Luxo, tecnologia e segurança no pós-pandemia
Ficar em casa, contar as horas e olhar as sombras nas paredes ao longo do dia. O período de isolamento domiciliar imposto pela pandemia de Covid-19 trouxe consigo um contato muito mais próximo com o espaço da casa. Assim, pequenos luxos que, antes, pareciam supérfluos ou desnecessários tornaram-se quase urgentes.
A busca por conforto e praticidade, por exemplo, foi drasticamente impactada por esse período, em uma tendência que não parece próxima de desaparecer: a adoção definitiva da tecnologia no cotidiano do lar, especialmente aquelas voltadas à manutenção do bem-estar. Assistentes virtuais, como a Alexa, da Amazon, o HomePod, da Apple, e o Google Home, têm preços cada vez mais acessíveis e devem ser, em breve, um fenômeno como o dos celulares, no começo deste século.
“Começamos a ter coisas que, antes, eram muito sofisticadas e tinham custo de implantação elevado que, agora, já estão se popularizando. Hoje, há no mercado sensores que coletam dados sobre a qualidade do ar, analisam se o ambiente está saudável ou não, medem a temperatura do local e até mudam a iluminação com LED de temperatura variável, de modo a estimular a produção de melatonina ao longo do dia e, assim, melhorar a qualidade do sono”, relata Boris Madsen Cunha, professor da graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo (UP).
Não se trata mais, portanto, de usar sistemas caríssimos e inalcançáveis para as pessoas comuns, mas de investir em dispositivos e recursos capazes de tornar a experiência de estar em casa mais simples, prática e agradável e, também, de assegurar mais saúde e comodidade para os dias passados entre o quarto, a sala e
a cozinha.
Touchless
O CEO e co-founder da PhoneTrack (startup de inteligência artificial aplicada à voz), Marcio Pacheco, afirma que os speakers – dispositivos com sistema de alto-falante e um assistente virtual que escuta, interpreta e responde a um usuário – estão em franca expansão e devem se transformar no novo normal, com a necessidade de dispositivos chamados touchless (sem toque), como forma de evitar o contato com superfícies comuns a muitas pessoas, como máquinas de pagamento, caixas automáticos, catracas, elevadores, fechaduras, telefones, entre outros.
“Hoje, há no mercado sensores que coletam dados sobre a qualidade do ar, analisam se o ambiente está saudável ou não, medem a temperatura do local e até mudam a iluminação com LED de temperatura variável (…)” – Boris Madsen Cunha
Atualmente, o uso de leitores de digital, bem como de fechaduras que se abrem por meio da inserção de senhas, é amplamente difundido, tanto em condomínios residenciais quanto em edifícios comerciais. No entanto, esse tipo de recurso pode ser responsável pela disseminação de doenças como a Covid-19, por exemplo. E, como especialistas alertam que pandemias como a atual podem se tornar cada vez mais comuns, será preciso rever essas ferramentas.
“Um caminho provável é a adoção de tecnologias que nos permitam realizar tarefas sem ter contato físico com objetos, assim como as formas de pagamento por aproximação. Isso vai estar presente nas fechaduras das portas, elevadores e catracas”, projeta Pacheco.
Por isso, soluções como o reconhecimento da íris, da retina ou mesmo do rosto devem se popularizar, deixando de ser um luxo para se tornar uma necessidade primordial. Cunha aposta nos recursos de aproximação com o celular ou tags e nas portarias remotas. No início de 2020, a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese) estimava que o número de edifícios com portarias eletrônicas cresceria 30%
durante o ano. Isso porque o setor já vinha ganhando fôlego em 2019, quando cresceu 10% e faturou R$ 7,17 bilhões. Nesse sentido, a pandemia não criou uma nova realidade, mas acelerou algumas tendências que já se apresentavam.
Segurança ao alcance de todos
O cuidado de proteger aqueles a quem se ama nem deveria ser considerado um luxo, mas, ao longo da história, normalmente não esteve disponível para todas as pessoas. Agora, com o desenvolvimento de novos recursos voltados à segurança, cada vez mais pessoas podem ter acesso a tecnologias que garantem casas mais seguras.
Segundo o superintendente de engenharia de produtos da Tecnobank (empresa brasileira de tecnologia), Isaac Ferreira, o cenário pós-pandemia mostra-se altamente favorável ao avanço do reconhecimento facial – um recurso baseado em algoritmos responsáveis pelo cruzamento de dados e detecção de padrões para garantir que o rosto detectado é de determinada pessoa. E o mercado já se movimentava a favor da migração para essas soluções. Estudos realizados pela Mastercard, em conjunto com a Universidade de Oxford, apontaram que 93% das pessoas preferem usar a biometria em vez de senhas.
Para Ferreira, o reconhecimento facial é uma tendência que oferece segurança, tanto contra fraudes e invasões quanto em relação à contaminação pelo toque. “O recurso deve ser cada vez mais utilizado nas residências e nos estabelecimentos comerciais, assim como já acontece nos sistemas antifraude do mercado financeiro e em órgãos públicos”, exemplifica.
“Um caminho provável é a adoção de tecnologias que nos permitam realizar tarefas sem ter contato físico com objetos, assim como as formas de pagamento por aproximação.” – Marcio Pacheco
Um mapeamento da Surfshark revela que 98 países já usam o reconhecimento facial em algum tipo de vigilância pública. A tecnologia também passou a ser utilizada em escolas, espaços comerciais, condomínios, instituições financeiras, hospitais, planos de saúde e poder judiciário. A expectativa é que esse mercado, estimado em US$ 3,2 bilhões em 2019, alcance US$ 7 bilhões em 2024, segundo a MarketsandMarkets.
O luxo de ter espaço para si mesmo
Depois de passar vários meses vivendo mais tempo dentro de casa que fora dela, muita gente se deu conta de que precisava de mais espaço. E esse tipo de percepção já começa a ter reflexos no mercado imobiliário. De acordo com o gerente de unidade da construtora A.Yoshii em Curitiba, Erick Takada, “apartamentos com ambientes integrados, principalmente com varandas, estão se mostrando indispensáveis para as pessoas. A vida dentro de casa será cada vez mais valorizada e, por isso, espaços iluminados e flexíveis serão cada vez mais desejados. Muitos projetos também já incluem coworkings nas áreas comuns dos condomínios, além de ambientes para home office”, destaca.
Mas e quem não tem espaço em casa para trabalhar ou mesmo um cantinho de lazer? Afinal, ao longo da última década, apartamentos menores se tornaram tendência. Por isso, o setor de self storage cresceu mais do que nunca em 2020, de acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira de Self Storage (Abrass). Segundo a gerente de operações da Espaço A+ Self Storage, Rousy Mary Rojas, a locação de boxes ajuda na adaptação das moradias à nova realidade, liberando espaço e deixando os ambientes mais amplos. “Móveis antigos, livros já lidos e outros objetos que não são de uso diário podem ser colocados em um self storage. Assim, até o ‘quarto da bagunça’ pode virar um escritório ou um local de estudos”, enfatiza.
*Matéria originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.