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Expedição à Antártida: como foi passar 21 dias com 80 mulheres

A superintendente de inovação do Paraná Natalie Unterstell, saiu em expedição à Antártida num grupo de 80 mulheres envolvidas com ciências e natureza

No final de 2018, a especialista em políticas públicas e superintendente de inovação do governo do Paraná Natalie Unterstell saiu em uma expedição à Antártida única.

Ela integrou um grupo internacional de 80 mulheres envolvidas com ciência e natureza no programa Homeward Bound, cujo objetivo é aumentar o número e amplificar a voz das mulheres nas decisões que afetam o desenvolvimento sustentável.

Durante 21 dias, a Antártida serviu como pano de fundo para elas entenderem o estado real do planeta e dar visibilidade à mudança do clima e à desigualdade de gênero. A seguir, a finalista do Prêmio Personalidades TOPVIEW | Grupo RIC 2018 apresenta seu relato:

“Nós embarcamos na Antártida em 31 de dezembro de 2018, para uma jornada de 21 dias. São cerca de 100 anos de exploração da Antártida por homens. Uma expedição à Antártida como a nossa, inteiramente de mulheres, é, ainda, quase um milagre. No entanto, não somos as primeiras e nem as últimas.

O programa Homeward Bound nasceu em 2016 e essa é sua terceira expedição. A meta é fazer dez viagens, em dez anos, com um total de 1000 envolvidas. De astrofísicas a oceanógrafas, há também quem se dedique às políticas públicas ambientais, como eu.

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O slogan do programa é: “A mãe natureza precisa de suas filhas”. E o chamado é claro. A euforia cresceu no salão do navio Ushuaia na manhã de sextafeira, 18 de janeiro de 2019.

Todas as 80 participantes da expedição à Antártida tinham algo a dizer sobre as últimas horas de travessia pela temida Passagem de Drake, onde as águas do Atlântico e dos mares do sul se encontram. Ondas de 12 metros de altura lavaram o navio.

Ventos com rajadas de até 70 nós nos chacoalharam de um lado para outro. Algumas ouviram alarmes soarem durante a noite – eu mesma corri para pegar meu colete salva-vidas e checar se havia uma emergência.

Eram apenas sensores de combustível ficando loucos com a inclinação do barco. Outras pessoas viram as cadeiras voando dos quartos para o corredor.

Medo? Não. Enfrentar o mar agitado era apenas um pequeno preço a pagar pela experiência extraordinária de conhecer essa “outra parte do planeta”. Estávamos preparadas e nosso navio era forte. Havíamos feito a passagem na ida e agora ela nos trazia de volta.

A ida, de 31 de dezembro a 2 de janeiro, foi mais difícil. Eu estava tão ansiosa com a Passagem de Drake que me coloquei no modo “dormir” por 2 dias. E dá-lhe Dramin, adesivo e pulseira antienjoo, além de erguer uma proteção de ferro na cabine para evitar que eu rolasse da cama para o chão.

O mar não se revoltou tanto quanto o esperado. Acordei em águas calmas com uma bruma dominando o convés. A primeira visão da Antártica é algo que nunca vou esquecer: um iceberg gigante despontava em frente ao navio.

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No horizonte, a camada de montanhas de gelo se unia às nuvens, formando um paredão de brancura. Foi certamente a sensação mais mágica que experimentei na vida – e que durou 21 dias.

A majestade da Antártida se fazia a cada pouso em terra ou em gelo, a cada passeio de bote para “caçar icebergs”, a cada vez que examinávamos o horizonte tentando encontrar vida selvagem.

Os primeiros pinguins, as primeiras baleias, as primeiras orcas. Os dez dias iniciais foram de descobertas e lágrimas de alegria. Que privilégio o meu estar aqui e viver isso. Na metade da viagem, bateu uma ponta de desespero: já havíamos visto tantas coisas incríveis.

Não achei que seria possível extrapolar e temi o tédio. A líder da nossa expedição à Antártida – uma alemã argentina – me disse: calma que agora vem a melhor parte. E ela tinha razão: quando os pinguins deixaram de ser “estranhos” e passamos a visitar canais mais estreitos e mais ao sul da Península Antártida, o que vi foi assustadoramente bonito. Muito mais bonito.

A experiência de “ver pela primeira vez” foi substituída pelo “apreciar a natureza em seu estado de natureza”, como o dia em que 20 orcas vieram até nós. Foi uma emoção difícil de conter. Aliás, para que conter, não é?

Ou o dia em que uma baleia jubarte dançou em frente a uma montanha que havíamos escalado, como querendo dar algum recado. E quando dei um mergulho em águas gélidas e meu corpo demorou quatro horas para se estabilizar.

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Os dias foram passando e eu percebi que essa viagem era de um tipo diferente – de navegar por um espaço que a humanidade se esforça para reservar para a ciência e para a paz. Essa missão não é fácil: há um esforço ativo e consciente de manter a Antártida “viva”, mas isolada, e reparar os danos passados, como vazamentos.

Há um paralelo disso com a experiência a bordo com 80 mulheres até então desconhecidas, por um longo período, sem chance de fugir em caso de briga ou tédio. Eu tive que fazer um esforço consciente para cultivar comportamentos construtivos nessa jornada.

E todas as demais pessoas também se comprometeram com o desafio. Conseguimos criar um ambiente colaborativo durante a expedição à Antártida, em que houve zero brigas, zero drama, zero problemas não resolvidos.

Foi gratuito? Não. Foi forçado? Não. Teve fofocas? Não houve necessidade. Houve um esforço constante de calibrar respeito, confiança, julgamentos e aprendizados. Talvez eu tenha experimentado, pela primeira vez na vida, um ambiente tão construtivo.”

Matéria escrita por Natalie Unterstell e publicada originalmente na edição 220 da TOPVIEW. 

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