ESTILO

Livro de psicóloga e historiador chilenos oferece mais segurança àqueles que querem se assumir (ou evoluir)

"Guia prático para sair do armário" chega ao Brasil e promete dicas práticas para sair do armário em diferentes contextos

Seja um adolescente que não se “encaixa no padrão”, um adulto que se viu obrigado a levar uma vida dupla ou aquele que têm desejo sexual por pessoas de ambos os gêneros – mas é empurrado pela sociedade para definições rígidas – o livro ‘Guia prático para sair do armário: para você e para aqueles que desejam evoluir’ é indicado para qualquer perfil ou idade que planejara abandonar este segredo incômodo.

Escrito pela psicóloga Raffaela di Girolamo Frigerio e pelo historiador Jaime Parada Hoyl, a obra apresenta ao leitor uma ampla e profunda discussão sobre a homossexualidade e suas implicações sociais. O livro aborda desde tabus históricos a outros males que só agravam os preconceitos, como machismo e misoginia, binarismo e serofobia.

Os autores falam também de mitos e verdades da homossexualidade e bissexualidade e apresentam razões e conselhos práticos para sair do armário em diferentes contextos, todos baseados na experiência que eles têm no trabalho clínico ou ativista.

A leitura do livro também é indicada para os que são família ou amigos de uma pessoa gay, uma lésbica ou bissexual. Aos chefes, colegas de trabalho, amigos de escola ou do futebol. Ou seja, para aqueles que querem apoiar, mas não sabem como. O Guia prático para sair do armário: para você e para aqueles que desejam evoluir é leitura essencial para quem deseja tornar a sociedade um ambiente melhor para todos.

O autor Jaime Parada Hoyl – vereador e primeiro político abertamente gay eleito em um cargo de eleição popular no Chile – contou para a TOPVIEW quais as motivações e as principais lições da obra. Confira a entrevista!

Jaime Parada Hoyl (Foto: divulgação)

TOPVIEW: Quais os maiores dilemas que vocês enfrentaram na construção de dicas aos jovens e adolescentes?

Hoyl: Não se trata de um dilema, mas sim uma preocupação: queríamos construir um livro que respeitasse cada realidade, o que vive cada pessoa. Porque embora alguns padrões possam ser identificados na saída do armário, não podemos esquecer que cada pessoa é única. E que por trás de cada pessoa LGBTIQ+, existe uma história de dores, medos e angústias que não podem ser tratadas de uma mesma forma.

Por isso fizemos um livro que tivesse uma aproximação ampla, compreensiva e não imposta. Queríamos “tocar” cada leitor, ou leitora, para que resgatasse o que pudesse atender sua própria necessidade.

TOPVIEW: Houve receio sobre a vivência e as dificuldades que eles poderiam encontrar para se assumir?

Hoyl: No livro somos totalmente honestos: desde as primeiras páginas dizemos que sair do armário não é um processo fácil. Talvez a pessoa experimente a rejeição e que se produza dores profundas. Mas também dizemos que, para quem se sente confiante em fazer e pode fazer acontecer, a vida fora do armário será mais harmoniosa. Sair do armário é uma expressão muito importante de autocuidado, de amor pela pessoa que somos. E isso acaba sendo mais forte e mais permanente do que qualquer sentimento triste que possa ser produzido.

No livro dizemos que se trata de um ato de consciência que transcende o que os outros podem pensar ou dizer. E isso é maravilhoso, porque coloca minhas necessidades acima das dos outros, sem egoísmo e com um profundo senso de quanto valho como pessoa.

TOPVIEW: Os adultos, também com medo de julgamentos, podem se inspirar nas dicas do livro?

Hoyl: Este é um livro sem idades, porque as vivências que descreve são universais. Porém, junto com a também autora Raffaella,  procuramos nos colocar em todos os cenários possíveis, inclusive no de adultos, muitos dos quais formaram famílias vivendo como heterossexuais. E fizemos sem julgamento, porque há muitos julgamentos que caem sobre os adultos que saem do armário. Diz-se, por exemplo, que eles viveram uma vida mentindo, que enganaram deliberadamente suas famílias. Para nós, no entanto, as coisas podem ser diferentes. E são muitos, muitos adultos, que entendem tarde que o que sentiam era, efetivamente, atração sexual e/ou afetiva por alguém do mesmo sexo.

No livro relatamos o caso de uma mulher adulta, mãe e esposa, que, vendo Orange is the new black, percebeu que sentia desejo sexual ao ver mulheres em situações de intimidade. Ela só soube que tinha atração por mulheres quando viu isso. Não podemos julgar uma pessoa que vive algo assim. Claro que há casos de pessoas que vivem vidas duplas e gostaríamos que isso não acontecesse. Este livro também é para discutir isso.

TOPVIEW: Qual a recepção que você espera de amigos e familiares de pessoas LGBTQIA+? O livro deve ser consumido também por quem não faz parte da comunidade?

Hoyl: Um terço deste livro é dedicado às pessoas mais próximas daqueles que saem do armário. Para aqueles que devem recebê-los de fora do armário. É, talvez, uma das partes que com Raffaella dedicamos mais tempo, mais profundidade, porque um processo de saída bem-sucedido é aquele em que as duas partes se podem encontrar de forma amorosa. E, no entanto, muitas vezes isso não acontece, pois há muitas famílias que não possuem as ferramentas para administrar essas emoções.

Um exemplo: é frequente que muitos pais, ou mães, respondam com um “por que você está fazendo isso comigo”, colocando seus próprios sentimentos antes dos da pessoa que está abrindo seu coração e sua vida dizendo: “sou gay ”; “sou lésbica”; “sou bissexual”. Para aqueles que reagem assim damos algumas visões, alguns conselhos sobre o que fazer com essas reações, porque podem ser muito prejudiciais e ter efeitos muito adversos para ambas as partes.

TOPVIEW: Caso você tivesse acesso a um livro como esse no passado, acredita que o processo para se assumir e se aceitar seria menos doloroso ou mais simples?

Hoyl: Muitas pessoas nos disseram: “Quem dera se tivesse um livro como este quando saí do armário.” E sabemos por que dizem isso. Quando você não falou com outras pessoas sobre sua orientação sexual, você pensa que é o único, ou a única que está vivendo por algo assim. Não é algo racional, mas uma vivência emocional de solidão que faz você se sentir separado, incompleto.

Porém, quando alguém pega sua mão e diz: “calma, vai ficar tudo bem, você não está sozinho”, se experimenta um tipo de segurança que antes não conhecia. É isso que, metaforicamente, queremos fazer com o livro: segurar a mão de nossos leitores e leitoras, que têm a certeza de que coisas melhores estão chegando para suas vidas. A boa notícia é que, quando finalmente dão o passo, entendem que estar fora do armário é muito melhor do que estar dentro.

TOPVIEW: Qual a maior lição vocês pretendem transmitir com a obra?

Hoyl: Queremos, mais do que tudo, entregar segurança. Cada um pode tirar suas próprias lições, porque é um livro que quer se conectar, mesmo que indiretamente, com as vivências de cada pessoa. No entanto, a segurança e confiança muitas vezes faltam para aqueles que sentem que sair do armário pode ser algo inacessível, tanto para si próprios quanto para os outros.

Muitos dizem “não faço, porque uma notícia assim poderia matar minha mãe”. E a isso respondemos: “ninguém morre da homossexualidade alheia. Você não é uma arma, mas alguém que merece viver sua vida em plenitude”. Acreditamos que dar segurança a quem sai, e ferramentas a quem recebe, são as principais contribuições deste livro.

O livro pode ser adquirido no site da Editora Appris, de Curitiba.

Deixe um comentário