ESTILO

Gastronomia nostálgica: lembranças deliciosas

Exercitar a memória para retomar bons momentos em excelentes restaurantes pode trazer uma interessante consideração: e se eles fossem como peças de arte?

Lembro-me, com certa nostalgia, de restaurantes a que meu pai me levava quando eu era criança. Não saíamos com muita frequência, até porque dono de restaurante nunca tem muito tempo para ir a outro restaurante. Enquanto um trabalha, o outro também trabalha. Normalmente, saíamos aos domingos – e sempre era algo especial.

Lembro de um que ficava na quadra de trás do Shopping Mueller, o Matterhorn, que parecia um castelo mal assombrado e tinha um esquife de padre no sótão. Lembro-me, ainda, do antigo Bologna, que ficava no centro e tinha pinturas da Itália nas paredes. Lá, um garçom sempre me pegava pela mão e me levava para ver a cozinha. Recordo do Hwa Kuo, ainda na antiga instalação, que tinha uma escultura de dragão no jardim e, enquanto meus pais comiam, eu e meus irmãos brincávamos na parte de fora.

Lembro-me, também, do restaurante Jatão, que operava dentro da fuselagem de um avião, ali na rotatória de Santa Felicidade. E tinha o Scavollo. Nem era lugar para crianças, mas a gente ia. Havia um maravilhoso piano bar com um maître usando smoking na porta e pratos clássicos da culinária francesa, como o filet au poivre.

Para uma criança, tudo é muito fascinante, tudo é muito marcante. Hoje, esses lugares não existem mais ou, se ainda existem, transformaram-se e são muito diferentes de antes em suas estruturas e em seus cardápios, que também se modernizaram.

Faço essa introdução para argumentar a seguinte reflexão: e se restaurantes fossem como peças de arte? Imagine que cada um deles, quando foi sonhado, foi concebido e projetado até se materializar em estrutura, cores, louças e decorações. Seus cardápios foram elaborados para agradar aos clientes, assim como os uniformes dos garçons e a trilha sonora.

Todos os nossos sentidos se manifestam ao entrar em um restaurante. E cada restaurante passa uma mensagem, carrega-nos de sua personalidade, afinal, tem a mão de alguém por trás de cada negócio. Esses dias, ao falar com um amigo sobre o desaparecimento de restaurantes, falávamos sobre o quanto seria interessante se cada estabelecimento se mantivesse exatamente como é no dia de sua inauguração. A mesma decoração, o mesmo cardápio, uniformes e trilhas sonoras. Teríamos um incrível retrato de cada época, as colunas espelhadas com molduras douradas dos anos 1980 e os coquetéis de camarões servidos na taça de martíni… teríamos o tomate seco e a salada Waldorf com vinho branco alemão dos anos 1990, teríamos de volta uma legião de sommeliers que apareceram no início dos anos 2000 e evaporaram como álcool em menos de cinco anos.

* Coluna originalmente publicada na edição #246 da revista TOPVIEW.

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