ESTILO GASTRONOMIA

“Chef é um título que se ganha”, declara Almir da Fonseca, chef de renomada escolha de gastronomia

O executive chef do The Culinary Institute of America fala sobre o resgate das origens da culinária brasileira e sobre o lado ruim da glamourização de sua profissão

Com o impressionante currículo de quem atua há 32 anos como chef executivo e há 12 como educador, Almir da Fonseca tem uma trajetória bem peculiar: em 1978, ele saiu do Rio de Janeiro e foi para San Diego, nos Estados Unidos, estudar biologia marinha. Por um daqueles caprichos do destino, não virou biólogo, mas aos 23 anos já comandava a cozinha de um restaurante em São Francisco, depois de ter o chef francês Jacques Arpi como seu tutor. Em passagem por Curitiba para dar aulas no Espaço Gourmet Escola de Gastronomia – que acaba de firmar uma inédita parceria com a CIA na Califórnia, para bidiplomação dos alunos do curso Master Chef – Almir, que é instrutor da escola americana, conversou com a reportagem da TOP VIEW sobre o mundo da gastronomia e provou porque é um dos mais respeitados chefs brasileiros da atualidade.

Top View: Depois da valorização da culinária tradicional e molecular, os chefs brasileiros se voltam aos ingredientes locais. O que você pensa desse movimento?
Almir da Fonseca: Se você prestar atenção de onde você e sua família vieram, vai lembrar que só comia organicamente e regionalmente. Durante a temporada, seus avôs não cozinhavam nada que não estivesse saindo da terra naquele momento. Alguma coisa se passou nos anos 50 e 60 que fez a gente começar a consumir mais ingredientes que o necessário, aumentando a demanda por produtos fora de época e, consequentemente, a rede de suprimentos. No inverno, não é preciso comer tomate, a época da fruta é verão e outono. Então, durante o frio, deveríamos comer outra coisa. É isso que alguns chefs estão tentando proteger e eu apoio completamente. Se você é um chef do Sul, faça o melhor trabalho possível para introduzir os produtos do Sul no tempo em que eles estão no auge. A comida já é naturalmente saborosa assim. A gastronomia molecular fez uma conexão muito importante com a ciência. Técnicas foram inventadas porque não havia cozinheiros suficientes para produzir uma grande quantidade de comida. Construíram essa tecnologia, que tem valor e mercado.

TV: Hoje, a mídia e muitos cursos de culinária estão glamourizando a profissão de chef. Dentro desse contexto, como identificar um bom profissional?
AF: Os chefs que são bons geralmente não procuram as câmeras. Eles estão preocupados com a credibilidade, com seus clientes e com a sua equipe. Os chefs que estão preocupados com as câmeras geralmente passam 95% do tempo fora da cozinha – e o “seu João” e a “dona Maria” é que continuam fazendo a comida. É uma coisa que a gente tem de mudar. Eu estou preocupado com a geração do futuro. A geração atual não está treinando as futuras gerações de chefs. Quando a gente se aposentar, quem vai ficar na cozinha? Os chefs que tomaram a decisão de proteger a nossa indústria não estão fazendo isso, estão protegendo a eles próprios. A longevidade e o sucesso da gastronomia só vão existir se a filosofia mudar. Enquanto os chefs estão andando no salão, quem está treinando os cozinheiros continua sendo o “seu João” e a “dona Maria”, que não têm o treinamento que as escolas de gastronomia podem dar. Isso é um perigo, porque a gastronomia pode voltar a ser o que era. Era maravilhosa, mas não uma gastronomia de educação. Agora, estamos educando os gastrônomos nas classes, nas degustações, mas os garotos que se formam não estão encontrando um mentor com qualidade para ensiná-los a transformar o que eles aprenderam na teoria para a prática. Chef é um título que se ganha ao se chegar a um determinado nível de respeito da sua equipe e do mercado. O Espaço Gourmet e o CIA não vendem a palavra chef na frente do nome quando os estudantes se formam. O aluno precisa mostrar que merece ser chamado de chef com seu trabalho e credibilidade.

TV: O que a culinária brasileira tem a oferecer para o resto do mundo?
AF: Acho que a gastronomia brasileira tem oferecido ao mundo várias coisas e já há muito tempo. Não começou com o meu grande amigo Alex [Atala], ela começou com o meu tataravó cozinhando gado no Rio Grande do Sul e com a cana-de-açúcar no Rio de Janeiro. O que começou nesses últimos anos foi o interesse nesse território. Por alguma razão, a gente chegou a um ponto em que nossa porta se abriu para o mundo e criamos curiosidade. Nossos sabores e cores começaram a viajar para fora do nosso mapa e o pessoal começou a ficar interessado.

TV: Da culinária paranaense, o que você destaca?
AF: Quando eu chego a Curitiba, quero provar um barreado.

TV: E qual é a primeira coisa que você quer comer quando volta ao Brasil?
AF: A primeira coisa que eu quero comer, principalmente quando chego ao Rio, é chuvisco [parecido com o bolinho de chuva]. E brigadeiro. Como eu cozinho só comida salgada, procuro doces. E eu também sempre procuro a caipirinha perfeita.

Leitura que aguça o paladar

Inúmeras viagens feitas pelo Brasil há 24 anos, 8 mil fotografias e 400 horas de gravações com cozinheiros, fazendeiros e pessoas que fazem a culinária nacional acontecer. Esse acervo criado pelo chef Almir e chamado por ele de Projeto Brasil deve virar uma série de livros, ainda sem data oficial de lançamento. O chef ressalta que não se trata de um livro de receitas (embora algumas possam ser contempladas) e que a ideia é viajar pela gastronomia brasileira, relacionando-a com a cultura, a imigração e os produtos de cada região. “A promessa é inspirar as pessoas a pegar um avião e experimentar os pratos dos quais o livro fala. Eu quero que o livro seja um cartão-postal dos gastrônomos do Brasil”, explica. A partir da sua pesquisa, Almir já identificou que três ingredientes são consumidos nas cinco regiões gastronômicas: a mandioca, o feijão e a carne. Aliás, o chef ressalta que a mandioca deve ser um dos dez ingredientes mais importantes da década e que vem fazendo estudos com ela em seu laboratório. É esperar (com água na boca) para ver.

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