ESTILO

Por uma arquitetura mais humana: conheça 3 escritórios de arquitetura de Curitiba

Três escritórios que vêm se destacando – e expandindo para além de Curitiba – compartilham sua visão de arquitetura e destacam transformações na área

ARQUEA

Na Casa Vila, finalista de dois prêmios de arquitetura, a sala de jantar atua como lugar de encontro com vedação transparente, um híbrido entre espaço interno e externo.
No projeto para a focacceria Bocca Lupo, um banco na calçada fica a disposição de qualquer pessoa, num pequeno gesto de gentileza com a cidade.
A relação de continuidade entre os dois espaços também e importante no Edifício 1232, em Curitiba, e se desenha por um térreo livre.
O projeto, que ficou em segundo lugar no concurso para a Sede IAB/DF + CAU/BR, e marcado pela leveza e pelo espaço aberto em continuidade do espaço público.
Inserção urbana: renovar o olhar sobre a cidade por meio de pequenas brincadeiras.

Quem passou pelo Largo da Ordem ou pelo Parque Barigui em abril pode ter se surpreendido: da fonte no Centro Histórico saía uma “cabeça” de mergulhador, enquanto no lago do Barigui passeavam alguns jacarés de plástico. Essa foi uma ação da Arquea junto a alunos de universidades para um evento de arquitetura. A ideia dessas inserções urbanas era “alterar a percepção de prédios, ruas e monumentos” que cruzamos todos os dias, mas que passam despercebidos, “criando um diálogo entre pessoas e a cidade”, como descrito no projeto. A brincadeira ilustra parte do trabalho dos arquitetos Bernardo Richter, Fernando Caldeira de Lacerda e Pedro Amin Tavares, que se uniram em 2008. Para o trio, que só em 2016 acumulou 5 prêmios e teve um projeto selecionado como uma das 100 obras de arquitetura mais importantes do Brasil pelo site especializado Archdaily, a experiência das cidades pode ser mais humana, e com soluções simples, desde que bem conceituadas. Pode ser uma fachada ativa ou mobiliário urbano. “A arquitetura mexe muito com a autoestima”, explica Tavares. “[É possível] criar uma arquitetura em que a pessoa se sinta valorizada, se sinta parte da cidade e se sinta bem ali.”

A crise econômica e a busca por modos de vida mais sustentáveis também influenciam essa “nova arquitetura”, num jogo de equilíbrio. “É fazer o melhor que dá com o que se tem de tecnologia, tempo e a questão financeira do cliente”, resume Tavares, expondo a preferência do escritório pela praticidade e durabilidade. Esta, no entanto, não é só relacionada a materiais, mas ao conceito, de forma que o escritório “não tenta ter uma cara, nossos projetos são todos variados”, observa Lacerda. Cada projeto responde a uma demanda, a um entorno.

O trio observa que há mais interesse das incorporadoras por esses conceitos em momentos de enfraquecimento da economia. “O arquiteto, nesses momentos, é mais valorizado porque traz ideias”, explica Lacerda, ele mesmo responsável por um edifício que o grupo descreve como “gentil com a cidade” e certamente se destaca entre os outros na rua: não há muro, mas integração com a calçada e com as pessoas – uma continuidade entre espaço privado e público. “São pequenos gestos”, define Richter sobre esse que também é o papel social do arquiteto. “Às vezes uma pessoa cuida de um canteiro, o Bocca Lupo [restaurante cujo projeto é assinado por eles] tem um banco [na rua] em que qualquer um pode sentar.”

ESTÚDIO 41

Chamou a atenção recentemente ao vencer o concurso da nova estação brasileira na Antártica, cuja construção tem orçamento previsto em mais de U$S 100 milhões. Mas o estúdio também tem como ponto importante projetos como o de Água Branca (SP), de urbanização e habitação de interesse social (são 1,4 mil moradias). Para Fabio Henrique Faria, Eron Costin, Emerson Vidigal, João Gabriel Rosa e Martin Kaufer Goic, todos formados pela Universidade Federal do Paraná e sócios desde 2011, é possível fazer habitação social com qualidade e com a mesma verba disponível. Uso inteligente do espaço, cuidado estético, acesso a transporte e áreas de lazer, fachadas ativas e áreas comuns que não são mera passagem, mas locais de convívio, são alguns dos diferenciais em Água Branca.

Os últimos prêmios Pritzker, o principal em arquitetura, destacaram a habitação de interesse social ao escolher o chileno Alejandro Aravena e o trabalho discreto mas consistente do trio espanhol RCR, que pensa projetos particulares com fins coletivos, em conexão com a paisagem e os costumes locais. “Estão surgindo escritórios originados de um conjunto de arquitetos, uma equipe que tem um pensamento conjunto, em que cada um tem uma ideia e a compartilha”, observa Eron Costin sobre o movimento em oposição aos starchitects. Para os sócios, a arquitetura não busca mais uma assinatura, mas atender a demanda de cada projeto, com traços simples e atemporais – eles acreditam que venceram o concurso da estação pelo pragmatismo e simplicidade na solução, levando em conta condições climáticas e dificuldade de acesso.

Inicia-se, então, uma revisão da percepção do arquiteto como “supérfluo e supercaro”: “É aquele que vai trazer qualidade às pessoas e isso não necessariamente encarece, ao contrário”, argumenta Fabio Henrique Faria. Segundo ele, também começa a mudar o movimento de se fechar em condomínios. “Hoje a gente vive algo que é um pouco mais voltado ao coletivo”, observa Faria, destacando a importância de “espaços caminháveis, mais agradáveis à convivência e ao trânsito do pedestre”, bem como as fachadas ativas – prédios mistos com comércio ao nível da rua, gerando movimentação e mais segurança – e a ocupação do espaço público – com todos os seus conflitos. “Ninguém nos educou para isso, mas é parte desse exercício de ser cidadão, de se politizar no sentido de usar a cidade”, avalia Emerson Vidigal sobre a vitalidade do espaço público e o potencial de utilização da cidade.

ALEPH ZERO

Os projetos de Pedro Duschenes e Gustavo Utrabo não têm uma unidade estética ou um estilo identificável. “O que vem por trás do projeto não é uma relação estética”, comenta Pedro sobre os trabalhos, bastante diferentes entre si. “A gente quer trabalhar o conceito.” Determinantes como local, finalidade e quem vai ocupar aquele espaço compõem o conceito. Foi assim num projeto de moradia no interior de Tocantins, um convite de Marcelo Rosenbaum: a dupla integrou as crianças a quem o espaço era destinado ao processo de criação, numa colaboração para entender suas necessidades, seus desejos e sua escala.

O processo proporciona um caminho para a dupla, em meio a um contexto de excesso de informações, imagens e referências. “Há uma grande pulverização de maneiras de encarar a arquitetura, e não mais uma grande maneira dominante, em que se podia dizer que aquilo era o certo e o outro era errado ou oposto”, avalia Pedro, somando ao contexto atual o trabalho colaborativo e permeável a outras áreas de conhecimento. “As coisas não estão mais claras: se pode ou não pode, se isso é de uma ou outra área [de conhecimento].”

Áreas como artes visuais, filosofia e literatura têm influenciado o Aleph Zero (referência à obra do escritor argentino Jorge Luis Borges) mais do que a própria arquitetura. “Abriu mais um caminho de interpretação”, explica Gustavo sobre essa relação. Recentemente, a dupla convidou um artista para desenhar uma casa que estavam projetando, do jeito que a imaginava. Mais do que uma guia, a criação artística funcionou como provocação para os arquitetos saírem do lugar comum e refletirem sobre o próprio trabalho, fugindo da rigidez que acreditam que a arquitetura pode ter.

“O trabalho da arquitetura é semelhante à prática artística no sentido de interpretação da sociedade, do local (…) mas tem uma função”, compara Pedro sobre o processo de materialização de ideias. E é um trabalho que pode, como numa instalação, criar as atmosferas que interessam à dupla, que acaba de migrar o escritório para São Paulo (SP). “Ainda mais em espaço público”, detalha Gustavo. “Isso aumenta o repertório da pessoa e a relação dela com o lugar.”

*Matéria publicada originalmente na edição 200 da revista TOPVIEW. 

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