O espírito livre de Rimon Guimarães
Quem já passou pela Casa Hoffmann, no Largo da Ordem, conhece Rimon Guimarães. Ou pelo menos sua obra. É de sua autoria o imenso e colorido painel pintado na lateral do prédio, em 2011, por ocasião da 6ª Vento Sul – Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Curitiba.
Impossível não ser impactado por sua obra vibrante. Fui entrevistá-lo em seu apartamento-ateliê, estrategicamente localizado a poucos passos do Largo, reduto maior dos artistas locais. O jeito calmo e a fala mansa não dão pistas do artista inquieto e multifacetado que é Rimon. Grafiteiro, pintor, músico, ativista, o moço ainda desenha as próprias roupas e inventa exposições que aguçam todos os sentidos.
Essa história começa lá no Portão, bairro onde o menino Rimon dos Santos Guimarães morava com a família. Desde sempre, interessou-se pelas artes visuais. As primeiras “lições” foram os desenhos na tevê e as histórias em quadrinhos. Ele ainda não tinha noção de que gostava deles pela arte, mas seu material escolar nunca mentiu: “Eu desenhava muito nas aulas. Meus cadernos sempre tiveram mais desenhos do que matéria.”
Não só os cadernos. No ensino médio preferiu “ilustrar” uma prova de matemática a fazer contas. “Minha mãe foi chamada na escola, foi tenso”, conta, divertindo-se. A situação foi resolvida na conversa. Nada demais para o menino acostumado a usar a lábia para se livrar de alguns flagras da polícia enquanto grafitava. Sua primeira experiência nos muros foi aos 13 anos, quando saiu para grafitar com mais três amigos. E não parou mais. Os antigos companheiros seguiram outros caminhos, mas Rimon se encontrou na arte.
Seu talento não demorou a ser reconhecido. Em 2004, com apenas 14 anos, foi selecionado para participar do 15º Salão Paranaense de Paisagem, Museu de História e Arte, em Maringá. No ano seguinte fez sua primeira exposição individual, chamada Mancebo, no Projeto Parede do extinto bar Era Só o que Faltava. Vendeu algumas obras, descobriu que as pessoas gostavam de sua arte e decidiu investir.
Aos 25 anos e com o status de ser um dos nomes de maior projeção da street art brasileira atual, seu currículo conta com 29 exposições coletivas e 7 individuais. Entre elas, Volúvel, no Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC) em colaboração com o artista Pjota, em 2008; a individual Laboratório Objeto Escarlate, no Espaço +Soma, em São Paulo, em 2010; mesmo ano em que fez um tour pela Europa, onde mostrou seu trabalho na coletiva Art Trek, na Bélgica.
Também músico e performer, aos poucos ele foi transformando suas exposições. Em 2011, na individual Descalzo, em Buenos Aires, os visitantes eram convidados a tirar os sapatos. Lá dentro da 1 / Galería de Arte, além de apreciar as pinturas, desfrutavam de música ao vivo, tomavam suco de laranja espremido na hora e sopa feita ali mesmo por Rimon, músicos e quem mais quisesse colaborar.
Mama África
Em julho deste ano, ele esteve na África participando do Wide Open Walls. Foram dez dias viajando e visitando comunidades em pequenos barcos, táxi ou a pé. Em cada uma delas, um mural. “As viagens me inspiram, ainda mais na África, de onde eu tenho uma influência visual forte. Vários mestres da pintura tiveram, como Picasso e Mondigliani. Esses lugares que têm uma identidade cultural forte me ajudam bastante a criar”, diz.
Autodidata, ele chegou a frequentar a Faculdade de Belas Artes por dois anos, em dois cursos: pintura e gravura. Mas ficou difícil conciliar estudos, viagens e produção no ateliê. “Comecei a me desinteressar pelo estudo acadêmico e seguir uma pesquisa própria. Mas o tempo que eu estive lá, aproveitei bastante e me ajudou muito”, relata. “Te deu um caminho?”, pergunto. “Me deu pelo menos um caminho para eu saber que não era aquele.” Risos.
Essa liberdade criativa transparece em sua obra. “Um dos pontos que mais me interessa no trabalho do Rimon é o quanto ele transfere sua maneira de viver para a sua prática artística. Ele é o que podemos chamar de um espírito livre, sempre em busca de novas experiências”, analisa o galerista e jornalista Lucas Ribeiro, o Pexão, da Galeria Logo, de São Paulo, que representa o artista.
Rótulos, críticas e palpites não parecem afetar ou preocupar Rimon. Ele diz se interessar, mas de forma passageira. “É difícil definir meu trabalho em palavras porque ele é feito para ser degustado visualmente. Acho que a definição escrita seria mais como poesia ou música, não seria algo assim muito linear”, se esforça. Mas logo sai pela tangente: “Meu trabalho está em aberto. Não gosto de dizer o que é. É um portal que a própria pessoa cria: quem é o personagem, o que ele está fazendo, onde ele está. Acho legal isso.”
Para o crítico, curador, historiador de arte e professor da Faculdade de Artes do Paraná (FAAP), Artur Freitas, Rimon é um dos artistas mais importantes de sua geração. “Ele consegue conciliar, em sua obra, a energia da linguagem urbana com os códigos mais específicos do mundo da arte contemporânea.” Freitas foi um dos curadores da Bienal de Curitiba de 2011 – aquela do painel na Casa Hoffmann.
Versatilidade
Rimon se apresenta eventualmente com a banda Trombone de Frutas. Pretende gravar em breve suas composições e lançar um álbum solo. É ativista da Bicicletada. Criou com amigos a produtora de vídeo Banzai Studio, que produz filmes publicitários para empresas como Kapo e Rexona.
Aprendeu com a mãe a fazer as próprias roupas. O flerte com a moda rendeu namoro: assinou modelos de tênis para a Nike SB e para a ÖUS, entre tantas outras colaborações com grandes marcas ou projetos independentes. Pretende lançar com sua mãe uma linha de roupas, sobre a qual ainda faz suspense. E continuar viajando, descobrindo e interpretando o mundo com sua arte.
*Matéria escrita por Érika Busani e publicada originalmente na edição 158 da revista TOPVIEW.