Coluna Elis Cabanilhas Glaser, setembro de 2018

Apesar da velocidade descomunal com que as grandes metrópoles vêm crescendo nas últimas décadas, algumas cidades ainda conseguem manter uma aura bucólica, preservando propriedades vinícolas dentro dos seus grandes centros. Em meio a arranha-céus, parques e museus, incógnita em um constante vaivém de pessoas, a simplicidade da vinha promove um contraste interessante, um resgate do passado no meio do presente.

Foi essa sensação que tive ao me deparar com um vinhedo em Montmartre, um dos bairros mais antigos e boêmios de Paris. Sim! Existe um vinhedo dentro da cidade-luz! Difícil de acreditar, mas Paris já teve o maior território vinícola da Europa, com 40 mil hectares, lá nos tempos idos. Para se ter uma ideia, em 1474, chegou a existir uma Denominação de Origem exclusiva, chamada de “Goutte d’Or”, que transformou Paris no mais importante produtor de vinhos da França, passando Bordeaux.

Apesar de pequeno, com apenas 1.500 metros, o Clos de Montmartre não chega a ocupar um quarteirão, mas sua presença é suficiente para deixar as pessoas encantadas. Registros históricos dizem que esse vinhedo existe desde o Império Romano, mas, da maneira como está hoje, murado e produtivo, sua origem data do início de 1930. Esse vinhedo foi replantado por uma iniciativa da prefeitura de Paris, que, para acabar com a sujeira do terreno baldio e livrar a área de desocupados que ficavam por lá, optou por plantar dois mil pés de vinhas das mais tradicionais variedades da França. Hoje, mais de 30 castas diferentes, como Pinot Noir, Merlot, Gamay, Riesling e Sauvignon Blanc crescem na colina do bairro. Em outubro, acontece a Fête des Vendanges, a festa da vindima, em que todos são convidados a participar da colheita e celebrar a chegada da nova safra do vinho que leva o mesmo nome do vinhedo. Ficou curioso? O Clos de Montmartre está localizado na esquina da Rue des Saules e Saint Vincent, próximo à igreja Sacre-Coeur.

Outra belíssima cidade que tem seus vinhedos incorporados à sua história é Roma. Todo o entorno da capital italiana é praticamente formado por vinhedos: as sete colinas que cercam a cidade são repletas de vinhas. Mas, como em Paris, algumas resistiram à ação da modernização e se mantiveram em meio a evolução urbana. É essa a história das vinhas que se encontram no jardim do Convento Francês do Sagrado Coração de Trinità dei Monti. Por incrível que pareça, pertinho da badalada Piazza di Spagna, há um pequeno vinhedo onde, nos melhores anos, se produz o Vino Gallico, um assemblage das variedades Syrah, Mourvèdre e Picpoul, graças a um acordo de colaboração entre os municípios de Roma.

E não poderia deixar de lembrar de Viena… a eterna cidade do vinho. Viena e o vinho são inseparáveis. Ao avistar a cidade, já é possível perceber a harmonia entre as vinícolas e a arquitetura urbana. Uma harmonia tão evidente que se nota como o vinho é parte integrante de Viena – assim como Santo Estêvão da Catedral, o Castelo de Schönbrunn e os Meninos Cantores.

Viena é uma das poucas capitais do mundo que produz grandes quantidades da bebida dentro dos limites da cidade. Com uma superfície vitícola de 700 hectares, cerca de 80% dela está coberta de vinhas de vinho branco como Riesling, Weissburgunder, Grüner Veltliner, Sauvignon Blanc e Muskateller Gelber, castas que produzem bebidas frutadas e distintamente elegantes. Há também um crescente número de viticultores vienenses que estão produzindo vinhos tintos – em particular, Zweigelt e St. Laurent – com tipos internacionais, como Merlot, Pinot Noir e Syrah.

Tradicionalmente, o vinho vienense é degustado nas heurigers, tabernas onde os viticultores servem os seus mais recentes rótulos com um pequeno buffet de comidas regionais. O ambiente descontraído, os jardins da orla da cidade, o bom vinho e os petiscos fazem da heuriger um destino popular para um público diverso. Mas também é possível apreciar ótimos vinhos em restaurantes e adegas construídas em um novo estilo contemporâneo.

Vinho do mês

Clos de Montmartre (35 euros)
Uvas viníferas francesas
Paris/França
2 mil garrafas
À venda no Museu de Montmartre

“Em meio a arranha-céus, parques e museus (…), a simplicidade da vinha promove um contraste interessante, um resgate do passado no meio do presente.”

Matéria publicada originalmente na edição 215 da revista TOPVIEW.