ESTILO

Marzia Lorenzetti: “Não sou uma chef. Sou uma banqueteira”

Marzia Lorenzetti faz verdadeiros banquetes para os olhos, a boca e o coração, seguindo a essência da “cozinha de verdade”

Marzia Lorenzetti perdeu as contasde quantos buffets já serviu. Fazendo um cálculo aproxi- mado, facilmente passam de mil os eventos realizados durante seus 36 anos como uma das banqueteiras mais prestigiadas e disputadas de Curitiba. Tamanho sucesso tem um segredo: a comida do coração, aquela que nos remete à infância, à construção do nosso paladar, com cheiros e sabores únicos.

Marzia descreve-se como uma mulher determinada, sempre divertida, frequentemente teimosa e segura de si. “Não sou uma chef. Sou uma banqueteira”, resume. “Você nunca vai me ver de dolmã, no máximo de avental, para não sujar a roupa que estiver usando no evento.” Na entrevista a seguir, feita na Pizzaria Carolla, um de seus restaurantes (ao lado do grupo Duetto – Clube Curitibano, Hospital Santa Cruz e Hospital Angelina Caron – e do Buffet Comendador Grill), a célebre banqueteira Marzia Lorenzetti fala sobre sua trajetória, o conceito de comida afetiva e as tendências dos banquetes e das festas em 2019.

Entrevista Marzia Lorenzetti

TOPVIEW: Como você começou a se apaixonar pela cozinha?
Marzia Lorenzetti: Meu pai era um supercozinheiro e aprendeu com a minha avó, que cozinhava ainda mais. Nossa família mora em Lucca, uma cidade linda na Toscana, e eu me lembro de ir para lá quando pequena e ver minha avó entre as panelas. Ela era a melhor de todas as cozinheiras do bairro. Sempre fez as melhores tortas e massas e, por isso, era comum ter gente em casa aprendendo com ela. Foi assim que eu aprendi a viver a culinária. Na Itália, é comum até hoje que, quando as mães saem para trabalhar, deixem seus filhos com as avós, e é aí que as crianças se acostumam a viver entre as panelas e começam a entender de comida: porque todo mundo viu a avó cozinhar.

Qual foi a primeira receita que você aprendeu?
Molho à bolonhesa. Lembro da minha avó separando os ingredientes e fazendo o molho com a carne bem picadinha. Mesmo [quando] pequena, ela sempre me deixou ajudar. Ela colocava azeite de garrafa na panela com alho, cebola e tomate e deixava horas cozinhando. Não é como hoje em dia, que fazem o molho em 20 minutos. Lá, a panela ficava a manhã inteira no fogão, reduzindo. Fica tão bom que eu presenteio amigas com esse molho até hoje.

Como você começou a trabalhar com buffets para festas?
Minha família toda sempre trabalhou com comida. Meu pai, Marcello Lorenzetti, foi uma pessoa importante na gastronomia de Curitiba. Eu o via trabalhando com prazer e também compartilho dessa alegria. Quando ele faleceu, eu tinha 19 anos e, junto com meu irmão Massimo, começamos a tomar a frente do Pinheirão Colônia, nosso restaurante em Santa Felicidade. Lá, nós já fazíamos casamentos e foi onde comecei a me familiarizar com buffets. Depois, abrimos outros restaurantes, inclusive em hotéis, onde fazíamos eventos. No ano 2000, eu comecei a fazer eventos externos e, assim, iniciei no catering.

Cite um buffet inesquecível.
No meu caso, foram dois. Primeiro, meu próprio casamento, que teve o buffet feito pelo meu pai, dois meses antes de ele falecer. Ele nem pôde ficar na festa, mas só foi para casa depois de garantir que tudo estava perfeito. Segundo, os eventos da minha família, que, claro, foram muito especiais para mim. Entre eles, eu fiz um buffet voltado para a culinária italiana e a comida do coração, que é uma comida boa, que a gente gosta e traz alegria para quem come. Esse buffet deu tão certo que todo mundo se inspira nele até hoje.

Qual é o maior desafio na hora de montar um buffet?
Meu desafio é que a comida saia exatamente como eu pensei. Isso inclui fazer com que meus cozinheiros entendam aquilo que eu quis, então, antes de degustar com os noivos, eu sempre experimento o cardápio para ver se está de acordo com o que pensei. Depois de tanto tempo trabalhando, só de olhar parece que já sinto o gosto. Mas, se formos falar de um evento desafiador, com certeza foram as edições do Rally Náutico do Iate Clube de Caiobá. O evento era fora de Curitiba e tivemos que levar absolutamente tudo: fogões, geladeiras, freezers, pratos, talheres, copos… além disso, a cozinha ficava em cima da balsa, ou seja, estávamos ilhados. O evento começava ao meio-dia e ia até as 20h e, durante todo esse tempo, servíamos mesas de antepastos e sushi, finger foods, buffets completos de pratos quentes e de sobremesas, para 1.800 pessoas, em cada edição. Já fiz eventos maiores, como congressos para 3 mil pessoas, mas os eventos do Rally Náutico foram os mais desafiadores, porque não tínhamos como sair para buscar algo que tivesse faltado. Então, tudo precisou ser perfeitamente esquematizado.

O que não pode faltar nessas ocasiões?
Comida boa. Eu trabalho por prazer, então, às vezes, gasto mais do que orcei para meus clientes, para que seja farto e tenha um resultado melhor. Isso é uma coisa que prezo muito: a felicidade do outro, mais do que o lucro. Não tem preço quando
as pessoas me ligam já no dia seguinte para elogiar ou quando eu atendo a vários momentos da vida de meus clientes. Já aconteceu diversas vezes de eu fazer a festa de 15 anos, o casamento e o batizado dos filhos de uma mesma cliente ou fazer a ceia de Natal de várias famílias por anos consecutivos.

Quais são as principais tendências de 2019?
As pessoas estão cada vez mais voltadas para o confort food, comidas que inspiram uma coisa boa. Vejo uma preocupação cada vez menor com o conceito, com a forma, e uma onda crescente de valorização do sabor e do sentimento que a comida desperta. Hoje, não basta estar satisfeito com o visual, é preciso pensar no todo. O cliente precisa comer com os olhos, com a boca, mas também com o coração. Como referência, sempre segui os chefs italianos, que trazem uma culinária tradicional com uma visão conceitual e são preocupados com a essência da “cozinha de verdade”.

As pessoas tendem a aceitar novos sabores ou preferem os tradicionais?
Depende. Se eu fizer um jantar pequeno na casa de um cliente, posso sugerir algo mais exótico. Mas em um casamento, por exemplo, eu não posso colocar pratos muito diferentes, afinal, é preciso pensar na maioria e fazer uma escolha que agrade a todos. Claro que também temos que pensar nos vegetarianos, veganos, celíacos e servir opções para essas restrições.

Quais mudanças você nota desde o início da sua carreira?
Antigamente, os casamentos eram mais formais, com cardápios mais rígidos. Não se arriscava nada muito diferente. Hoje, os casamentos são mais descontraídos, permitem jantares em diferentes formatos. Porém, a essência é a mesma: todos querem festas inesquecíveis e convidados elogiando. Cabe a mim transformar esses desejos em verdadeiros banquetes.

*Matéria originalmente publicada na edição 226 da revista TOPVIEW.

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