: família, amor, sexo, religião, drogas. Nela – na mulher, na franqueza –, poderia estar a personagem que eu tanto procurava. Ao chegar a casa, na tentativa de transcrever nossa conversa, comecei o processo de elaboração do Mentiras.
No romance, não há um espaço geográfico definido: o próprio romance, página a página, é o ambiente habitado pelas (poucas) vozes. De modo que Mentiras vai sendo escrito pelo personagem Felipe – ele tem consciência de ser personagem –, durante o desenrolar da narrativa. Felipe conversa com Philip, seu mestre literário, em um café; sai do café e passa ao apartamento de Thaís, sua amante. Ambos, lugares abstratos. A narrativa transcorre toda em diálogos; e cada par de conversas “café-apartamento” representa um dia.
Entretanto, dentro desse ambiente ficcional, inseri um bar que, de fato, existe em Curitiba:
– Saí de lá [do apartamento de Thaís] às cinco da manhã. Vi um bar aberto. Entrei. Noventa e Dois Graus. Cartazes, pôsteres cinematográficos. Você assiste a muitos filmes?
– Não.
Noventa e dois graus é uma célebre casa de shows do underground curitibano. Hoje, localiza-se na Avenida Manoel Ribas, 108; mas o bar a que me refiro no livro, no imaginário do autor, ainda permanece em endereço(s) antigo(s): Rua Visconde do Rio Branco, 290, ou Rua Desembargador Benvindo Valente, 280. Onde guardo minha Curitiba e milhares de memórias. Se fosse possível, inclusive, o personagem Felipe, ao entrar no Noventa e Dois Graus, encontraria seu duplo – não o futuro escritor de terno e gravata que flerta no Mafalda (nunca mais voltei, também, ao Mafalda), mas um adolescente punk.