ESTILO GASTRONOMIA

É boteco bom que você quer, @? André Bezerra conta o perfil de um boteco de respeito

André Bezerra, proprietário da produtora Monstro Animal e um dos organizadores do concurso Comida di Buteco, em Curitiba, é um verdadeiro garimpeiro de bares

Ainda moleque, eis o programa aos domingos de manhã: íamos ao “Bar do Seu Mário”, meu pai e eu. Lá ele me instalava no balcão, diante do Seu Mário, e sentava com os amigos dele. Tomavam aperitivos, comiam tira-gostos e fumavam cigarros. Eu bebia refri, comia salgadinho e “fumava” cigarros de chocolate. Não lembro o nome do estabelecimento, em Londrina. Mas lembro do Seu Mário, um senhor que conversava comigo enquanto atendia os amigos, e me dava lápis e papel para desenhar.

Hoje vejo que pouca coisa mudou de como era naquele tempo. Sigo frequentando os botecos, mas agora sento à mesa dos adultos. Ainda vou aos bares “do Seu Mário” da vida, que a gente gosta mais porque conhece o dono, sempre presente na casa. Em Curitiba vou muito ao “Seu João” — Juvevê; ao “Wlamir” — Bom Retiro; ao “Toninho” — Batel; ao “Paulinho” — Água Verde; ao “Délio” — Alto da XV, ao “Jamal” — Centro e ao “Ian” — Carlos de Carvalho. Nessas casas sei que não preciso marcar com os amigos porque encostarei no balcão e terei companhia. Mesmo à distância, quando a casa está mais cheia, esses senhores me cuidam: conhecem meus horários e hábitos. Sabem do que eu gosto e do que não gosto. Mandam surpresas em forma de tira-gosto para eu provar, boca nervosa que sou.

E a cozinha? Ela é maravilhosa, simples, original. Cozinha de raiz sempre tem uma receita que só existe naquele lugar. Ela contém um segredo em meio aos seus ingredientes, o preparo, a mão. Chega à mesa percorridos anos de história de família. Não surpreenderia se quem preparou a receita foi a esposa ou algum parente, um filho, um neto lá atrás, nas panelas. No boteco de verdade é assim. Sua história se confunde com ele. Existe um longo e, às vezes, solitário caminho a ser percorrido entre o nome no Contrato Social e o de batismo, aquele nome pelo qual ele será conhecido, reverenciado e lembrado pela comunidade.

O “Bar do Seu Mário” não existe mais no endereço físico onde esteve durante a minha infância. Mesmo assim, segue nítido na minha memória. É uma pena que botecos como esse desapareçam ao longo dos anos justamente por serem casas de família. Eles dependem dessa autenticidade para seguirem sendo referências em seus bairros. Muitas vezes os filhos ou netos escolhem seus caminhos ao largo dos botecos que seus pais e avós abriram. É a vida. Mas que bom quando temos esses estabelecimentos para chamarmos pelo nome do dono, onde somos recebidos com alegria e gentileza justamente por sermos quem somos, simplesmente por estarmos ali.

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