Raul Cânovas: o senhor das plantas
A vocação do argentino Raul Cânovas para o paisagismo começou cedo, aos 13 anos de idade, quando projetou seu primeiro jardim em Buenos Aires. Veio morar no Brasil em 1969, a convite de um dos mais importantes arquitetos-paisagistas do século 20, Roberto Burle Marx, cujo trabalho teve enorme influência em sua carreira. Além de paisagista, Cânovas é escritor, professor e palestrante. E foi em Curitiba, na Garden Center Casa das Plantas, na primeira de muitas palestras que vai realizar Brasil afora em 2014, que ele conversou com a TOPVIEW.
Top View: O senhor começou a trabalhar com paisagismo aos 13 anos. A precocidade veio por causa de seu pai, também paisagista?
Raul Cânovas: Meu pai achou que já era o momento de eu não apenas trabalhar num jardim, mas bolar um. Então me pediu para determinar qual árvore plantar em uma calçada e quais plantas eu colocaria em uma jardineira em frente a uma casa. Parecia simples, mas ele me obrigou a consultar a biblioteca dele e a justificar a escolha. Não sei se o jardim ainda existe.
TV: E após o primeiro trabalho?
RC: A partir daí meu pai sempre me dava serviços pequenos, como uma sacada, uma jardineira com flor etc. Certa vez, foi inaugurada uma concessionária da Peugeot no centro de Buenos Aires, na famosa calle Florida. Chamaram meu pai para ele acomodar as plantas na vitrine, mas ele deu o trabalho para mim, que estava com 14 anos. Com um jardineiro, um senhor de idade que manjava de plantas, eu cheguei com ideias malucas. Convenci a colocarem um Peugeot entre pedras, como se estivesse em uma montanha, depois entre bananeiras, como se fosse nos trópicos. Pegou bem e assim surgiu a minha vocação de fazer cenário com plantas. Também me marcou muito montar o cenário onde Ary Barroso se apresentou na Argentina. Eu conheci o Ary um pouquinho antes dele morrer [o compositor brasileiro morreu em 9 de fevereiro de 1964, aos 60 anos de idade].
TV: Em 1969, o senhor foi convidado por Burle Marx para trabalhar no Brasil. Como surgiu o convite?
RC: Nos conhecemos em 1964. Eu era um moleque cara de pau viajando de mochila e liguei para o escritório dele de um telefone público no Rio de Janeiro. A telefonista não falava espanhol, mas entendeu que eu queria falar com o Roberto. Então ele me atendeu e falou que estava me esperando. Ele foi com a minha cara e a partir daí toda vez que vinha para o Brasil eu o visitava.
Em 1969, fui passar uns dias com ele em um sítio e ele me fez a cabeça para morar no Brasil. Houve uma ideia inicial de trabalharmos juntos, mas fiquei um pouco atemorizado em morar no Rio. Achava que a cidade era bonita demais e eu, que tinha de trabalhar, iria virar um garotão de praia. Fui então para São Paulo e chegamos a fazer algumas coisas juntos.
TV: Como foi trabalhar ao lado dele?
RC: Não era uma relação de sociedade ou parceria, apenas projetos dele que eu executava. Trocávamos ideias. Ele me influenciou muito. Eu o coloco entre as grandes figuras que interpretaram o Brasil. Vocês têm grandes nomes dentro das artes que levaram o Brasil para o mundo, como Portinari, Villa-Lobos. Mas o Roberto tem uma coisa especial: ele é considerado o maior paisagista de todos os tempos do mundo. Sua linha de trabalho me marca demais e eu procuro que meus jardins tenham essa cara de brasilidade e sejam espontâneos, tentando utilizar entre 80 e 85% de flora nativa da região.
TV: Quais os principais benefícios de se investir em jardins e áreas verdes?
RC: Isso dá qualidade de vida. Há uma coisa meio mística, mas que está presente em todas as religiões e em todo folclore popular: nós partimos de um paraíso e temos de voltar para um paraíso. O jardim, de alguma maneira, é uma escala que você faz em direção ao paraíso. E as pessoas sentem hoje uma necessidade imperiosa de retorno ao agreste no bom sentido, como sinônimo de bucólico. Cada vez mais crescem aquelas pousadas sem ar-condicionado, nem internet, com ventilador e com uma praia selvagem onde você possa tomar sol pelado. O trabalho do paisagista é de devolver essa autenticidade.
TV: Hoje em dia qualquer espaço livre na cidade é ocupado por algum tipo de construção. Onde um dia muitas vezes existia um espaço verde hoje há cimento. Chegamos a um ponto que para ter contato com a natureza é preciso sair da cidade?
RC: Curitiba, por exemplo, é uma capital fora de padrão. Eu a comparo com cidades europeias confortáveis para se viver e trabalhar. Infelizmente, apesar de ter por volta de 65 m² de área verde por habitante – e isso equivale e cinco vezes mais do que é aconselhado pela ONU –, tem muita área impermeabilizada e isso provoca enchentes. E temos uma mudança climática clara nos centros urbanos, que são as ilhas de calor por causa do cimento. É preciso continuar plantando cada vez mais e defendendo as áreas verdes que vocês têm. Se para os construtores há muito mato, eu acho que nunca é demais.
TV: Qual a relação da arquitetura atual com o paisagismo?
RC: Cada vez mais estreita. Os espaços internos das casas ficaram menores e, nos trópicos, nos convencemos de que é cada vez melhor levar a sala para fora. Criam-se ambientes para que a pessoa permaneça mais tempo do lado de fora do que de dentro. Os jardins deixaram de ser um lugar onde você apenas planta, para ser uma extensão da casa. Se você trabalha a semana toda, no fim de semana vai ver que importância tem essa arquitetura externa. Esse diálogo entre arquitetos, paisagistas e decoradores tem de ser aprofundado respeitando o limite que há entre eles. A cumplicidade agora é total, algo que não existia antigamente.
TV: O tema da sua palestra é “Um jardim para sempre”. O que é preciso ter em um jardim para que ele seja eterno?
RC: Quando você pensa em um jardim, não importa o tamanho dele, é preciso pensar em plantar uma árvore que seja da região, que vá atrair os pássaros da região e que, ao colocar outras plantas no local – trepadeiras, arbustos, flores… –, elas se deem bem com a árvore. Você está criando uma harmonia entre elas. Imagine que elas vão “se conversar” porque em algum momento as raízes vão se encontrar, as folhas vão se tocar e essa fauna vai interagir. Se você voltar daqui um milhão de anos, vai ficar surpreso, porque criou um bioma. Um jardim que durou a vida inteira.
1 comentário em “Raul Cânovas: o senhor das plantas”
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ESTOU TERMINANDO UM CURSO DE PAISAGISMO , MAS MESMO ANTES DESSE CURSO SEMPRE ME VI LIGADO A NATUREZA , AO VERDE , AS FLORES , SOMOS FRUTOS DA NATUREZA E CADA VEZ QUE ESTOU EM CONTATO COM ELA ME SINTO MAIS VIVO . POR TANTO , TENHO O TRABALHO DE RAUL COMO INSPIRAÇÃO , POIS TEMOS FAZER QUE A VIDA SEJA UM JARDIM E O JARDIM SEJA PARA A VIDA TODA ……………..