Do coração para as mesas
“Cozinhar é um modo de amar os outros.” É assim que o escritor moçambicano Mia Couto define o principal ato da gastronomia – que pode, sim, ser guiada pelo afeto. Marco Schafer, chef de cozinha do restaurante Jardim Secreto, resume essa prática em três “dobras”. A primeira é a cozinheira ou o cozinheiro. A segunda, o alimento. E a terceira é a famosa frase clichê “fazer com amor”.
O chef conta que se baseou nessa lista para criar o cardápio do restaurante, pois puxou pela memória um momento em que estava, justamente, sem afeto – e aproveita, em contrapartida, um momento em que as pessoas precisam, mais do que nunca de afago para viver.
“Todo mundo precisa de afeto – e a cozinha é uma forma de amor. Se hoje a gastronomia afetiva está na moda, é porque é algo de que as pessoas necessitam”, opina Marco. O pensamento dele está intrinsecamente ligado ao termo
comfort food, ou “comida de conforto”, em português.
O conceito nasceu em 1966, quando um jornal estadunidense publicou a seguinte frase em uma reportagem: “Os adultos, quando estão sob intenso estresse emocional, recorrem ao que poderia ser chamado de ‘comida de conforto’ – comida associada à segurança de infância.”
De geração para geração
Do aspecto “comida associada à infância”, a confeiteira, apresentadora e influencer Ju Ferraz entende. “Para mim, gastronomia afetiva nada mais é do que a cozinha passada de geração para geração. É uma comida lotada de história”, define.
E ela enumera uma delas: “A mãe da minha avó era costureira. Ela trabalhava muito e tinha que cozinhar também – cozinhava o que tinha, pois não havia muito. Ela fazia comida do dia a dia e achava que sobremesa era um ato de celebração. Ela teve que cozinhar para sobreviver muitas vezes, mas percebeu no doce o maior ato de gratidão e afeto”, finaliza.
*Matéria originalmente publicada na edição #266 da TOPVIEW